Ponte fortificada sobre o rio Guadiana, construída em 1510. Tinha 380 metros de comprimento e 5,5 metros de largura, com dezanove arcos e um torreão de três pisos a meio. Durante a Guerra da Restauração, a ponte de Nossa Senhora da Ajuda era conhecida simplesmente por ponte de Olivença, pois ligava esta vila à cidade de Elvas. A ponte foi definitivamente destruída pelo exército espanhol no século XVIII, durante a Guerra da Sucessão de Espanha, permanecendo até hoje no estado documentado pelas fotografias.
Facto que parece ter caído no esquecimento geral, uma parte da ponte já tinha sido derrubada durante a Guerra da Restauração, inutilizando deste modo e até ao final do conflito a via de comunicação mais curta entre a principal praça de guerra do Alentejo e a vila além-Guadiana. Nas suas memórias, o ex-soldado de cavalaria Mateus Rodrigues [Matheus Roiz] dedica um capítulo à operação da destruição da ponte, desenrolada em Setembro de 1645 (embora a data referida no manuscrito esteja errada – 1646):
“Como sempre se temeu que o inimigo viesse derrubar-nos a ponte de Olivença, que era muito necessária (…), ordenaram mandar fazer um forte em um outeiro que ficava da outra banda da ponte, donde o inimigo podia bater a ponte com a artilharia. (…) Em breves dias foi feito, mas logo disseram que não era seguro, em razão que era a área onde o formaram, e não ficava a muralha firme. (…) Mas estando feito, meteram-lhe 100 homens de guarnição, com um capitão muito valente. (…) Tanto que o inimigo viu o forte feito, logo (…) se determinou a vir arrasá-lo. (…) E preparado saiu à campanha com seu poder, que constou de 5.000 infantes e dois mil cavalos. (…)
A primeira coisa com que o inimigo investiu foi com o forte e logo lhe pôs bateria com artilharia. (…) E assim pelo decurso de nove ou dez dias lhe desfez a muralha, que podiam entrar carros e carretas dentro nele, e logo que o viu bem aberto (…) tratou então de o escalar. (…) O capitão que lá estava nunca se quis entregar, senão pelejar [até ao fim], que era um demónio, (…) era o Canastreiro de alcunha. De modo que o inimigo avançou duas e três vezes, matando-lhe os nossos de dentro muita gente. Mas como o capitão Canastreiro viu que não tinha já nenhum remédio (…), pediu então quartel. (…)
Assim como o inimigo teve feita a diligência do forte, tratou logo de pôr bateria à ponte, que do mesmo outeiro donde nos pôs bateria no forte, desse mesmo batia a ponte. (…) Mas não que a bateria derrubasse a ponte ou lhe fizesse dano, mas tinha [a ponte] uma mui grande torre no meio, que sempre tinha uma companhia de infantaria de guarnição, com um capitão natural de Olivença, por nome João Domingos, que bem mal se houve na tal ocasião, que se entregou antes que se visse em nenhum aperto. Finalmente o inimigo deu logo com a torre no chão, que era substância da ponte, porque pelejavam de umas varandas que a torre tinha em cima 50 homens, e como lhes faltou a torre, ficaram a peito descoberto e não tinham nenhum remédio. Como o capitão viu o pouco remédio que tinha, mandou logo aviso ao inimigo que se queria entregar (…). E assim como [o inimigo] esteve de posse [da ponte] tratou logo de a derrubar, para que nunca mais passassem por ela, e começando a querer derrubá-la com artilharia não lhe fazia nada, porque era tudo obra de cantaria mui forte (…). Contudo usou então de outro artifício mais cruel, que eram de minas, e começou a fazê-las em os pilares dos arcos, e como foram feitas estas coisas com barris de pólvora, e dando-lhe fogo deu com dois arcos inteiros e parte de outro na água. De maneira que ficou que não se podia passar de nenhum modo, nem nunca mais se consertou, nem se consertará, porque é necessário um poder [militar] grande para assistir [ou seja, proteger] ao conserto, que não se faz nem em 4 meses, por bem que trabalhem. E não há dúvida que fez muito grande falta assim a Olivença como a Elvas, que era uma grande conveniência e mui bizarra ponte, que tinha 400 ameias de cada banda, com aquela grande torre (…). E ficou o caminho daí por diante sempre por Juromenha, que se trazem duas léguas mais, que são de Elvas a Juromenha por Olivença (…) cinco léguas.“
Mateus Rodrigues tinha razão: a ponte só seria reparada depois da Guerra da Restauração ter terminado. Mas em 1709 seria de novo arrasada e de um modo mais extenso do que o testemunhado pelo memorialista. E até aos nossos dias assim permanece.
Fotos do autor.
Bibliografia: Manuscrito de Matheus Roiz, transcrição do códice 3062 [Campanha do Alentejo (1641-1654)] da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Lisboa, Arquivo Histórico Militar, 1952 (1ª divisão, 2ª secção, caixa 3, nº 2), pgs. 130-133. O excerto foi adaptado para português corrente.
Interessantíssima descrição, com todo o gostinho da época!
Agradeço a referência que deixou no meu blogue. É muito interessante a descrição dos acontecimentos vividos na ponte no século XVII. Tinha a informação de que a ponte foi destruída várias vezes e recuperada até ao século XVIII.
Mas nada tão em pormenor como o documento que transcreve.
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Não tem directamente a ver com a restauração do Reino mas com a restauração «da Ponte» após um dos seus colapsos.
Em 1598 um mestre das eternas obras do Convento de Cristo em Tomar, e que também trabalhou no Aqueduto dos Pegões, Pedro Fernandes de Torres, foi chamado a comandar as reparações da dita ‘Ponte de Olivença’ arruinada pelas cheias do inverno anterior. A obra importou em 3500 cruzados que foram pagos por uma «finta» – um imposto extraordinário para obras públicas (inesperado, que apanha todos de surpreza … daí ter passado à liguagem desportiva) lançada sobre as comarcas de Elvas, Évora, Beja, Portalegre, Tomar e Santarém (fonte: Sousa Viterbo, ‘… Arquitectos e Engenheiros Portugueses’).
Cerca de 50 anos antes destas operações militares à volta dela, umas chuvas torrenciais a danificaram. E fica dito que chuvas torrenciais deve ter havido várias, e provavelmente nada relacionadas com ‘alterações climáticas’, a não ser de forma retroactiva.
Cumprimentos.
Santos Manoel
Sr. Santos Manoel,
Muito obrigado pelo seu precioso contributo a respeito da Ponte de Olivença. Irei fazer uma ligação para o seu comentário num dos próximos artigos.
Cumprimentos.
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Agradecido pelo estudo e disponibilização desta informação.
Mais agradeço ao Sr. Santos Manoel, por ter a origem do termo desportivo “finta”, como jurista com pós graduação em Direito Fiscal, achei essa facto muito interessante, assim como a descrição de um exemplo, também ele muito interessante.
Cumrprimentos