A muralha de Badajoz. Da cerca medieval à cerca abaluartada (1679-1700) – por Julián García Blanco

Um interessante trabalho de Julián García Blanco, que já se encontra há algum tempo nas ligações – na coluna ao lado, secção “Património” -, mas que merece o devido destaque. Apesar do título remeter para uma época posterior à Guerra da Restauração, o primeiro capítulo diz respeito ao período entre 1640 e 1668. Pode ser lido aqui:

La muralla de Badajoz

Imagem: “Planta da linha de circunvalação, redutos e fortes do sítio de Badajoz” (1658), de João Nunes Tinoco. In La memoria ausente. Cartografia de España y Portugal en el Archivo Militar de Estocolmo. Siglos XVII y XVIII.

Comarca de Santarém (e parte das comarcas de Tomar, Leiria, Setúbal e Évora), cerca de 1640

A propósito do pequeno artigo sobre a recondução de soldados pagos às fronteiras de guerra, aqui fica um mapa atribuído a João Teixeira Albernaz, mostrando a correição (zona de acção do corregedor, magistrado administrativo e judicial representante do Rei na respectiva comarca) de Santarém e parte das comarcas de Tomar, Leiria, Setúbal, Évora e Alenquer. São visíveis algumas localidades mencionadas no referido artigo, como Tancos, Punhete, Abrantes e Torres Novas.

Imagem: Biblioteca Nacional, Iconografia, D96R.

As reconduções de soldados desertores – um exemplo de 1648

A deserção apresentava-se como um fenómeno recorrente nos exércitos da Era Moderna, a que nem os castigos severos e mesmo extremos, como a pena de morte, conseguiam pôr cobro. No decurso da Guerra da Restauração, a deserção afectou bastante ambos os lados em contenda. O facto das levas de soldados serem feitas, na sua maior parte, a contragosto dos ditos, com um misto de persuasão e de força no arrancar dos homens às tarefas quotidianas (ou à vida de indolência) que levavam até aí, predispunha logo à partida para uma má vontade no serviço militar, ao qual muitos nunca se adaptavam. O constante risco de vida e a dureza da vida do combatente fazia com que, na primeira oportunidade, muitos deixassem as fronteiras e regressassem a suas terras (a pátria natural, conforme era designada na época).

Um meio de voltar a preencher os terços de infantaria e as companhias de cavalaria era a recondução dos ausentes. Para esse fim, uma pessoa de autoridade – um nobre, preferencialmente ocupando um posto de oficial superior num exército provincial – era encarregada de se deslocar às comarcas de origem dos desertores, percorrendo as localidades de onde aqueles eram naturais ou onde viviam. A pessoa encarregada de fazer a recondução estava munida de uma lista onde constavam os nomes dos soldados ausentes e a sua filiação (somente o nome do pai, ou o termo “filho de outro”, quando o progenitor era desconhecido) e a terra de onde era natural; listas mais detalhadas podiam incluir os sinais particulares do soldado (para ser mais facilmente reconhecido) e o nome do seu fiador, que era o responsável perante a justiça pelo bom cumprimento do serviço por parte do soldado. Uma vez detectado o desertor, este era preso e reconduzido para a unidade de onde havia fugido. Na maior parte dos casos, porém, as coisas não corriam desta forma tão simples.

O exemplo que trago aqui é um caso isolado, mas que permite ilustrar o resultado de uma recondução específica. Não serve para tecer conclusões mais abrangentes, pois para isso seria preciso estudar um conjunto mais alargado de  documentos (que os há), tratar quantitativamente os dados e analisá-los. No entanto, esta simples lista de 1648 permite ter uma ideia do resultado da deserção e das dificuldades e limites das reconduções.

A lista foi apresentada em Novembro de 1648 ao Conselho de Guerra e mostrava o resultado da recondução levada a cabo, entre Setembro e Outubro, por D. Álvaro de Ataíde na comarca de Tomar. Eram ao todo 101 soldados pagos que haviam supostamente desertado da fronteira do Alentejo. As terras de origem eram Tomar (sede de comarca), Águas Belas, Pias, Ourém, Álvaro, Punhete (actualmente Constância), Abrantes, Sardoal, Mação, Dornes, Alvaiázere, Pedrógão Grande, Tancos, Atalaia, Chão de Couce, Figueiró dos Vinhos e Torres Novas, embora esta vila pertencesse à comarca de Santarém. As diligências de D. Álvaro de Ataíde revelaram que nem todos os soldados tinham desertado.

Dos 101 soldados pagos, D. Álvaro de Ataíde apenas conseguiu fazer a recondução de uma pequena parte. Os casos que encontrou foram os seguintes:

Em serviço nas fronteiras – 33 (32,7% do total)

Reconduzidos – 19 (18,8%)

Desconhecidos nas suas terras – 18 (17,8%)

Mortos – 8 (7,9%)

Ausentes das terras de origem – 6 (5,9%)

Doentes – 2 (2%)

Incapaz para o serviço – 1 (1%)

Soldado auxiliar (alegando que nunca foi soldado pago) – 1 (1%)

Prisioneiro do inimigo (desde a batalha de Montijo) – 1 (1%)

Com ocupação não militar (lacaio) – 1 (1%)

Tendo pago a outro homem para servir no seu lugar (conforme a lei permitia) – 1 (1%)

Preso e tendo voltado a fugir – 1 (1%)

Sem conhecimento do resultado da recondução – 9 (8,9%)

Este último caso reporta a nove dos onze soldados residentes em Torres Novas, que estavam fora da jurisdição de D. Álvaro de Ataíde, mas de cuja recondução fora encarregado João de Saldanha, governador da comarca de Santarém. A lista nada indica acerca do resultado final das diligências, à excepção de dois soldados, que apareceram em Tomar e foram presos e reconduzidos ao Alentejo.

