No dia 26 de Maio, na sua tenda de campanha, o Conde de Vila Flor escrevia ao Rei D. Afonso VI:
Por carta de vinte e quatro do corrente é Vossa Majestade servido de me ordenar que com o exército de Vossa Majestade tome tal posto junto do inimigo, que com toda a certeza lhe impidamos [impeçamos] os comboios e a retirada, e oferece-me responder a Vossa Majestade sobre este particular, que assim como Vossa Majestade mo ordena acho que convém, acrescento que também é muito conveniente segurar do mesmo posto Vila Viçosa e Estremoz, e que o sítio seja tal que a inclemência do tempo não ocasione fugirem os soldados, e assim me é preciso para conservar o exército arrimar-me [aproximar-me] às praças, tendo sobre o inimigo de dia e de noite partidas de cavalaria para que de todos os seus movimentos me dêem conta, e juntamente as tenho sobre Olivença, que é a praça de donde lhe hão-de vir os seus comboios (se os mandar vir), para que com aviso de uma ou outra parte eu possa pôr-me diante a impedir-lhe uma ou outra coisa, e assim hoje elegerei com parecer de todos os cabos a parte mais conveniente, assim para estorvar os socorros do inimigo e a sua retirada, como para cobrir as praças e assegurar o melhor possível que os soldados não fujam. E perto do inimigo não será possível fazer a eleição do tal sítio, porque seria deixar as praças expostas a que o inimigo pudesse qualquer dela uma noite, levando co a metade da sua cavalaria três mil infantes à garupa sem disso ter notícia, e seria dar ocasião a fugirem os soldados com os ter ao terreiro do sol, e poderia o inimigo sitiar-me tirando-me os comboios de mantimentos, sem ser obrigado a pelejar comigo, se o não quisesse fazer, porque, ou eu havia de fazer os comboios com todo o exército, ou eles mos romperiam com a sua muita cavalaria. E assim, Senhor, que o que convém é cobrir as praças e conservar os soldados e estorvar os socorros ao inimigo, e levantando-se de Évora pelejar com ele, e tudo isto se procurará fazer do posto que se eleger, para o que deve Vossa Majestade ser servido mandar logo engrossar este exército, com que se supra a falta de cavalaria e infantaria que se perdeu em Évora, pois é infalível que estorvando ao inimigo os comboios, haja de se pôr em marcha (…).
D. Sancho Manuel justificava a sua prudência na condução do exército (e aparente falta de espírito ofensivo) com a necessidade de obter reforços, em particular de cavalaria, em que o exército de D. Juan de Áustria tinha superioridade. Todavia, a estratégia seguida estava correcta, como em breve se veria.
Em 27 de Maio chegaram a Évora as obediências de Arraiolos, Redondo e Viana do Alentejo. Primeiro que estas localidades, veio a de Montemor-o-Novo, o que não obstou a que tivesse sido saqueada. Conforme narrou D. Jerónimo de Mascarenhas, o clérigo que se manteve fiel a Filipe IV de Espanha, na sua obra De la Guerra de Portugal, Sucessos del año MDCLXIII (aqui vertido para português a partir da versão manuscrita do Arquivo Histórico Provincial de Badajoz, cuja cópia me foi gentilmente enviada pelo amigo Julián García Blanco, a quem aproveito para agradecer mais uma vez):
Por Montemor, vila considerável, e de território igualmente abundante e ameno, se começou a executar esta resolução, facilitando-a a sua distância de apenas quatro léguas de Évora. Havia assistido no seu castelo, durante o sítio daquela cidade, a companhia da dotação da mesma vila, que ocasionou nos moradores o descuido de enviar a tempo os seus deputados ao senhor Don Juan. Porém, depois de rendida Évora, teve a companhia ordem de passar a juntar-se com o exército português, deixando a sua pátria [no sentido de localidade] ao arbítrio de quem era dono da campanha. Marcharam 1.500 cavalos e algumas mangas de infantaria para dar-lhe a paga da sua necessidade, quando os vizinhos, avisados do seu movimento, despacharam pessoas com poderes e instruções para implorar o perdão. Mas apesar de que se vieram de caminho com o comissário geral Dom Miguel Ramona, comandante daquelas tropas, não puderam evitar a perda do seu gado, que consistia em mais de 4.000 cabeças (…). Aproveitou-se a Provedoria da maior parte do gado, que se passou durante alguns dias a dar ração de carne aos trabalhadores das fortificações (…).
Fontes: ANTT, Conselho de Guerra, 1663, Consultas, maço 23; AHPB, D. Jerónimo de Mascarenhas, De la Guerra de Portugal, Sucessos del año MDCLXIII.
Imagem: “O saque de uma cidade”, óleo de Philips Wouwerman, in http://www.wouwerman.org