Despedido o capitão castelhano da tenda do senhor Joane Mendes de Vasconcelos, foi à pressa a dar conta ao seu governador, e (…) sempre foi e veio por a brecha, e assim como ele subiu à brecha em cima da muralha, dali chamou ao governador (…). Resolvido o governador a aceitar [as capitulações], o tornou logo a mandar ao nosso exército, à tenda do senhor Joane Mendes (…).
Aceites de parte a parte os pactos, cessaram os rigores das armas, para alívio da gente, que na verdade nos servira de grande discómodo e perda se houvera mais dilação, porque nos vinha já perseguindo muito o rigor do tempo, que é o pior que pode ter um exército, porque uns de mal haver pedece pouco, que comer com mau tempo é mal dobrado.
Mandou logo o senhor Joane Mendes preparar um terço de infantaria e mandou chamar o mestre de campo dele, por nome Agostinho de Andrade [Freire]. (…) Havia ele de ficar com seu terço na praça, e com duas tropas de cavalo logo juntamente, nomeadas as do capitão João Ferreira da Cunha e a do capitão Diogo de Barros Freire, lhe encomendava a praça, pois ficava no estado em que a via.
Ora desgraçada foi esta parte para o tal mestre de campo, porque em lugar de rectificarem ao senhor Joane Mendes do caso que dele fazia naquela ocasião, em lhe encarregar uma praça de tanta honra, e aberta daquela maneira, parece deu razão dizendo havia mister mais gente e mais cavalaria e outras razões, e que o senhor Joane Mendes se houve por muito mal aceite dele, dando-lhe logo uma repreensão não muito boa, e mandando-o logo embora, que não queria que lá ficasse. Foi-se o tal mestre de campo com alguma paixão [ressentimento] e desgosto por suceder nele aquela tão ruim sorte.
Mandou logo chamar a outro mestre de campo, por nome Francisco Pacheco Mascarenhas, natural de Besteiros, soldado de 22 anos [de serviço] com grande reputação no nosso exército, e pela ocasião de Mourão, um mês antes, passou ao posto de mestre de campo, e donde passou foi de capitão de cavalos couraças, que havia oito para nove anos que o era da minha companhia (…), e a este mestre de campo lhe haviam dado um terço novo, levantado a maior parte em Lisboa e em seu termo, de gente muito bisonha e de pouco préstimo, tirando os oficiais, e já neste tempo da campanha estava muito pequeno por lhe haverem fugido a maior parte deles.
Veio (…) este mestre de campo diante do senhor Joane Mendes e lhe pôs a mesma prática que havia feito ao outro, acerca dele ficar na praça, e ele lhe deu uma resposta que de Francisco Pacheco não se esperava menos, e com tanta graça e gosto aceitou a oferta, como que se lhe deram uma comenda, porque não o podia o senhor Joane Mendes mandar para parte nenhuma (…) que Francisco Pacheco rejeitasse, que é grande seu amigo o senhor Joane Mendes, pois foi no Brasil seu alferes antes deste Reino levantado. Louvou-lhe o senhor Joane Mendes muito o bom modo e graça com que aceitava o ficar na praça, que se muito por ele até ali havia feito, muito mais há-de fazer dali em diante. Que na verdade fez tão grande obra sua assistência em Mourão, que não me parece pudesse ficar lá pessoa alguma que em tão pouco tempo fizesse as obras que ele lá fez, até o tempo de 30 de Março de 658, que dela me ausentei. (MMR, pgs. 439-441).
Imagem: Muralha de Mourão na actualidade. Foto de JPF.