Entre Julho e Agosto de 2010 foi aqui publicada uma série de artigos acerca da tomada de Telena pelo exército do Alentejo, comandado por Matias de Albuquerque. Embora composta a partir de várias fontes, a série privilegiava a narrativa do soldado Mateus Rodrigues, que participou naquela campanha. Veja-se aqui o prólogo, a primeira, a segunda e a terceira partes dessa série.
O documento manuscrito português que a seguir se trancreve diz respeito à mesma campanha e faz parte do acervo da Biblioteca Nacional de Madrid, com o códice mss. 8187. Tem por título Relação da tomada do forte de Telena e recontro dos exércitos junto ao mesmo lugar e trata-se de uma relação da operação, provavelmente feita por um oficial ou clérigo que integrou ou acompanhou o exército.
Entrámos em Castela para sitiarmos o forte de Telena com tão poucas notícias do inimigo, que o imaginávamos com três até quatro mil infantes e mil e oitocentos cavalos. Persuadimo-nos que o inimigo nos viria a impedir a passagem de Guadiana, e assim marcharam de vanguarda, para tomarem o passo, mil mosqueteiros de todos os terços à ordem dos sargentos-mores dos terços dos mestres de campo Dom Sancho Manuel e Francisco de Melo. Acompanhava-os toda a cavalaria, e nesta forma se tomou o passo, e chegado o exército que marchava bem formado em batalha, passou todo. Levava o corno direito da vanguarda o terço do mestre de campo D. Sancho Manuel, e o esquerdo o de Francisco de Melo, e o de Diogo Gomes [de Figueiredo, pai] no meio, todos três aparelhados, e nesta forma seguindo os demais onde cada um lhe tocou. Marchámos aquele dia até aquartelarmos, que se fez com boa ordem, formados na mesma batalha. E ao seguinte dia, formados na mesma ordem nos fomos sobre o forte. Aquartelou-se o exército em bom sítio e forte, suposto que distante mas de tiro de canhão, mandaram-se-lhe tomar os postos por uns dos quinhentos mosqueteiros a cargo de D. Francisco de Castelo Branco com o general da artilharia, e vendo que, ou por poucos não eram de grande efeito, ou por serem de vários terços e não terem consigo seus oficiais não faziam nada, se ordenou a D. Sancho Manuel que avançasse com o seu terço, com que se lhe deu tão boa manhã, e se lhe fez tão boa diligência, que quando amanheceu se achavam as mangas de Dom Sancho no fosso, quebrando a estacada. Pelejava o inimigo bastantemente, mas as cargas da mosqueteria de Dom Sancho o reduziu a que nehum ousava a chegar à muralha, e vendo que lhe fazíamos brecha, e que pela parte de Dom Sancho se andava já com as espadas à sua vista, se resolveu a render-se, fazendo uma chamada. Os partidos [ou seja, condições de rendição] foram: que sairiam com suas armas e bagagens e que estariam em Portugal até nos recolhermos. Não estavam ainda acabadas as capitulações quando o inimigo vinha saindo de Badajoz com o seu exército para socorrer o forte, que não havia ainda vinte e quatro horas que o tínhamos atacado, e que lhe tínhamos posto as baterias não havia seis horas. Reconheceu o inimigo, como não [a]tirávamos, que estávamos senhores da praça, e reconhecemos nós o engano com que ali nos meteramos, porque víamos muitos esquadrões de infantaria e de cavalaria ao inimigo, mais do que lhe imaginávamos, e julgámos logo por coisa milagrosa o haver-se-nos rendido o forte, porque a não o fazer naquela hora, não o fizera vendo que era socorrido, e se o não fizera, não sabemos como nos fora possível o retirarmos, porque reconhecíamos ao inimigo nove mil infantes e três mil cavalos, que é o com que se achava, com sete peças de artilharia.
(continua)
Fonte: Biblioteca Nacional de Madrid, mss. 8187, “Relações manuscriptas de Portugal, desdo anno de 1643 athe 1646″, fls. 76 v – 78.
Imagem: Artilharia e infantaria, óleo de Pieter Meulener, período da Guerra dos 30 Anos (1618-1648).