Numa passagem da narrativa de Matheus Roiz, já trazida aqui há alguns anos, era feita menção à temível pontaria de alguns elementos da população da vila de Oliva, que eram caçadores e que ajudavam à defesa da localidade, atacada pelo exército português entre 8 e 11 de Janeiro de 1654:
[C]omo vinha já amanhecendo, não era possível aparecer ninguém onde chegasse arma de fogo do castelo, porque assim que aparecia algum nosso onde o inimigo lhe chegasse, já ele estava morto; que, de 200 homens que no castelo estavam, não havia um só que não fosse caçador do ar [caçadores de aves], e assim nunca jamais erravam tiro que fizessem. (MMR, pg. 375)
A prática da caça, embora estivesse sujeita a legislação específica e dependesse da autorização régia ou do donatário do domínio senhorial, era efectuada em determinadas épocas do ano por homens do povo. Os caçadores dispunham de armas de fogo que diferiam dos mosquetes e arcabuzes utilizados como arma de guerra. Ao contrário destes, cujo cano era de alma lisa, as armas dos caçadores tinham cano estriado (um processo inventado na Alemanha por volta de 1520) e – como é possível verificar na imagem que acompanha este artigo – uma configuração um pouco diferente dos mosquetes, a cuja versão mais pesada, no entanto, se assemelhavam. Isto conferia uma maior precisão ao tiro, mas com a desvantagem de ser mais moroso de carregar (pelo cano) que as armas de alma lisa. Claro que num cerco, como no caso testemunhado por Matheus Roiz, em que os defensores dispunham da protecção de uma muralha e não estavam sujeitos à pressão de remuniciarem a arma com a rapidez exigida aos soldados que se encontravam em campo aberto, a vantagem de um maior alcance prático e precisão não era de desprezar.
Imagem: Caçadores descansando num celeiro. Óleo de Gerard Donck.