Há 350 anos… Notas sobre a campanha do Alentejo de 1663 – 28 a 31 de Maio

The-Stable-of-a-Dilapidated-House,-c.1640-largeCom míngua de abastecimentos em Évora e também para aumentar as preocupações em Lisboa, D. Juan de Áustria tomou a resolução de enviar outra expedição, esta de 3.000 cavaleiros e 500 infantes sob o comando do tenente-general da cavalaria Juan Jacome Mazacán, até Alcácer do Sal. Foram os moradores desta localidade apanhados de surpresa, tendo a infantaria espanhola tomado os postos que podiam causar embaraço à sua cavalaria. Entrados em Alcácer, pilharam as casas e cometeram violências e excessos sobre os moradores, conforme reconheceu o insuspeito D. Jerónimo de Mascarenhas na sua extensa relação. Mais adianta o partidário de Filipe IV:

(…) voltou aquela cavalaria tão maltratada, que (…) foi desde então agoiro patente das desgraças que se seguiram, e que ocasionou em grande parte a sua pouca disciplina, para cujo remédio não bastou (…) a autoridade de quem a comandava (…). Pois sendo assim que na boa ordem das marchas consiste o seu melhor acerto, apartaram-se sem embargo muitos desta tão distantes do seu grosso, até Setúbal e Aldeia Galega [actualmente: Montijo, na margem sul do Tejo] (…).

O regresso a Évora, porém, ocorreria somente em princípios de Junho, conforme adiante se verá.

Imagem: “Soldados num estábulo”, óleo de Philips Wouwerman, in http://www.wouwerman.org

Há 350 anos… Notas sobre a campanha do Alentejo de 1663 – 26 e 27 de Maio

The-Sacking-of-a-Village-largeNo dia 26 de Maio, na sua tenda de campanha, o Conde de Vila Flor escrevia ao Rei D. Afonso VI:

Por carta de vinte e quatro do corrente é Vossa Majestade servido de me ordenar que com o exército de Vossa Majestade tome tal posto junto do inimigo, que com toda a certeza lhe impidamos [impeçamos] os comboios e a retirada, e oferece-me responder a Vossa Majestade sobre este particular, que assim como Vossa Majestade mo ordena acho que convém, acrescento que também é muito conveniente segurar do mesmo posto Vila Viçosa e Estremoz, e que o sítio seja tal que a inclemência do tempo não ocasione fugirem os soldados, e assim me é preciso para conservar o exército arrimar-me [aproximar-me] às praças, tendo sobre o inimigo de dia e de noite partidas de cavalaria para que de todos os seus movimentos me dêem conta, e juntamente as tenho sobre Olivença, que é a praça de donde lhe hão-de vir os seus comboios (se os mandar vir), para que com aviso de uma ou outra parte eu possa pôr-me diante a impedir-lhe uma ou outra coisa, e assim hoje elegerei com parecer de todos os cabos a parte mais conveniente, assim para estorvar os socorros do inimigo e a sua retirada, como para cobrir as praças e assegurar o melhor possível que os soldados não fujam. E perto do inimigo não será possível fazer a eleição do tal sítio, porque seria deixar as praças expostas a que o inimigo pudesse qualquer dela uma noite, levando co  a metade da sua cavalaria três mil infantes à garupa sem disso ter notícia, e seria dar ocasião a fugirem os soldados com os ter ao terreiro do sol, e poderia o inimigo sitiar-me tirando-me os comboios de mantimentos, sem ser obrigado a pelejar comigo, se o não quisesse fazer, porque, ou eu havia de fazer os comboios com todo o exército, ou eles mos romperiam com a sua muita cavalaria. E assim, Senhor, que o que convém é cobrir as praças e conservar os soldados e estorvar os socorros ao inimigo, e levantando-se de Évora pelejar com ele, e tudo isto se procurará fazer do posto que se eleger, para o que deve Vossa Majestade ser servido mandar logo engrossar este exército, com que se supra a falta de cavalaria e infantaria que se perdeu em Évora, pois é infalível que estorvando ao inimigo os comboios, haja de se pôr em marcha (…).

D. Sancho Manuel justificava a sua prudência na condução do exército (e aparente falta de espírito ofensivo) com a necessidade de obter reforços, em particular de cavalaria, em que o exército de D. Juan de Áustria tinha superioridade. Todavia, a estratégia seguida estava correcta, como em breve se veria.

Em 27 de Maio chegaram a Évora as obediências de Arraiolos, Redondo e Viana do Alentejo. Primeiro que estas localidades, veio a de Montemor-o-Novo, o que não obstou a que tivesse sido saqueada. Conforme narrou D. Jerónimo de Mascarenhas, o clérigo que se manteve fiel a Filipe IV de Espanha, na sua obra De la Guerra de Portugal, Sucessos del año MDCLXIII  (aqui vertido para português a partir da versão manuscrita do Arquivo Histórico Provincial de Badajoz, cuja cópia me foi gentilmente enviada pelo amigo Julián García Blanco, a quem aproveito para agradecer mais uma vez):