Os soldados dados como servindo nas fronteiras (em terços de infantaria ou companhias de cavalos de Olivença, Castelo de Vide, Elvas e Campo Maior) tinham a sua situação comprovada por certidões apresentadas pelos pais ou fiadores, ou então, apenas declarada pela mãe, como aconteceu num dos casos. No entanto, o responsável pela recondução aceitou estas justificações, cuja comprovação seria difícil de conseguir num prazo curto. Três dos militares dados como no serviço activo eram soldados na companhia de cavalos de André Mendes Lobo. Apenas um servia fora do Alentejo, na província da Beira: Pedro Vaz, de Mação, era soldado em Almeida.

O suposto serviço activo, justificado apenas por uma declaração passada alguns meses antes (entre Junho e Agosto, na maior parte dos casos), podia encobrir perfeitamente uma deserção. Mas é impossível concluir sobre este aspecto. Entre os vários militares cuja situação fora justificada por papel passado e autenticado, destaca-se João de Moura, de Tomar, alferes na companhia do mestre de campo Diogo Gomes de Figueiredo – portanto, o oficial comandante da primeira companhia do terço, uma vez que a do mestre de campo não tinha capitão.

Menos dúvidas deixa o desconhecimento declarado pelos conterrâneos quando indagados acerca de um desertor específico. Ou não se sabia do paradeiro, ou não vinha à terra há muitos anos, ou pura e simplesmente nunca se ouvira falar de tal sujeito na localidade. Por vezes, nem o fiador era encontrado. Outros eram conhecidos, mas estavam ausentes: um, Amador Francisco, de Tancos, era dado como casado em Santarém; outro, Lourenço Duarte, na própria terra (no caso, Pedrógão Grande), tendo fugido com a sua mulher a tempo de evitar a prisão pelo sargento-mor João de Almeida de Abreu. Havia deserções bem sucedidas, como a de Jorge Marques, que passara a ser lacaio de Jorge de Castilho e que por qualquer razão não foi reconduzido.

Havia os que se declaravam doentes ou incapazes – ou porque de facto o estavam, e isso era facilmente verificável, como no caso de Domingos Rodrigues, das Lapas (Tomar), que era aleijado de uma perna devido ao ferimento provocado por uma bala de artilharia; ou porque a doença era passageira e ficava a promessa de um regresso à fronteira logo que convalescesse, como fizera António Francisco, de Além da Ribeira (Tomar).

Alguns soldados constavam na lista dos desertores, mas os seus pais ou fiadores tinham em sua posse certidões que comprovavam o falecimento do militar. Foi assim que D. Álvaro de Ataíde descobriu que Manuel Jorge, de Beselga (Tomar), tinha morrido em Olivença na ocasião de Julho [Junho] de 648, pelejando honradamente (ou seja, foi uma das cerca de 20 baixas sofridas pelos portugueses nessa ocasião). O mesmo acontecera a Manuel Duarte, das Olalhas (Tomar), falecido no hospital de Olivença. Também por certidão ficara comprovado que Nuno Álvares, do Sardoal, morrera no Alentejo. Outros eram dados como mortos nas suas terras de origem, com ou sem instrumento de justificação.

Um dos soldados, Manuel de Sousa, de Dornes, filho de Afonso Antunes, chegou a ser preso, mas voltou a fugir durante a recondução. Em retaliação, o seu pai e um irmão foram incorporados à força e seguiram para a fronteira.

Em suma, da variedade de situações com que se deparou o oficial que procedia à recondução, o facto é que menos de um terço dos soldados foram recambiados de novo para as fronteiras. E nem todos o foram por D. Álvaro de Ataíde: as certidões que os pais e fiadores de vários soldados apresentaram, declarando terem os militares sido reconduzidos às suas bandeiras em meses anteriores, foram aceites como boas e as reconduções tomadas por certas. As declarações sobre o paradeiro de muitos e a aceitação das justificações de índole diversa parecem apontar para uma certa complacência perante a rede que se tecia em torno dos que se ausentavam e que não tinham vontade de regressar ao serviço nas fronteiras. Era esse o bom modo que convinha, sem opressão dos povos, a que se referia o Conselho de Guerra na consulta em que recomendava o agradecimento régio a D. Álvaro de Ataíde pelo seu empenho na recondução.

Fonte: “Lista dos soldados pagos da Comarca de Thomar ausentes de suas bandeiras cuia Recondução se encarregou a Dom Aluaro de Attayde (…)”, anexa à consulta de 11 de Novembro de 1648. ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1648, maço 8-B.

