O estado das praças raianas na província de Trás-os-Montes em 1659 (parte 4 – Bragança)

A praça de Bragança dista da raia duas léguas e meia, o que dela foi vila está situada em uma eminência circundada de muralha antiga, em meio tem um castelo também cerrado de per si de muralha da mesma sorte. Desta vila se continua a mais povoação da cidade, baixando pela eminência, e torna a subir até outra, que fica a tiro de mosquete. Continuam-se as casas por junto ao rio Fervença e se alongam só a distância de três ruas, por uma e outra parte as vem fechando parede de grossura de três palmos, pouco mais ou menos. A que olha ao rio tem alguns redentes e parte dela de pedra e cal; a que fica para a parte da campanha é de pedra e barro, tem a modo de baluartes e alguns travezes, tem estacada e pequeno fosso a maior parte desta obra.

Esta povoação é tão condenada a padrastos, que segundo as notícias variaram todos os engenheiros em a forma de fortificá-la, e nenhum fez planta conveniente. Deve cerrar-se de per si a fortificação da vila que está situada naquela eminência, e pode servir-lhe a muralha com que se acha, menos a que fica para as casas da cidade, que contra elas se há-de fortificar com defesa ao moderno de dois meios baluartes a modo de tenalha, e uma meia lua ao lado direito dela, e se há-de ocupar em uma obra corna a eminência que para a outra parte olha a muralha da vila a tiro de mosquete, porque [para que] dali a não batam nem se caminhe com aproxes.

Fortificada de per si desta sorte a vila, se deve fazer um forte na eminência que frente a ela fica, junto à qual acaba a povoação da cidade, que ficando em meio destas duas forças tiro de mosquete de uma a outra a não entrará o inimigo, ou ao menos se não pode deter nas casas, ofendido da artilharia e mosquetaria, e abrindo-se um fosso pela parte da campanha ao largo, mudando a ele a mesma estacada e parede de pedra que está feita junto às casas, e se o inimigo quiser vir a elas receberá na detença da entrada considerável perda da artilharia e mosquetaria, das duas forças e meios fossos há-de ir acabar este. Pelo outro lado das casas ficam defendidas do rio Fervença e aspereza da subida dele. É esta fortificação de maior segurança que qualquer outra que ali possa fazer-se: pede menos tempo, menos despesa e muito menos guarnição.

(continua)

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1659, maço 19, “Rellação das  Praças da Raya da Prouinçia de Tras os montes, do estado de suas fortificaçõis da que neçessitam, e os passos do Rio Douro”, anexa à consulta de 20 de Junho de 1659.

Imagem: Planta de Bragança, década de 40 do século XVII. Publicada em La memoria ausente. Cartografia de España y Portugal en el Archivo Militar de Estocolmo. Siglos XVII y XVIII.

O estado das praças raianas na província de Trás-os-Montes em 1659 (parte 3 – Monforte e Vinhais)

Monforte é um castelo da raia uma légua, feito de ruim muralha ao antigo, de que sai outra onde era a vila, que hoje só tem dentro oito ou dez casas de colmo, e outras tantas pela parte de fora. Tem, pela do castelo, uma estacada, a que mandei fazer parapeito e banqueta; está a maior parte da muralha da vila defendida da aspereza de um penhasco que para ela sobe, e a do castelo que olha a campanha quase de nível com ela, mas tem comodidade o inimigo para pôr duas baterias, que de perto lhe podem fazer grande ofensa; mais ao largo tem outras eminências que descortinam por dentro de ambas as muralhas a tiro de mosquete. Para resistir esta vila e castelo a exército pede obra considerável, e como não tem moradores, nem é de utilidade ao inimigo, não fará para esta ofensa. Deve acomodar-se o castelo para resistir em qualquer incidente que o inimigo ali chegue sem o fim de sitiar, com obra de tão pouco porte que não merece fazer sobre ela discurso.

Vinhais é pequena vila que dista légua e meia da raia, tem uma ruim muralha que cerra poucas casas, sem outra defesa, nem a pede porque não é de utilidade ao inimigo, nem de porte para vir a ela, e ainda para com cavalaria fazer presa, é dificultosa a entrada, pelo ruim passo que tem para fazê-la.

