No último post foi referido o nome do então comissário geral da cavalaria espanhola Gregorio de Ibarra (1645). Num episódio descrito por Mateus Rodrigues nas suas memórias, voltamos a encontrar o oficial sete anos mais tarde, agora já tenente-general da cavalaria, numa acção não muito feliz para o próprio.
Conforme refere Mateus Rodrigues, era então (1652) general da cavalaria na cidade de Badajoz D. Álvaro de Viveros. À sua presença foi levado, certo dia, um soldado português capturado – alguns prisioneiros tomados como “línguas” eram interrogados na presença de oficiais superiores, sendo isto habitual em qualquer dos lados em confronto. O aliciamento para servir de espia era também usual, e foi isso mesmo que foi proposto ao soldado de infantaria de Campo Maior, pois este demonstrava ser pessoa resoluta e determinada. D. Álvaro de Viveros perguntou-lhe se queria ser rico; bastaria para isso que o avisasse quando saísse alguma partida de cavalaria de Campo Maior, pois a cavalaria desta vila não cessava de fazer incursões ao outro lado da fronteira e tinha elementos que conheciam muito bem todas as zonas por onde se faziam as entradas (não é de estranhar que isso acontecesse nessa época, dado que a cavalaria de Campo Maior era comandada pelo capitão João da Silva de Sousa, cuja apetência pela pilhagem era lendária).
Mas o soldado, que era grande (…) demónio, assim como o general lhe cometeu [incumbiu] tal coisa, logo lá dentro em seu coração formou de repente a malícia, enganado o general, dizendo que sim, era muito contente, mas como faria ele isso sem que o viessem a saber, que o não enforcassem? Mas como ele já tinha a tenção de lhe fazer velhacaria, logo tornou a dizer que ele lhe daria a melhor traça [plano] e ordem que pudesse, de modo que não corresse perigo a sua vida. O general do inimigo lhe agradeceu muito o ânimo e logo o mandou para Campo Maior e lhe deu umas poucas de patacas. (MMR, pgs. 284-285)
O plano consistia em o soldado não entrar em Badajoz cada vez que viesse dar notícias, mas ir até à porta da Ponte e fazer um sinal combinado para se encontrar com o general.
No entanto, mal chegou a Campo Maior, o soldado foi logo a casa do governador da vila, Rui Lourenço de Távora, contar-lhe o sucedido em Badajoz. O governador convocou o capitão João da Silva de Sousa e este foi com o soldado até Elvas, dar conta da situação ao mestre de campo general D. João da Costa. O fidalgo ficou muitíssimo contente com a possibilidade de causar grande dano à cavalaria inimiga e premiou o soldado com algumas patacas, para que comprasse um vestido. O soldado disse então que o seu único desejo era que o livrasse da obrigação de ser soldado, que não precisava de dinheiro, pois seu pai tinha o suficiente para lhe dar de comer, e que só desejava essa mercê do mestre de campo general. Assim lhe foi prometido, e mais livraria algum irmão, caso o tivesse e servisse de soldado.
Foi então combinado o modo como o soldado deveria orientar o general da cavalaria inimiga à armadilha. O plano foi urdido entre D. João da Costa, João da Silva de Sousa e o general da cavalaria André de Albuquerque Ribafria. Ficou decidido que deixassem cair nas mãos do inimigo 30 ou 40 cavalos, os quais iriam às pilhagens em território inimigo em duas partidas (designação dada aos grupos de unidades que faziam incursões) , sabendo apenas o comandante das unidades o que iria suceder. O soldado avisaria o general inimigo e as partidas seriam capturadas em dois dias seguidos, para que D. Álvaro de Viveros fosse induzido da boa fé do soldado português.
(continua)
Fonte: MMR (pgs. 284-286).
Imagem: Combate de cavalaria; detalhe do painel relativo à Batalha das Linhas de Elvas (1659), na “Sala das Batalhas” do Palácio dos Marqueses de Fronteira, Lisboa.