Imagem: Soldados na Flandres (1653). Pintura de Peter Snayers, Museo del Prado, Madrid. Soldados franceses durante a guerra com a Espanha, esfarrapados, com calçado improvisado. As más condições de vida dos soldados: um dos factores da deserção em qualquer exército.

“Guerra da Restauração” – dois anos depois…

Agradeço a todos os leitores, e em especial aos amigos que aqui têm colaborado, enviando documentos e pequenos trabalhos e apontamentos, mantendo um frutuoso intercâmbio sobre este tema da História dos Povos Ibéricos. Um bem haja a todos!

Imagem: Um dos painéis do biombo dos Viscondes de Fonte Arcada. Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa.

Efectivos da província da Beira, partido de Penamacor, em 1648

Em Setembro de 1648, a propósito da insuficiência de dinheiro para pagamento de todas as forças da província da Beira, o governador das armas do partido de Penamacor (distrito militar – por vezes também referido como partido de Castelo Branco), D. Sancho Manuel de Vilhena, enviou ao Conselho de Guerra uma lista exaustiva dos efectivos de que dispunha. Através desse rol ficamos a conhecer o detalhe das unidades que serviam então no partido de Penamacor.

PRIMEIRA PLANA DA CORTE [mais do que um Estado Maior, era uma lista que abrangia todos os oficiais que tinham o privilégio de receberem em primeiro lugar a mesada destinada à província, mesmo que o que sobrasse não fosse suficiente para pagar aos restantes oficiais e praças das unidades; incluía oficiais sem unidade, mas com patente e privilégio passado por decreto régio, capitães-mores de algumas localidades do partido (mesmo de zonas afastadas da fronteira de guerra), “oficiais de pena”, ou seja, não combatentes, amanuenses, cirurgiões e outros]:

1 governador das armas; 1 tenente de mestre de campo general; 1 ajudante de tenente de mestre de campo general; 1 vedor geral; 1 pagador geral; 2 oficiais da Vedoria e da Contadoria Geral do exército; 1 guarda-livros da Vedoria e Contadoria Geral do exército; 1 ajudante do pagador geral; o mestre de campo Manuel Lopes Brandão; o capitão-mor da cidade de Coimbra; o capitão-mor da praça de Salvaterra [do Extremo]; 1 auditor geral; 1 administrador; 1 físico-mor [equivalente ao médico dos nossos dias]; 1 cirurgião-mor; 2 almoxarifes das armas e abastecimentos da praça de Penamacor; 1 almoxarife das armas e abastecimentos da praça de Idanha a Nova; 1 almoxarife das armas e abastecimentos da praça de Salvaterra [do Extremo]; 1 almoxarife das armas e abastecimentos da praça de Segura;1 almoxarife das armas e abastecimentos da praça de Rosmaninhal; 1 almoxarife das armas e abastecimentos da praça de Zebreira; 1 almoxarife das armas e abastecimentos da praça de Proença a Velha; 1 almoxarife das armas e abastecimentos da praça de Monsanto; 1 almoxarife das armas e abastecimentos da praça de Penha Garcia; e uma praça morta [pensão por invalidez] que se paga por alvará régio a Francisco Sanchez Bueço. TOTAL: 26 elementos.

INFANTARIA

Terço do mestre de campo João Fialho

Primeira plana do terço: 1 mestre de campo, 1 sargento-mor, 2 ajudantes do número, 2 ajudantes supranumerários, 1 capitão de campanha [oficial de justiça], 1 furriel mor, 1 tambor mor. TOTAL: 9 elementos.

Companhia do mestre de campo: 1 alferes, 1 abandeirado, 1 sargento do número, 1 sargento supranumerário, 2 tambores, 1 capitão reformado, 3 alferes reformados, 1 sargento reformado [estes oficiais e sargentos reformados serviam como praças, recebendo um soldo inferior ao que correspondia à sua patente se estivessem providos nos respectivos postos; logo que vagassem postos numa companhia, poderiam vir a ocupá-los, tornando a receber o soldo correspondente à patente], 4 cabos de esquadra, 74 soldados. TOTAL: 89 elementos.

Companhia do capitão Paulo Craveiro: 1 capitão, 1 pajem, 1 alferes, 1 abandeirado, 1 sargento do número, 1 sargento supranumerário, 2 tambores, 4 cabos de esquadra, 75 soldados. TOTAL: 87 elementos.

Companhia do capitão Simão da Costa Feio: 1 capitão, 1 pajem, 1 alferes, 1 abandeirado, 1 sargento do número, 1 sargento supranumerário, 2 tambores, 4 cabos de esquadra, 46 soldados. TOTAL: 58 elementos.

Companhia do capitão Simão de Oliveira da Gama: 1 capitão, 1 pajem, 1 alferes, 1 abandeirado, 1 sargento do número, 1 sargento supranumerário, 2 tambores, 4 cabos de esquadra, 67 soldados. TOTAL: 79 elementos.

Companhia do capitão Jorge Fagão: 1 capitão, 1 pajem, 1 alferes, 1 abandeirado, 1 sargento do número, 1 sargento supranumerário, 2 tambores, 4 cabos de esquadra, 54 soldados. TOTAL: 66 elementos.