(continua)

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1659, maço 19, “Rellação das  Praças da Raya da Prouinçia de Tras os montes, do estado de suas fortificaçõis da que neçessitam, e os passos do Rio Douro”, anexa à consulta de 20 de Junho de 1659.

Imagem: Planta de Vinhais, década de 40 do século XVII. Publicada em La memoria ausente. Cartografia de España y Portugal en el Archivo Militar de Estocolmo. Siglos XVII y XVIII.

O estado das praças raianas na província de Trás-os-Montes em 1659 (parte 2 – Chaves)

A praça de Chaves é cercada de muralha antiga, tem dentro um pequeno castelo em que não há moradores, nem capacidade para mais casas que a com que se acha. Tem esta vila três arrabaldes, dois deles chegados à muralha, o outro da banda de além do rio. Está situada superior a Veiga por mais da metade da sua circunvalação. Para a parte de Castela, a cem passos, pouco mais ou menos, em uma eminência superior, está o forte de Nossa Senhora do Rosário, obra mais pequena do que devia fazer-se. Tem quatro baluartes com flancos tão pequenos que lhe dão pouca defesa. Tem-se-lhe começado a abrir fosso em a maior parte, mas nem por essa está acabado. Por fora dele circunda o forte uma estacada com parapeito feito de pedra e barro, com seus redentes e pontas a modo de meias luas, que a descortinam. Totalmente convém pôr este forte em perfeição fazendo-lhe meias luas e ocupando dois postos com obras cornas, porque [para que] o inimigo não bata, nem caminhe deles com aproxes, porque dali chegarão brevissimamente a picar a muralha, e convém necessariamente a defesa deste forte, em que consiste o inimigo não poder ser senhor da vila nem sustentar-se nela a que serve de cidadela, com o que se fica escusando a fortificação real que se procura à vila, para que era necessário dilatado tempo, excessiva despesa e muita guarnição. E só bastará fazer-lhe poço, algumas meias luas e estrada encoberta que se feche com a do forte, e derrubando-se a muralha que fica oposta a ele.

Com atalaias fortes se devem ocupar três penhascos que estão tiro de mosquete da praça, da outra banda do rio de Ribelas, com o que, assim a vila como o forte, ficarão com boa defesa e mais breve tempo, com menos despesa e moderada guarnição. Acabadas estas obras se deve fazer um forte na eminência que está para a parte da Trindade, a mais de tiro de mosquete desta fortificação, a fim de tirar ao inimigo o quartel que detrás dele necessariamente há-de tomar, querendo pôr sítio; e estando ocupado este posto, haverá mister mais de vinte mil homens o inimigo para deitar cordão à praça, e lhe será precisamente necessário ganhar o forte desta eminência, que será defendido com muita segurança da gente da guarnição da praça, pelo ficar socorrendo com as costas nela, debaixo de toda a artilharia e mosquetaria; perderá o inimigo sobre ele gente considerável, gastará muito tempo, que é o remédio dos sitiados para esperarem não serem ganhados e poderem ser socorridos.

(continua)

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1659, maço 19, “Rellação das  Praças daRaya da Prouinçia de Tras os montes, do estado de suas fortificaçõis da que neçessitam, e os passos do Rio Douro”, anexa à consulta de 20 de Junho de 1659.

Imagem: Planta de Chaves, década de 40 do século XVII. Publicada em La memoria ausente. Cartografia de España y Portugal en el Archivo Militar de Estocolmo. Siglos XVII y XVIII.

O estado das praças raianas na província de Trás-os-Montes em 1659 (parte 1 – Montalegre)

castelo de montalegre

Numa carta datada de 4 de Junho de 1659, D. Rodrigo de Castro, Conde de Mesquitela e governador das armas da província de Trás-os-Montes, expôs ao Conselho de Guerra a situação das praças raianas que acabara de visitar. Percorrera toda a zona fronteiriça, de uma extremidade à outra da província, e o que encontrara dera-lhe motivo para grande preocupação: todas se achavam abertas ou com muralha antiga e a necessitarem urgentemente de fortificação. O grande obstáculo era a falta de verbas para o efeito. Do montante que, nos primeiros anos da guerra, provinha do real d’água e estava consignado à fortificação daquela província, uma parte fora desviada para atender às necessidades também prementes da vizinha província de Entre-Douro-e-Minho. Entrava aqui também a fatia de 200.000 réis que se ia buscar ao rendimento das terças da Torre de Moncorvo e que o Conde de Mesquitela reclamava de novo para as obras das praças de Trás-os-Montes. Entretanto, propunha-se o governador das armas empregar gratuitamente toda a gente da ordenança da província nos trabalhos de abertura de fossos, levantamento de terra e na condução de pedra e madeira, como meio de contornar em parte a penúria de meios financeiros.

