Uma entrada nos campos de Brozas – Dezembro de 1652 (2ª parte)

Continuemos a narrativa de Mateus Rodrigues (Matheus Roiz), que deixámos com o resto da força incursora já em território espanhol, na zona de Albuquerque, nos cabeços denominados As Duas Hermanas.

Assim como chegámos começaram logo de ir acomodando tudo mui bem para que ficasse bem formado de noite; e logo mandaram muitas partidas ao largo, a vigiar a campanha, e a tudo isto fazendo o mais notável frio e água que nunca fez, e o pior de tudo que nunca o mestre de campo general quis deixar fazer fogo a ninguém, para que o inimigo não soubesse aonde ele estava, nem lhe visse o poder que levava. (…) [O inimigo] veio aquela mesma noite com 100 cavalos por uma estrada que vem de Badajoz para Albuquerque para ver o nosso poder e onde estávamos; mas nunca o pôde saber, porquanto por donde ele vinha estava um tenente nosso, muito grande soldado, por nome Francisco de Matos, o Coxo, com 40 cavalos todos escolhidos das tropas, e tendo as sentinelas postos mui ao largo na estrada e fora dela.

Dado o alarme, foi alertado D. João da Costa, que enviou reforços ao tenente Francisco de Matos. No entanto, a força de cavalaria espanhola não atacou, nem houve mais incómodos durante aquela noite. Mas o governador de Badajoz fôra posto a par da incursão, desconhecendo todavia a real dimensão da força portuguesa. Mandou buscar reforços de cavalaria a todas as guarnições da região, pensando que seria o bastante para enfrentar o inimigo, sem saber que havia terços de infantaria entre os invasores.

Assim como amanheceu, logo Dom João da Costa se começou [a] aparelhar para marchar, para ir esperar as tropas que tinham ido a Brozas, porque já lhe parecia que faziam mais dilação [ou seja, demora] do que eles tinham lançado conta, e assim que pondo-se em marcha para as ir esperar quando logo vem um aviso de que vinham já as tropas. Folgou muito Dom João da Costa, porque lhe davam elas grande cuidado, e assim que as viu as mandou logo incorporar connosco, porque não traziam pilhagem de consideração, porquanto foram sentidos na entrada e não acharam que trazer mais que 200 bois e 1.000 carneiros.

Incorporadas as forças regressadas da expedição a Brozas e iniciada a marcha, chegou a notícia de que o inimigo ia aparecendo á vista com muita cavalaria, mas sem infantaria. Logo D. João da Costa tratou de formar em batalha o seu pequeno exército – nesta época ainda não se praticava a marcha de costado, ou seja, as forças marchando em formação de batalha, a qual, embora fosse conhecida em teoria pelos portugueses, só após 1661 foi utilizada, graças ao Conde de Schomberg. Ofereceu-se o capitão francês Stéphane Boule de Rosières para dispor as forças em formação de batalha, o que foi aceite por D. João da Costa, conhecedor da grande experiência na matéria por parte daquele oficial (promovido a comissário geral, Rosières morreria no ano seguinte ao desta incursão, em consequência de ferimentos recebidos no combate de Arronches). Não demorou muito para que ficasse o exército pronto para a peleja.

(…) Quando neste meio tempo vem o inimigo apresentar-se por cima de uns outeiros com tanta cavalaria que a todos nós pôs certeza de haver choque (…); e assim que logo começaram muitos a buscar confessor para se confessarem, e o nosso general da cavalaria André de Albuquerque se vestiu de suas couraças, com suas plumagens brancas na viseira do murrião mui bizarro, fazendo grandes práticas [ou seja, discursos] aos capitães e soldados, que todos cuidavam que não passasse o dia sem choque.

O combate acabaria por não se dar. A força de cavalaria espanhola contava 1.800 efectivos, mas o seu comandante, verificando que o total da sua força era muito inferior aos 1.400 cavalos e 3.000 infantes dos portugueses, optou por retirar-se. Apenas aconteceu uma escaramuça entre companhias que faziam o reconhecimento de ambos os lados, na qual entre 20 a 30 cavaleiros espanhóis foram capturados. Curiosa é a observação de Mateus Rodrigues a respeito do general da cavalaria inimiga, que não nomeia, mas que

(…) os soldados castelhanos bem o diziam, enquanto ele serviu, que su general de la cavalaria era bueno para fraile, mas para soldado no, pues no queria pelejar nunca jamás [em castelhano no original].

Quanto ao saldo da incursão, depois de três dias de muita chuva e muito frio, só 200 bois foram pilhados, e esses acabaram por ser repartidos entre os generais, mestres de campo e capitães de cavalos. Mateus Rodrigues não esconde o seu desapontamento a este respeito. Ficaram a perder os soldados… e as populações às quais o gado fora roubado.

Bibliografia: Manuscrito de Matheus Roiz, transcrição do códice 3062 [Campanha do Alentejo (1641-1654)] da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Lisboa, Arquivo Histórico Militar, 1952, pgs. 314-318.

Imagem: “O alto dos cavaleiros numa floresta”, Peter Snayers, década de 1650, Museu Hermitage, S. Petersburgo. Note-se a cena de pilhagem, à direita – uma constante da passagem de militares por qualquer zona povoada, mesmo que minimamente o fosse.

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