Companhia do capitão Mateus Álvares: 1 capitão, 1 pajem, 1 alferes, 1 abandeirado, 1 sargento do número, 1 sargento supranumerário, 2 tambores, 4 cabos de esquadra, 45 soldados. TOTAL: 57 elementos.

Companhia do capitão Manuel de Brito: 1 capitão, 1 pajem, 1 alferes, 1 abandeirado, 1 sargento do número, 1 sargento supranumerário, 2 tambores, 4 cabos de esquadra, 50 soldados. TOTAL: 62 elementos.

Companhia do capitão Diogo Freire: 1 capitão, 1 pajem, 1 alferes, 1 abandeirado, 1 sargento do número, 1 sargento supranumerário, 2 tambores, 4 cabos de esquadra, 45 soldados. TOTAL: 57 elementos.

Companhia do capitão José de Oliveira: 1 capitão, 1 pajem, 1 alferes, 1 abandeirado, 1 sargento do número, 1 sargento supranumerário, 2 tambores, 4 cabos de esquadra, 46 soldados. TOTAL: 58 elementos.

Companhia do capitão Manuel Correia: 1 capitão, 1 pajem, 1 alferes, 1 abandeirado, 1 sargento do número, 1 sargento supranumerário, 2 tambores, 4 cabos de esquadra, 51 soldados. TOTAL: 63 elementos.

Companhia do capitão Fernão Monteiro: 1 capitão, 1 pajem, 1 alferes, 1 abandeirado, 1 sargento do número, 1 sargento supranumerário, 2 tambores, 4 cabos de esquadra, 44 soldados. TOTAL: 56 elementos.

Companhia do capitão Domingos da Silveira: 1 capitão, 1 pajem, 1 alferes, 1 abandeirado, 1 sargento do número, 1 sargento supranumerário, 2 tambores, 4 cabos de esquadra, 52 soldados. TOTAL: 64 elementos.

Companhia do capitão Simão Feitor: 1 capitão, 1 pajem, 1 alferes, 1 abandeirado, 1 sargento do número, 1 sargento supranumerário, 2 tambores, 4 cabos de esquadra, 70 soldados. TOTAL: 82 elementos.

Efectivo total do terço do mestre de campo João Fialho: 887 homens (111 oficiais, sargentos e outros, fazendo parte da primeira plana do terço e das primeiras planas de cada companhia; 776 cabos de esquadra e soldados), em 13 companhias.

Companhias soltas de auxiliares (assistindo nas diversas praças da fronteira)

Companhia do capitão Manuel de Araújo: 1 capitão, 1 pajem, 1 alferes, 1 abandeirado, 1 sargento do número, 1 sargento supranumerário, 1 tambor, 4 cabos de esquadra, 44 soldados. TOTAL: 55 elementos.

Companhia do capitão António Estaço da Costa: 1 capitão, 1 pajem, 1 alferes, 1 abandeirado, 1 sargento do número, 1 sargento supranumerário, 1 tambor, 4 cabos de esquadra, 55 soldados. TOTAL: 66 elementos.

Companhia do capitão João de Elvas: 1 capitão, 1 pajem, 1 alferes, 1 abandeirado, 1 sargento do número, 1 sargento supranumerário, 1 tambor, 4 cabos de esquadra, 56 soldados. TOTAL: 67 elementos.

Os oficiais e soldados das duas primeiras companhias, apesar de serem de auxiliares, recebiam o mesmo soldo que os seus congéneres do exército pago, o que constituía uma excepção; a companhia do capitão João de Elvas recebia apenas pão de munição por conta da fazenda real, como estava regulamentado para os auxiliares.

Efectivo total das três companhias auxiliares: 188 homens (21 oficiais e outros; 167 cabos de esquadra e soldados).

CAVALARIA

Por não haver na altura comissário geral da cavalaria naquele partido, toda a cavalaria (constituída inteiramente por arcabuzeiros a cavalo) era governada pelo capitão Gaspar de Távora e Brito. Existia, todavia, uma primeira plana da cavalaria.

Cavalaria paga

Primeira plana da cavalaria: 1 ajudante; 1 capelão mor. TOTAL: 2 elementos.

Companhia do capitão Gaspar de Távora e Brito: 1 capitão, 1 pajem, 1 tenente, 1 alferes, 1 furriel, 1 capelão, 2 trombetas, 4 cabos de esquadra, 47 soldados. Total: 59 elementos.

Companhia do capitão Manuel Furtado de Mesquita: 1 capitão, 1 pajem, 1 tenente, 1 alferes, 1 furriel, 1 capelão, 2 trombetas, 4 cabos de esquadra, 66 soldados. Total: 88 elementos.

Companhia que foi do comissário geral, governada pelo tenente João Colmar: 1 tenente, 1 alferes, 1 furriel, 1 capelão, 2 trombetas, 4 cabos de esquadra, 52 soldados. Total: 62 elementos.

Efectivo total das três companhias de cavalaria paga: 200 homens (23 oficiais e outros; 177 cabos de esquadra e soldados).

Cavalaria da ordenança

Companhia do capitão João Cordeiro: 1 capitão, 1 tenente, 1 furriel, 1 capelão, 2 trombetas, 4 cabos de esquadra, 85 soldados. Total: 95 elementos.