Por Montemor, vila considerável, e de território igualmente abundante e ameno, se começou a executar esta resolução, facilitando-a a sua distância de apenas quatro léguas de Évora. Havia assistido no seu castelo, durante o sítio daquela cidade, a companhia da dotação da mesma vila, que ocasionou nos moradores o descuido de enviar a tempo os seus deputados ao senhor Don Juan. Porém, depois de rendida Évora, teve a companhia ordem de passar a juntar-se com o exército português, deixando a sua pátria [no sentido de localidade] ao arbítrio de quem era dono da campanha. Marcharam 1.500 cavalos e algumas mangas de infantaria para dar-lhe a paga da sua necessidade, quando os vizinhos, avisados do seu movimento, despacharam pessoas com poderes e instruções para implorar o perdão. Mas apesar de que se vieram de caminho com o comissário geral Dom Miguel Ramona, comandante daquelas tropas, não puderam evitar a perda do seu gado, que consistia em mais de 4.000 cabeças (…). Aproveitou-se a Provedoria da maior parte do gado, que se passou durante alguns dias a dar ração de carne aos trabalhadores das fortificações (…).

Fontes: ANTT, Conselho de Guerra, 1663, Consultas, maço 23; AHPB,  D. Jerónimo de Mascarenhas, De la Guerra de Portugal, Sucessos del año MDCLXIII.

Imagem: “O saque de uma cidade”, óleo de Philips Wouwerman, in http://www.wouwerman.org

Há 350 anos… Notas sobre a campanha do Alentejo de 1663 – 25 de Maio

IMG_2753Neste dia, o exército português comandado pelo Conde de Vila Flor e pelo mestre de campo general Conde de Schomberg encontrava-se no Alandroal. Em conselho, ficou decidido que, enquanto se aguardava pelos reforços enviados de outras províncias, o exército do Alentejo devia limitar-se a cortar as comunicações e os abastecimentos entre a cidade de Évora e a fronteira.

Entretanto, na cidade recentemente conquistada, D. Juan de Áustria tomou conhecimento do dinheiro e material de guerra capturados ao exército português. Pouco antes de se iniciar o sítio de Évora, dera entrada naquela praça o numerário para o pagamento dos soldos do exército, num montante que ascendia a 45.000 escudos (um escudo correspondia a 16 reais de prata, ou 32 de bulhão, em moeda espanhola). Todo este dinheiro caiu nas mãos do exército invasor. Quanto ao material de guerra capturado, a relação dá conta de quatro peças de bronze, mil quintais de pólvora, alguma corda (morrão), duas mil balas para canhão, muito madeiramento e outros apetrechos menores para a artilharia, bem como quantidade de trigo e cevada.

(Uma relação bibliográfica será publicada no final desta série dedicada aos 350 anos da campanha de 1663, que por motivos de força maior não pôde ser iniciada no início deste mês, como eu pretendia).

Imagem: Évora – largo fronteiro à porta de Avis, por onde entrou triunfalmente D. Juan de Áustria em 22 de Maio de 1663. Ao fundo, o aqueduto. Para a direita deste fica o forte de Santo António. Foto de JPF.

Há 350 anos… Notas sobre a campanha do Alentejo de 1663 – de 14 a 24 de Maio

forte Sto António

Chegado às imediações de Évora em 14 de Maio de 1663, o exército comandado por D. Juan de Áustria iniciou as operações de cerco à cidade no dia 17, após se ter apossado do forte de Santo António na véspera. O convento do Espinheiro servia de quartel-general a D. Juan. Évora caiu em poder dos espanhóis em 22 de Maio.

Assinadas as capitulações, D. Agnelo de Guzmán, filho do Duque de Medina de la Torre, foi tomar posse da cidade. Entrou pela porta de Avis e aí, no largo, esperou por D. Juan de Áustria, que ficara no forte de Santo António. O senado, os prelados e os juízes da cidade também ali foram receber o príncipe. Faltou apenas o reitor do colégio, mas instado por dois padres espanhóis, acabou mais tarde por ir ter à presença de D. Juan. De resto, os novos senhores de Évora fizeram os possíveis por cativar as boas graças dos vencidos. O Duque de Eliche presenteou o mestre de campo do terço do Algarve, Manuel de Sousa de Castro, com um riquíssimo telim, pela maneira como defendera o convento do Carmo.

No dia 23, D. Juan de Áustria foi ouvir missa à Sé, tendo sido recebido com toda a solenidade. Terminado o ofício, recolheu-se ao palácio dos Condes de Basto. O exército português encontrava-se em Évoramonte. Foi aí que D. Sancho Manuel, Conde de Vila Flor, e o mestre de campo general Conde de Schomberg tomaram conhecimento da rendição de Évora. No dia 24, enquanto Vila Flor e Schomberg entravam no Redondo com o exército português, D. Juan acompanhava em Évora a procissão do Corpo de Deus.Todos os oficiais do seu exército, bem como os soldados, se apresentaram cuidadosamente vestidos e equipados. Mas o povo da cidade, por temor ou em sinal de resistência, não compareceu nem enfeitou as janelas. Nesse mesmo dia começaram os trabalhos de fortificação da cidade, antecipando um cerco por parte dos portugueses.

Imagem: Forte de Santo António (Évora). Foto de JPF.