Quanto ao estado das praças, a situação é descrita com minúcia numa relação anexa à carta. É esse texto que aqui se reproduz, vertido para português corrente.

[Montalegre]

Montalegre dista da raia duas léguas, tem um castelo separado da vila, é cercado de muralha antiga a que se fez seu poço, e mais ao largo uma estacada a que mandei fazer parapeito e banqueta para delas se pelejar, como de estrada encoberta. Está situado este castelo sobre um outeiro, que domina a campanha na maior parte de sua circunvalação. A um lado tem um outeiro, que sendo-lhe área inferior, lhe é prejudicial por lhe estar perto. A outro lado, da parte da vila, lhe ficam dois vales com um levantado outeiro capaz de bateria, ao qual domina e flanqueia, e aos vales uma colina que dista do castelo largo tiro de mosquete, que convém ocupar-se com um forte, como com um fortim o dito outeiro que se avizinha ao castelo.

Devem derrubar-se algumas casas que da vila se arrimam à estacada e não deixam flanquear, em razão que por elas se pode chegar o inimigo sem dificuldade à muralha.

Mandei cortar vigas fortes para que sobre elas se façam sobrados no alto de duas torres, em que se ponha artilharia que descortine as eminências e vales do alcance dela. É de muita importância a conservação deste castelo, e com estas pequenas obras pode assegurar-se.

(continua)

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1659, maço 19, “Rellação das  Praças da Raya da Prouinçia de Tras os montes, do estado de suas fortificaçõis da que neçessitam, e os passos do Rio Douro”, anexa à consulta de 20 de Junho de 1659.

Imagem: Castelo de Montalegre. Foto de JPF.

Efectivos do partido de Penamacor (província da Beira) em 1659

Numa carta redigida em 18 de Junho de 1659 pelo mestre de campo João Fialho, dirigida ao Conselho de Guerra, é exposta a situação preocupante em que se encontrava o partido de Penamacor. Estava então o governador das armas D. Sancho Manuel ainda ausente, pelo que o mesmo Conselho deu parecer para que D. Sancho regressasse com a maior brevidade à província da Beira. Os efectivos necessários para a defesa e os que na realidade existiam no partido de Penamacor encontram-se expostos na carta de uma forma concisa mas bem detalhada. Escrevia então o mestre de campo João Fialho:

Guarnição que necessitam:

300 infantes, a praça de Penamacor;

300, a praça de Salvaterra [do Extremo], meia légua da da Sarça, donde se metem os comboios com a espada na mão;

200, a praça de Segura, uma légua idem;

50, a praça da Zebreira, duas léguas idem;

50, a praça de Rosmaninhal, duas léguas de Alcântara;

50, a praça de Penha Garcia;

[Total:] 950 infantes que são necessários para guarnição destas praças e atalaias de seu distrito.

Guarnição que tem este partido:

495, o terço pago, inclusas duas companhias de auxiliares que andam anexas a ele;

300, dos auxiliares desta comarca de Castelo Branco;

[Total:] 795. Desta gente paga e auxiliar estão muitos ausentes, e outros não há tê-los nas praças, que forçados da necessidade se vão a casa de seus pais a remediar.

300 cavalos, inclusos os doentes e incapazes, e três companhias de auxiliares dos moradores da raia, e quando se monta aos rebates chega a duzentos.

Compare-se estes números com os efectivos do mesmo partido em 1648 e em 1663.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1659, maço 19, “Rellação da guarnição que hão mister as praças da Raya deste partido de Castelo branco, E da que tem, e das Legoas que distam das do inimigo”, anexa à consulta de 27 de Junho de 1659.

Imagem: Pormenor de um mapa francês do início do século XVIII, mostrando parte da região compreendida pelo partido de Penamacor (ou de Castelo Branco) em 1659, bem como as localidades espanholas mencionadas no documento. Biblioteca Nacional, Cartografia, CC1777A.