Companhia do capitão Henrique Leitão Rodrigues: 1 capitão, 1 tenente, 1 furriel, 1 capelão, 2 trombetas, 4 cabos de esquadra, 41 soldados. Total: 51 elementos.

Estas companhias recebiam apenas pão de munição e o centeio para o animais, por conta da fazenda real.

Efectivo total das duas companhias de cavalaria da ordenança: 146 homens (12 oficiais e outros; 134 cabos de esquadra e soldados).

O partido de Penamacor contava com 31 “Vigias do Largo” (montados, pois vêm referidos na parte correspondente à cavalaria), destinados dar o alerta de quaisquer entradas que o inimigo fizesse, os quais recebiam 160 réis por dia. Os cavalos deviam ser dos próprios e não recebiam qualquer provimento de cevada ou centeio para os animais nem pão de munição, pois nada consta a este respeito na minuciosa lista mandada elaborar por D. Sancho Manuel.

ARTILHARIA

Plana dos oficiais da artilharia: 1 capitão da artilharia, 1 gentil homem da artilharia, 2 condestáveis da artilharia, 10 artilheiros. Total: 14 elementos.

Como nota adicional, acrescente-se que a lista incluía nas despesas os gastos com 40 prisioneiros castelhanos, que recebiam cada mês um total de 1.200 pães de munição de um arrátel cada, as quantias com despesas secretas (destinadas a espionagem) e correios, e com 22 cavalos desmontados (provavelmente em adestramento para servirem nas companhias), os quais recebiam rações de centeio.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1648, mao 8-B, “Rellação da Gente de guerra, Infantaria, Caualaria e Artilharia, que assiste nesta Prouincia da Beira em o Partido das tres Comarcas Castelo Branco Viseu e Coimbra de que he Gouernador das Armaz D. Sancho Manuel…”, anexa à consulta de 11 de Dezembro de 1648.

Imagem: “Soldados numa aldeia” (1644), pintura de Joost Cornelisz (1586-1666).

O mestre de campo João Fialho

A propósito do mestre de campo João Fialho, acima referido como comandante do terço pago do partido de Penamacor, o leitor JCPort deixou aqui há algumas semanas comentários interessantes sobre aquele seu antepassado, que passo a reproduzir, agradecendo mais uma vez a sua colaboração:

João Fialho, natural de Alenquer, Vila Verde dos Francos, era Fidalgo da Casa Real por serviços prestados na sua acção durante a Guerra da Restauração, no comando de um terço de infantaria na zona fronteiriça do Alentejo [e principalmente na Beira, como é patente].

Conforme biografia incluída nos Livros de RGM – Ordens, nºs 2,7 e 10, na atribuição de duas Comendas na Ordem de Cristo entre 26-06-1644 e 15-02-1669 (S. Miguel do Outeiro e St.a Maria de Almendra), refere-se, na atribuição da Comenda de Sta. Maria de Almendra, que fora Mestre de Campo e Governador de Armas da Província da Beira no impedimento do proprietário [provavelmente por um breve período, como interino, pois não consta nas listas oficiais].

João Fialho teve um filho natural de nome Luís Fialho, que se destacou, como o pai, na defesa fronteiriça do Alentejo, e uma irmã Mariana, que casou com um João Correia (Felgueiras Gayo, título “Salinas”). Desconhece-se se eram filhos da mesma progenitora.

Uma escaramuça em terras de Riba Coa, 1642 – por Juan Antonio Caro del Corral

Enquanto os afazeres profissionais não me deixam actualizar o blogue com a regularidade desejada, aqui vos deixo mais uma interessante colaboração de Juan Antonio Caro del Corral – originalmente um comentário a esta entrada, mas que merece o devido destaque em artigo próprio. Os meus agradecimentos ao Juan Antonio, especialista na investigação histórico-militar da fronteira da Beira. Em breve darei mais um contributo sobre esta fronteira, com a colaboração do estimado leitor JCPort, que teve a amabilidade de me endossar alguns documentos, e a quem aproveito para agradecer.

UNA ESCARAMUZA EN TIERRAS DEL RIBACOA

1642 fue un año muy pródigo en sucesos militares. Salvo en algunas ocasiones puntuales, que obligaron a que el número de tropa reclutada alcanzase notabilidad, la mayor parte de los acontecimientos no fueron más que pequeñas incursiones enmarcadas en la denominada “guerra de frontera”, dónde el pillaje primaba sobre cualquier otro objetivo. Así, las pretensiones no eran conquistar pueblos y aldeas, sino que lo verdaderamente interesante era obtener un cuantioso botín, el cual se repartiría posteriormente entre todos los implicados en el ataque, atendiendo, como es lógico, a su categoría dentro del estamento militar.

Estas acciones, llamadas unas veces “de course”, en otras “escaramuzas”, o simplemente “de castigo”, al desarrollarse con frecuencia, producían un doble efecto en quienes más directamente las sufrían: los vecinos de los lugares atacados.

Por una parte éstos veían mermadas sus pertenencias, que eran robadas e incendiadas por los agresores; y en segundo lugar, la moral también decaía considerablemente, pues apenas había tiempo de recuperación entre un ataque y el siguiente. En definitiva, consecuencias físicas y psicológicas.

