
André Mendes Lobo foi um capitão de cavalaria diferente dos demais. Sem nunca ter atingido maior projecção na hierarquia militar, foi durante alguns anos um dos mais importantes elementos na estrutura do exército da província do Alentejo, se não na tomada de decisões ao nível da condução das operações, pelo menos para o funcionamento daquele exército enquanto força militar. De origem plebeia, embora abastado (um vilão muito rico do Alentejo, como refere Felgueiras Gayo), arriscou a sua vida e empenhou a sua fortuna na defesa dos Bragança – talvez mais do que fizeram alguns nobres de sangue que colheram benefícios com a separação de Portugal da Monarquia Hispânica.
A preocupação de André Mendes Lobo era, também, defender o património próprio. As suas terras espalhavam-se pelas zonas que serviam de palcos de combate, de Elvas a Juromenha, passando por Borba, de onde era natural, e Vila Viçosa, onde residia. A sua ligação à Casa de Bragança era muito forte. A ela devia a sua ascensão social, anterior ainda à Aclamação: por serviços prestados ao Duque D. João, fora elevado à fidalguia. Para mais, André Mendes Lobo integrara o grupo restrito dos que tinham um contacto bem próximo com o futuro monarca, pois fora Guarda-Roupa do Duque, ou seja, responsável pela câmara que antecedia o quarto de D. João, no Paço de Vila Viçosa. Tremenda carreira ascensional para um plebeu que, em 1625, quase fora assassinado por parentes da sua esposa, a fidalga D. Leonor da Silveira, indignados com o matrimónio do vilão com alguém que lhe era socialmente superior.
Também D. Leonor da Silveira privara com a família ducal, tendo sido ama de leite do Príncipe D. Teodósio. Mais do que isso, privara intimamente com o próprio D. João em manobras de Eros e Afrodite. Mancebia à qual Felgueiras Gayo atribui os favorecimentos feitos a André Mendes Lobo já depois do Duque cingir a coroa de Rei.
Após a Aclamação, André Mendes Lobo quedou-se pelo Alentejo. As suas acções como capitão de cavalos surgem em algumas relações e documentos oficiais, em nada sendo deslustrosas, mas também sem lhe valerem avanço na carreira das armas – não seria essa, de resto, a sua ambição. Embora continuasse a servir, era também pagador geral do exército do Alentejo, tendo chegado a desembolsar a soma de 18.000 cruzados (7.200.000 réis) para financiar os custos de uma campanha militar no Alentejo. Fazia questão de mostrar a sua riqueza e empenho no serviço através da dimensão da sua companhia de cavalos: na década de 50 e inícios da de 60, tanto a sua unidade como a do seu genro Dinis de Melo de Castro (futuro Conde de Galveias) ultrapassavam a centena de cavalos, quando a média das demais não ia além das 46 montadas; em 1661 chegaram a corresponder, no seu conjunto, a mais de 12% dos efectivos de cavalaria do exército do Alentejo.
Ia o ano de 1661 avançado quando André Mendes Lobo deixou o serviço na cavalaria. Tão grande era a sua companhia, que foi ordenado fosse repartida e dela se formassem duas. André Mendes Lobo faleceu no final de 1661. Uma carta do Conde de Atouguia, de 3 de Janeiro de 1662, ao Conselho de Guerra (ANTT, CG, 1662, maço 22, consulta de 14 de Janeiro) refere a petição feita por D. Leonor da Silveira, mulher que foi do pagador geral deste exército, e capitão de cavalos André Mendes Lobo, em que a viúva declara desejar continuar a servir a Coroa com o zelo que o fazia seu marido defunto, pedindo que, após a divisão da companhia que fora do seu marido, se desse uma companhia a D. António de Almeida e que outra, com mais cavalos que ela determinava comprar, ficasse assistindo no forte com capitão por ela nomeado, ou que então os cavalos se dessem ao genro, Dinis de Melo de Castro. O Conde de Atouguia refere que mandou o vedor geral do exército do Alentejo fazer proporcionalmente a partilha: achando-se 86 cavalos, deu para duas companhias de 43, e os 110 soldados também se repartiram com igualdade. As companhias foram entregues aos capitães D. António de Almeida (carta patente de 8 de Novembro de 1661) e Philipe Suel (francês, carta patente de 21 de Outubro de 1661). Sobre o pedido de D. Leonor para poder prover o capitão que melhor achar para a companhia que ela queria refazer, o Conde foi de opinião que assim lhe fosse concedido, em graça pelos muitos serviços que o seu marido prestara. Realçou as vantagens tácticas da companhia assistir no forte – mesmo que ela não o pedisse, seria necessidade fazê-lo, pois ficava acudindo a Elvas, Juromenha, Vila Viçosa e lugares que se seguem Guadiana abaixo, cobrindo muitas herdades, assim das que ficaram de André Mendes como de muitos outros donos, impedindo as partidas que de Arronches (então na posse dos espanhóis) pretendessem passar a Olivença; e assim ficavam os soldados com melhor comodidade de quartel e os cavalos com mais erva. O Conde mostrou-se contra a proposta para que os cavalos se incluíssem na companhia de Dinis de Melo de Castro, pois na mostra de 29 de Dezembro de 1661 havia 117 cavalos naquela companhia.
A que forte se referia D. Leonor da Silveira, não esclarece o documento. No entanto, pode ser o que refere esta passagem da História de Portugal Restaurado: quando, em 1662, D. João José de Áustria invadiu Portugal de novo pela fronteira do Alentejo e marchou sobre Juromenha, (…) na marcha rendeu o exército uma casa-forte do capitão de cavalos André Mendes Lobo, situada entre Vila Viçosa e Juromenha, e guarnecida com uma companhia de infantaria. Mandou D. João de Áustria arrasá-la (…) (ERICEIRA, Conde de, História de Portugal Restaurado, edição on-line, Parte II, Livro VI, pg. 473). Por essa altura já a companhia a que D. Leonor da Silveira pretendera destinar o comandante estava incapaz de operar, pois segundo uma carta do Marquês de Marialva (13 de Junho de 1662, anexa à consulta de 19 de Junho), houvera ordens régias para que nela não fosse provido qualquer capitão e as deserções e incúria tinham-na deixado de todo perdida.
Bibliografia: além dos meus livros O Combatente durante a Guerra da Restauração… e A Cavalaria na Guerra da Restauração…, onde são tratados vários aspectos da carreira militar de André Mendes Lobo e Dinis de Melo de Castro, veja-se também:
COSTA, Leonor Freire; CUNHA, Mafalda Soares da, D. João IV, s.l., Temas e Debates, 2008, pgs. 84-85.
CUNHA, Mafalda Soares da, A Casa de Bragança 1560-1640. Práticas senhoriais e redes clientelares, Lisboa, Editorial Estampa, pgs. 569 e 588.
FELGUEIRAS GAYO, Manuel José da Costa, Nobiliário de Famílias de Portugal, Braga, Carvalhos de Basto, 1989, vol. IV, t. XI, pgs. 247-248, e vol. VI, t. XVII, pg. 428.
Imagem: “Um combate de cavalaria”, Adam Frans van der Meulen (2ª metade do séc. XVII), Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque.