“Na entrada do Inverno tornou o Conde de S. Lourenço a alcançar licença para vir à Corte, e ficou governando a Província de Alentejo o Mestre de Campo General D. João da Costa. Poucos dias depois de dar princípio ao seu governo, soube por inteligências que havia grangeado, que os Castelhanos juntavam algumas tropas, e que estas ameaçavam a campanha de Castelo de Vide, e Portalegre.”
É assim que o Conde de Ericeira começa a narrativa (História de Portugal Restaurado, pg. 333) do episódio que iria culminar no combate de Castelo de Vide, travado em 8 de Outubro de 1650. Entre as fontes disponíveis para esta ocorrência da pequena guerra de fronteira, sem dúvida a mais colorida é a que nos deixou o soldado de cavalaria Mateus Rodrigues (Matheus Roiz), ele próprio participante na acção. E a sua parte da história começa deste modo:
“Estavam um dia (…) [alguns] capitães em casa do general [da cavalaria, André de Albuquerque Ribafria, em Elvas] e disse-lhe Lopo de Sequeira que fosse sua senhoria servido lhe desse licença, e mais a outros quatro ou cinco camaradas, que fossem com suas companhias a São Vicente e Albuquerque, a fazer uma entrada, e ver se podiam dar algum repelão às tropas que estavam naqueles lugares, que quando lhe não saíssem fariam lá mui boa presa, já que estavam ali ociosos, sem fazerem nada. Como estes homens (…) eram tanto seus amigos, disse-lhe o general logo que bem se podiam ir aprestar e com segredo, mas que não haviam de ir mais que cinco companhias (…), em primeiro lugar a sua, que era tenente capitão dela um Agostinho Ribeiro (…), e mais a companhia do meu capitão Francisco Pacheco [Mascarenhas], e mais a companhia de Dinis de Melo [de Castro, futuro Conde de Galveias], e a companhia de Diogo de Mendonça [Furtado] e a do capitão Lopo de Sequeira, que vinham a ser cinco, todas teriam 250 cavalos, de modo que logo os mandou que se fossem aprestar, para ir dormir aquele dia a Arronches, que no outro dia nos havíamos de partir daí para as terras nomeadas, que não são de Arronches lá mais de quatro léguas [c. de 20 Km], e de Arronches haviam de ir connosco uns 20 cavalos que aí estão de pilhantes, que são homens que sabem as terras de Castela a palmos de noite (…).”
O capitão Lopo de Sequeira, sendo o mais antigo dos que iam naquela jornada, foi como comandante da força. Por volta da meia-noite, estando já os soldados a dormir em Arronches, ouviu-se um grande estrondo de artilharia para os lados de Castelo de Vide, a sete léguas de distância (c. de 35 Km). Os capitães rapidamente conferenciaram e concluíram que eram tiros de aviso. O inimigo andaria com cavalaria por aqueles campos, e os tiros serviam para alertar os lugares vizinhos, de modo a que os camponeses guardassem os gados. Foi tomada a decisão de desistirem da entrada e rumarem a Portalegre, para investigar o que se passava, e logo mandaram montar os soldados. Foram escritas duas cartas, uma para o general da cavalaria, dando conta do sucedido, e outra para o mestre de campo comandante da guarnição de Castelo de Vide, informando-o que aquela força de cavalaria seguiria para Portalegre e aí aguardaria pela companhia de Monforte, comandada por D. Fernando da Silva, e que se fosse necessário qualquer auxílio a Castelo de Vide, estariam à disposição.
Chegados a Portalegre, mal tinham desmontado e começado a dar a ração de cevada aos cavalos, receberam um aviso do mestre de campo de Castelo de Vide, dando conta da entrada de uma força inimiga de cerca de 400 cavalos nos campos de Nisa, Alpalhão e Crato. O mestre de campo iria sair com o seu terço e a companhia de cavalos de Duarte Lobo da Gama, e indicava o local para o encontro com o reforço comandado por Lopo de Sequeira. “Podem vossas mercês marchar ao dito posto, que lá me acharão”, rematava a carta.
“Assim como os capitães leram a carta, começam todos com grande festa dizendo «Monta! Monta!». Começámos todos a tirar as mochilas das bocas dos cavalos, que ainda não tinham acabado de comer a sua ração, e mui depressa começámos logo a montar e marchar pela cidade fora na via de Castelo de Vide.” (Citações do Manuscrito de Matheus Roiz, versão transcrita do AHM, pgs. 222-226).
(continua)
Imagem: Detalhe da zona de operações mencionada no texto, in Novissima regnorum Portugalliae et Algarbiae descriptio, c. 1680, Biblioteca Nacional, Cartografia, CC1681A.