Un claro ejemplo de estas incursiones y sus resultados negativos,  fue la realizada sobre Villanueva del Fresno en el citado 1642, cuyo desarrollo ha sido debidamente tratado en uno de los capítulos de este blog histórico-militar. Pero, como dijerá párrafos atrás, ése no fue el único acontecimiento de aquel año.

Bajo las pautas que caracterizaban a las escaramuzas y que ya han quedado expuestas anteriormente, poco después del suceso de Villanueva, tuvo lugar un hecho que causó gran conmoción al ser debidamente publicitado tras su conclusión. Tuvo lugar en tierras de la Beira Alta, concretamente en la comarca llamada popularmente Ribacoa.
Limitaba esta zona con la frontera mirobrigense, gobernada por el Excelentísimo señor Duque de Alba. Este general llevaba ya un tiempo meditando una entrada en campo enemigo, sobre todo porqué, en los meses precedentes, los lugares de su jurisdicción más próximos a la Raya divisoria (Aldea del Obispo, Fuentes de Oñoro, La Fregeneda….)  habían sido objeto de duras acciones represivas por parte de los portugueses de la mentada región beirense.
Así pues, era opinión del Duque lanzar un ataque en venganza del daño recibido.

Combinando sus movimientos con los realizados por otras tropas de la frontera pacense, que a su vez tenían intención de atacar en la frontera sur al objeto de dividir a las posibles fuerzas defensoras lusitanas y facilitar con ello el éxito del de Alba, mándo éste reunir un potente ejército poniendolo a las órdenes de sus dos mejores oficiales: Juan Suárez de Alarcón, más conocido por su noble título de Conde de Torresvedras, y Alvaro de Vivero, mano derecha principal del Duque.

Así, con 1200 infantes y 500 caballos, más otras gentes procedentes de Valladolid y Salamanca, se pusieron en camino ambos comandantes el día 17 de octubre de 1642.

Cruzaron la frontera por los vados situados junto a la localidad de San Felices de los Gallegos, encontrándose frente a su posición una vasta campiña cuajada de alquerias, aldeas y villas que, desconociendo el peligro que sobre ellas se cernía, tenían sus campos, ganados y haciendas totalmente descuidadas. Sin duda un inmejorable botín para los castellanos.

Comenzo la escaramuza sin hallar oposición. Dividióse al efecto en dos grupos el ejército invasor. Uno atacó la banda derecha y el restante la izquierda.

Escarigo, lugar de apenas 200 vecinos y con sólo un retén de 60 soldados, fue el primero en conocer la rapiña de los hombres comandados por el Marqués de Creche, comisario general de la caballería castellana. Del incendio se salvó unicamente la iglesia.

Siguieron la estela de Escarigo las villas de Vermiosa, Almofala, Colmeal y Torre dos Frades. En esta última hicieron noche para descansar y reponer fuerzas la gente de Torresvedras y Vivero.

A la mañana siguiente, 18 de octubre, continuó la cabalgada saqueándose el poblado llamado Mata de Lobos, dónde dieron muerte a ocho vecinos que huían cargados de ropa, pan, vino, trigo y otros enseres.

Para entonces los únicos que se habían atrevido a detener la invasión fueron unos jinetes procedentes de la plaza amurallada de Castel Rodrigo, aunque no tuvieron fortuna en su intento, teniendo que retirarse al galope.

El ejército castellano, pese a todo, no se detuvo, y se presentó al mediodía ante las puertas de Escalhao, sin equivoco la población más importante y rica de cuantas se habían hallado en su avance.

Toda la vecindad (más de 600 personas), ante el aviso de que llegaba el invasor, estaba recogida en la iglesia, convertida en una auténtica fortaleza. Fue responsable de la defensa de la misma el sargento Joao da Silva Freio, al mando de 35 soldados.

Soportaron el asedio castellano muchas horas; incluso acabaron con la vida de varios militares. Cuenta la tradicción escalonense que un hombre del lugar, de nombre Janeirinho, armado de valor y coraje, enfrentándose a un capitán que pretendía entrar en el reducto religioso, logró acabar con la vida del agresor al tiempo que gritaba enardecido”… Viva o Janeiro com a sua porra…”.

Leyendas aparte, lo cierto, según los documentos conservados, es que los castellanos, viendo la imposibilidad de tomar la iglesia y faltándoles munición y víveres para seguir su correría, optaron por finalizarla, regresando aquella misma tarde a sus cuarteles de Ciudad Rodrigo.

Consigo llevaron muchas cabezas de ganado, gran bulto de ropa, utensilios varios y otras menudencias que la soldada obtuvo en los saqueos de los pueblos atacados.

Habían vengado de esta forma las afrentas recibidas, satisfaciendo los planes del Duque de Alba. Objetivo cumplido.
Así fue y así terminó una de las muchas acciones de guerra que tuvieron como escenario a la frontera extremeña-portuguesa. Era sólo el segundo año de conflicto, y quedaban aun por cumplirse veintiséis campañas más.

Pero eso es otra historia.

JUAN ANTONIO CARO DEL CORRAL

Imagem: “Escaramuça de cavalaria”, por Pieter Meulener.

