Trombeta não era propriamente um posto, mas um cargo. Existia somente nas unidades de cavalaria, cumprindo a sinalização sonora das ordens que na infantaria cabia aos tambores (ou atambores, como na época também se dizia). O instrumento de sopro designava o cargo. Mas as funções do trombeta não se limitavam aos toques de bota-sela, cerra a eles! (a “carga!” de tempos posteriores, pois no tempo da Guerra da Restauração o termo carga significava disparar uma arma de fogo), retirada e outros. Era um elemento importante como parlamentário na altura dos contactos com o inimigo, mensageiro entre unidades, até espião, quando as circunstâncias o proporcionavam. Sobre o trombeta escreveu D. João de Azevedo e Ataíde na página 28 do seu rascunho:
O ofício de trombeta não é de si mecânico como os tambores da infantaria, antes podem subir e vir a montar por suas partes [isto é, ascender na hierarquia militar pelo valor demonstrado]. Convém que sejam práticos e entendidos, para que quando suceder haverem de levar algum recado ou embaixada ao campo inimigo, o saibam dar e notarem o que lá virem para o referir pontualmente, com tal sagacidade que o inimigo não possa tirar deles coisa alguma, com que venha em conhecimento de algum segredo escondido, além do que um bom trombeta ornamenta uma companhia.
Convém que saiba ler e escrever para tomar as listas das guardas por escrito, e ir avisá-las quando for mandado (…). Costuma ter uma companhia dois trombetas. Um aloja em casa do alferes, aonde está o estandarte, e o outro com o capitão da companhia. Ambos devem de ordinário trazer consigo os trombetas para que, oferecendo-se por necessário haverem de tocar, não façam dilação nenhuma.
A referência ao ofício mecânico dos tambores de infantaria alude ao trabalho braçal, o qual desvalorizava o indivíduo na hierarquia social. Na representação mental dos valores sociais da época, o trombeta tinha assim um ofício mais honrado. O trajo do trombeta era (quando possível) mais vistoso e elaborado do que os demais militares, daí a alusão à “ornamentação” que proporcionava à companhia. Embora isso não seja realçado pelas fontes iconográficas disponíveis para o exército português do período, era comum entre exércitos estrangeiros.
Alguns trombetas do exército português eram de raça negra. Como nota final, registe-se que da trombeta (instrumento de sopro) pendia uma bandeirola com o escudo real português.
Imagens: Em cima, pormenor de um painel do biombo do Visconde de Fonte Arcada (arte sino-portuguesa), representando trombetas do exército português. Museu Nacional de Arte Antiga. Ao meio, pormenor da água-forte de Dirk Stoop sobre a Batalha das Linhas de Elvas, 1659 – note-se o trombeta à margem do combate; Biblioteca Nacional, Iconografia, E1090V. Em baixo, trombeta aguardando que um oficial componha a mensagem que irá entregar. Quadro de Gerard Terborch (década de 60 do séc. XVII), Gemäldegalerie, Dresden.
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