Juan Jacome Mazacan (ou Mazacani, pois era napolitano de nascimento) era um militar bem conhecido dos portugueses. O soldado Mateus Rodrigues refere-se-lhe algumas vezes nas suas memórias. Comandava desde 1644 a guarnição de Zarza la Mayor, e embora o seu território de operações fosse habitualmente a fronteira que confinava com a Beira, entrou por vezes com a sua cavalaria pela raia alentejana. É nesta província que se encontra com a cavalaria portuguesa sob o comando do tenente-general francês Achim de Tamericurt em 23 de Abril de 1649, nas proximidades de Cabeço de Vide, não muito distante da vila de Fronteira.
Na continuação da narrativa, percorremos hoje a disposição táctica das forças, segundo o testemunho de Mateus Rodrigues.
(…) De modo que o dito Mazacan, assim como nos viu a todos, disse para a sua gente (…) senhores, soldados e capitanes, nos tenemos aqui mui buena pillaje de ganados, pero mejor es la que hemos de tener de aquesta que aca viene [em castelhano no original]. (…) E passando o nosso comissário [quer dizer, o tenente-general Tamericurt] pela vanguarda de toda a nossa cavalaria, dizendo aos capitães e mais soldados que não houve[sse] descomposição nem rumor, senão mui calados e cerrados e que fize[sse]mos todos como ele esperava de tão bizarros soldados como nós éramos [na época, a palavra bizarro era aplicada áquele que se distinguia pela sua valentia]; de maneira que se foi para a vanguarda pelejar (…), que iam cinco companhias na vanguarda, muito boas e [com] bons capitães, que era a companhia de um francês, por nome Latuie [Latouche], que o mataram ali, e a companhia do capitão João Homem Cardoso, e a companhia do comissário de Olivença, Duquesne, e a companhia do capitão Dinis de Melo [de Castro], que foi a primeira ocasião em que se achou depois de [promovido a] capitão de cavalaria e procedeu tão bizarramente como adiante direi, e assim mais a companhia do capitão João de Oliveira Delgado, e estas cinco companhias que na vanguarda iam teriam 200 cavalos (…) e as outras iam 4 na batalha e outras 4 na reserva, tudo mui composto e com ordem, na batalha ia o capitão Fernão de Mesquita [Pimentel] por cabo , e na reserva ia o capitão António Jacques de Paiva por cabo. De maneira que assim como o inimigo nos viu com determinação de pelejar, não fez mais que formar-se em (…) vanguarda e reserva, mas na vanguarda pôs todos os bons soldados e oficiais (…), e fê-lo mui grosso, que trazia na vanguarda perto de 400 cavalos, porque fazia conta que, em nos rompendo a vanguarda, que nos fizesse fugir, que logo a demais [cavalaria] havia de fazer o mesmo. Que não há dúvida que era uma ocasião daquelas [em] que é necessário haver bons cabos diante e bons soldados, que se uma vanguarda se rompe, ou sua ou nossa, é necessário muito auxílio de Deus e valor para terem bem mão, vendo fugir a sua vanguarda, e por isso o inimigo se fundava nestas circunstâncias (…). Aonde (…) se formou era um cabeço alto, e ao pé dele corria um ribeiro (…). E todo o gado, assim bois como ovelhas e cabras e porcos e muitas cavalgaduras, tudo isto estava junto, ao pé do inimigo, por onde havíamos de passar forçadamente [forçosamente]. E pelo meio de lá rompemos, e era tanto o fato de roupa que estava pelo chão, que eles haviam roubado pelos montes, que podiam carregar um navio, que todos os castelhanos (…) largaram [d]as garupas para pelejarem mais à sua vontade, e desembaraçados.
(Citações do Manuscrito de Matheus Roiz, versão transcrita do AHM: pgs. 157-159).
Agradeço muito especialmente a colaboração do amigo e investigador de Zarza la Mayor, senhor Juan Antonio Caro del Corral, que tem disponibilizado muita informação sobre o período da Guerra da Restauração – e neste caso, a obra de Gervasio de Velo Y Nieto, Escaramuzas militares en la frontera carcereña con ocasión de las guerras por la independencia de Portugal, Madrid, 1952, de onde me foi possível recolher alguns dados sobre o percurso militar de Juan Jacome Mazacan.
Imagem: Mapa de Portugal, cerca de 1700 (detalhe da província do Alentejo). Note-se a pequena diferença do topónimo, que surge como Cabeça da Vide. Biblioteca Nacional, Cartografia, CC164P.
Imagens de Cabeço de Vide, da arquitectura de hoje e do passado (e da tranquila paisagem dos arredores) podem ser vistas aqui.
O mapa que reproduz é muito interessante. No entanto, a configuração do termo de Olivença é bastante imprecisa. Fiz uma tentativa de reconstituição dos concelhos do Alentejo segundo o Numeramento de 1527-1532 e o território daquele concelho é substancialmente diferente. No que respeita a Cabeço de Vide, no mesmo Numeramento consta também como Cabeça da Vide.
Cumprimentos
Muito obrigado pelo comentário. De facto, o termo de Olivença está mal definido, o que é um pormenor intrigante, pois estes mapas tinham um propósito eminentemente militar (note-se a informação acerca das fortificações e das vias principais entre localidades, sem grande preocupação, todavia, pela precisão da localização relativa entre os aglomerados populacionais). Quanto ao topónimo Cabeço de Vide, tenho-o encontrado assim escrito em vários documentos do século XVII, inclusive no manuscrito de Mateus Rodrigues. Teria a designação mudado no decurso do século XVII, ou ainda nos finais do XVI? Ou ter-se-ia mantido uma dupla designação, talvez com a tendência para Cabeça da Vide cair em desuso?
Mais uma vez lhe dou os parabéns pelo seu magnífico blogue.
E já agora, perdoe-me a “careta” que acompanha o seu comentário – ela não foi produzida por mim, é uma brincadeira aleatória do WordPress. Só quem utiliza um avatar personalizado escapa a esta “partida”.
Cumprimentos
Jorge
O fragmento de mapa que apresenta parece-me ser do mapa de Johann Baptist Homann, de 1704, disponível no site da BN. Tenho andado a pesquisar dados históricos sobre a Vila do Cano (Alentejo) para elaboração de uma monografia, neste ano que comemoramos os 500 anos do foral manuelino. Alguns nomes de localidades do mapa parecem-me errados, talvez devido a problemas de comunicação com o alemão. Será?
Caro João Richau
Muito obrigado pelo seu comentário. Penso que tem razão no que refere, embora no caso de Cabeço de Vide (que surge como Cabeça da Vide no mapa) o nome possa estar de acordo com a designação usada na época, conforme referi na resposta ao comentário acima.
Com os melhores cumprimentos
Jorge Freitas
Tem razão, no que a Cabeço de Vide concerne. Já no Mapa de Fernando Álvaro Seco, de 1561, vem também assim referido.
Cumprimentos