“O Conselho de Guerra como lugar de poder: a delimitação da sua autoridade” – artigo de Fernando Dores Costa

Não sendo propriamente um especialista da História Militar, é neste campo – e na área da Guerra da Restauração, em particular – que o Dr. Fernando Dores Costa tem desenvolvido parte da sua investigação. Confesso que nem sempre estou em sintonia com as suas interpretações, mas como académico e autor merece todo o meu respeito. Um dos seus mais recentes estudos é este artigo de 2009, originalmente publicado na revista Análise Social, que aqui fica disponível em ficheiro pdf através desta ligação.

Imagem: “Escaramuça de cavalaria”, pintura de Pieter Meulener.

O capitão de cavalos e pagador geral do exército do Alentejo André Mendes Lobo – mais um documento sobre este oficial

Há menos de um ano apresentei aqui um artigo sobre André Mendes Lobo. Para evitar repetições desnecessárias, convido à leitura da breve biografia desta interessante personagem, muito ligada à Casa de Bragança.

Hoje trago aqui a transcrição de uma consulta do Conselho de Guerra referente ao pedido formulado por André Mendes Lobo, no sentido de lhe ser atribuída a patente de capitão de cavalos para uma companhia paga que seria formada às suas custas. Como sempre faço, a ortografia original foi adaptada para a actual e foi acrescentada alguma pontuação, de modo a tornar mais fácil a compreensão do texto.

O Conde de São Lourenço, Governador das Armas da Província e exército de Alentejo, dando, na sua carta inclusa, conta a Vossa Majestade de haver, por ordem sua, feito André Mendes Lobo, pagador geral do mesmo exército, uma companhia de cavalos à sua custa, que é das melhores que há nele, e da promessa que para este efeito lhe fez de haver patente de Vossa Majestade para servir de Capitão dela, com obrigação de ter sempre efectivo o número de cavalos que há-de constar; pede a Vossa Majestade  que, por ser este serviço de tão grande importância (como é o assegurar-se com eles o caminho de Vila Viçosa, Borba, Juromenha e Olivença) e exemplo para outras pessoas se animarem a fazer o mesmo, se sirva conceder a André Mendes a mercê que ele, Conde, lhe prometeu, o qual, na petição que também vai inclusa e se [a]presentou por sua parte, refere que há seis anos serve na ocupação de Pagador geral do exército do Alentejo, e a importância de que tem sido ao serviço de Vossa Majestade o forte que fez no monte do Farragudo para segurança dos comboios e vassalos de Vossa Majestade; e que vendo o Conde de São Lourenço que os Capitães de cavalos, em razão de ser aquele sítio terra áspera e montuosa [ou seja, de relevo acidentado], recusavam mandar assistir, como até agora o fizeram, partidas de cavalos, e considerando quanto convém que ali haja uma tropa deles, assentou com ele que à sua custa comprasse (como o fez) para este efeito oitenta cavalos, com condição que serviria de Capitão da companhia que deles se havia de formar, com as mesmas obrigações com que o fazem os mais Capitães de cavalos, e se daria aos oficiais e soldados dela o soldo que se dá aos das outras companhias. E porque este é um dos particulares serviços que faz a Vossa Majestade, pede a Vossa Majestade lhe mande passar patente do posto de Capitão de cavalos da dita companhia, com o soldo que por razão dele lhe tocar, dando-se-lhe por um alvará por evitar a derrogação do Regimento que dispõe que nenhuma pessoa possa vencer dois soldos juntamente.

O Conselho, entendendo que é mui considerável o serviço que André Mendes Lobo faz a Vossa Majestade na oferta que faz de comprar à sua custa oitenta cavalos para formar deles uma companhia que sirva na forma que ele aponta na sua petição e o adverte o Conde de São Lourenço na sua carta, é de parecer que Vossa Majestade a deve aceitar, e mandar-lhe agradecer e significar que por ele terá lembrança de lhe fazer a mercê que houver lugar e merece o zelo com que em tudo procura cumprir com as obrigações do serviço de Vossa Majestade, mandando-lhe passar patente de Capitão de cavalos da mesma companhia com o soldo que pede; e aponta o Conde que vem a ser pouco mais que o que goza com o posto de Pagador geral; e porque havendo de servir André Mendes juntamente de Pagador geral, não convém arriscar sua pessoa, em razão das contas do dinheiro que entra em seu poder, deve Vossa Majestade mandar advertir ao Conde de São Lourenço que o tenente que se houver de nomear para o ser desta companhia, seja sujeito tal que possa governar a companhia com todo o acerto e servir nas ocasiões que se ofereçam, sem empenhar nelas o Capitão. Lisboa, 27 de Agosto de 648.

[Decreto régio:] Como parece. Lisboa, 29 de Agosto de 648.

É de realçar a preocupação dos conselheiros com a segurança física de André Mendes Lobo, reflectindo a sua importância como pagador geral. Apesar disso, André Mendes empenhou-se em vários combates à frente da sua companhia. De notar que a acumulação de dois postos, recebendo o soldo de ambos, foi uma excepção aceite sem qualquer entrave – facilitada pela proximidade entre o Rei e o seu vassalo, que era anterior à Aclamação do Duque de Bragança, e aos assuntos mais privados que tinham envolvido D. João IV e D. Leonor da Silveira, mulher de André Mendes Lobo.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1648, maço 8-B, consulta de 27 de Agosto.

