Relação diária dos sucessos ocorridos entre os anos 1655 a 1656 na fronteira da Extremadura espanhola (parte 3)

Continuando a transcrição/tradução para português do manuscrito:

Pelo princípio de Agosto [de 1655] intentaram 100 cavalos da guarnição de Olivença a Talavera, e lançaram uma partida de 30 a recolher algum gado com desdém, que carregada dos cavalos daquele quartel, que sabiam não passavam todos de 60, se fossem a meter na emboscada e lhes quitassem alguns cavalos. Estava em Talavera por capitão-mor antigo Don Felipe Vicentelo, por estar ausente Don Diego Quixada, governador daquelas tropas, e estar enfermo Don Diego Farni, que havia entrado na companhia de [cavalos] couraças da guarda, e a do general, com que se encontravam mais de 160 cavalos. Que sacou Don Felipe a arma e enviou ao seu tenente com uma partida de 30 cavalos, que carregasse a que levava a presa, que o fez vivamente. E Don Felipe lhe foi dando calor [ou seja, apoio] quase até descobrir os outros cavalos do inimigo, donde cerrando, o nosso tenente foi rompido e perdeu alguns cavalos, não havendo resolvido Don Felipe a cerrar, suspeitando [que] era mais numeroso o inimigo. E tendo sabido dos soldados que fez prisioneiros os cavalos que haviam saído de Talavera, e temendo os que saíam de Badajoz, [o inimigo] largou logo a presa e se retirou a toda a a pressa, podendo, segundo se disse, ter tido Don Felipe um famoso dia, se se resolvesse a investir, sobre o que se lhe deu alguma repreensão depois.

Pelo fim de Agosto chegou aviso a esta praça, do Montijo pela manhã, que o inimigo, com até 90 cavalos, se havia arrimado ao lugar e levava uns bois, e que às companhias que ali assistem as haviam metido a cutiladas no quartel, e tomando-lhes quatro cavalos. Com este aviso que pouco depois também veio de Talavera, saiu daqui com as tropas o comissário geral Don Cristóval de Bustamante, e teve ordem Quixada para sair com as de Talavera e Lobón ao meio dia. Saiu Bustamante ao Cerro da Galdina, desde onde sem deter-se enviou até 100 cavalos até Arronches, a reconhecer uma poeirada que se descobriu, crendo [que] era o inimigo. Não toparam com nada estas tropas, ainda que todas depois estiveram em Vilar del Rey, passagem que precisamente havia de ir a buscar o inimigo, segundo souberam das línguas que tomaram de Campo Maior. Não se deteve ali Bustamante, ainda que constava que o inimigo não se havia ainda retirado, e sem fazer outra coisa se retiraram as tropas, muito trabalhadas [ou seja, cansadas] da longa marcha, ao outro dia pela manhã, sendo constante que mais pela nossa má disposição que pela boa dos inimigos, retiraram a presa, quando tinham já ordem para descartar e salvar-se, não parecendo possível que pudessem retirar-se por aquela passagem sem serem descobertos das nossas tropas, mas fizeram-no depois que as nossas se retiraram. Estranhou-se que o Senhor Don Rodrigo Moxica, encontrando-se aqui e não havendo nenhuma cavalaria nestas praças, não fosse a esta ocasião, que havia sonhado mais ruidosamente quando veio o primeiro aviso. Porém se foi nessa mesma tarde à caça às lebres, sem haver-se sabido nada das tropas.

No dia seguinte, à noite, voltaram a sair todas as que haviam ido à área do Montijo, e com elas o Senhor Don Rodrigo. Acreditou-se que era o motivo muito grave, suposto que era a vez primeira que montava com as tropas e se atropelava pelo inconveniente de estarem muito cansadas da marcha do dia e noite antecedentes, em que se haviam maltratado muitos cavalos. Porém depois de regressados à praça, se supôs que o desígnio foi só comboiar uns 15 infantes irlandeses que foram substituir outros que estavam em Albuquerque, que retirou havendo levado as tropas por Vilar del Rey e fazendo-as passar outra marcha bem penosa, sem outro fruto.

(continua)

Fonte: “Relación diaria de los sucesos acaecidos entre los años 1655 a 1656” (Biblioteca Nacional de Madrid, Sala Cervantes, Colección Mascareñas, Manuscrito nº 2384, fls. 252-253)

Imagem: Choque de cavalaria; óleo sobre tela, escola holandesa, meados do século XVII.