Imagem: Escaramuça de cavalaria. Pintura de Peter Snayers.

O assalto a Oliva, 8 a 11 de Janeiro de 1654 (5ª e última parte)

André de Albuquerque Ribafria enviou uma mensagem a D. Manuel de Melo, para que este mandasse dois oficiais do seu terço, dos mais experientes e sagazes, ao castelo de Oliva, a fim de concretizarem os termos da capitulação com o governador. O mestre de campo escolheu o alferes da sua companhia, Manuel Francisco Canais, e o capitão Manuel de Almeida. Os espanhóis enviaram dois elementos para servirem como reféns junto do general da cavalaria – uma prática de etiqueta neste género de situações.

Os ajustes da capitulação não diferiram do que era prática corrente em situações semelhantes: os soldados sitiados saíriam com as armas às costas, e as de fogo carregadas com bala, mas somente até 200 passos da vila – depois, teriam de as entregar; as mulheres poderiam carregar tudo o que conseguissem, de pertences individuais, à cabeça, mas o mesmo não era permitido aos homens.

Segundo Mateus Rodrigues, quando os dois oficiais portugueses regressaram vinham mui bem aproveitados de coisas boas de dentro do castelo, que confessou um deles que lhe rendera a ida lá dentro bons cem mil réis. (MMR, pg. 384)

Seguiram-se então os procedimentos habituais. Os mestres de campo D. Manuel de Melo e Manuel de Saldanha, acompanhados de outros militares, foram ao castelo organizar a evacuação dos moradores e dos soldados. Mateus Rodrigues escreveu, a este respeito, algumas das páginas mais sentidas das suas memórias:

(…) Foi uma confusão notável entre as mulheres, porque além de ver que as faziam sair da sua pátria [ou seja, local de onde eram naturais], para nunca jamais a tornar a ver, por outra parte tinham tanto que levar cada uma que não podiam levar o que desejavam. Vejam bem como se apartariam de boa mente de sua pátria, (…) vendo ficar os maridos mortos, e outras os filhos e irmãos. Assim que não havia quem as fizesse apartar dali. Contudo, como era força fazê-lo, começaram a ir fazendo trouxas, cada uma o que podia levar à cabeça, mas algumas com paixão não levavam nada, senão tudo era prantos e gritos. Finalmente começaram a sair (…) pouco a pouco. (MMR, pg. 384)

Mateus Rodrigues formou, como a restante cavalaria e os infantes do terço de Olivença, em duas alas, de cada lado da estrada por onde a procissão dos desalojados e rendidos iria passar, debaixo de intensa chuva. O resto já aqui foi descrito num artigo anterior, pelo que evito repetir a narrativa do soldado de cavalos a este respeito.

A capitulação previa que as gentes de Oliva fossem escoltadas, a partir de certa altura, por um destacamento de cavalaria de Jerez de los Caballeros, cidade que seria o seu destino. Vieram de Jerez 100 cavalos meia légua de nós, em comboio desta gente (…), e posto que assim se ordenou de lá e de cá, que estavam em Jerez 200 cavalos que se haviam juntado aí, do regimento de Rosalles [Juan de Rosalles, comissário geral]. (MMR, pg. 385)

Após a saída do moradores, vieram os militares (200 homens), de armas às costas. Respeitando as cerimónias usuais nestes casos, e conforme estava combinado na capitulação, os portugueses saudaram os espanhóis com uma salva de mosquetes. Recolhidas as armas após a saída da guarnição, trataram os soldados portugueses de entrar na vila. A cena descrita por Mateus Rodrigues é típica de qualquer conflito da Era Moderna:

(…) Quis Deus que, como demos pelas casas da vila, começamos a fazer grandes fogos com as caixas, cadeiras e portas das casas de onde nos metíamos, que quando amanheceu já não havia ninguém que não estivesse muito bem enxuto e bem farto de carne, que não faltava na vila, assim morta como porcos vivos que na vila havia. (MMR, pg. 387)

Na vila ficou o capitão Manuel de Almeida comandando uma guarnição de 200 homens. Entre a partida  e o regresso da força portuguesa a Elvas e a Olivença passaram-se nove dias. Mateus Rodrigues refere que as perdas portuguesas foram cerca de 150 homens – só no terço de D. Manuel de Melo houve mais de 120 baixas, entre mortos e feridos; o terço de Olivença, de Manuel de Saldanha, não chegou a combater. As perdas dos defensores de Oliva ascenderam a mais de 60 mortos.

O memorialista frisou que a tomada da vila e castelo de Oliva fora a jornada de maior proveito para Portugal em mais de 10 anos. No imaginário castrense, a conquista de uma povoação, pela sua raridade, conferia um prestígio superior a qualquer usual operação de rapina ou combate renhido. No entanto, com esta façanha Mateus Rodrigues colocou um ponto final em 13 anos de serviço ininterrupto no exército do Alentejo. Ainda lá voltaria por um breve período, mas somente passados três anos, durante os quais aproveitou para redigir a maior parte das suas memórias.

Imagem: “Dividindo os despojos”. Pintura de Jacob Duck. Museu do Louvre, Paris.