Relação diária dos sucessos ocorridos entre os anos 1655 a 1656 na fronteira da Extremadura espanhola (parte 4)

Continuando a transcrição/tradução para português do manuscrito:

Quarta-feira 2 de Outubro [de 1655], às orações, se deu ordem para que toda a infantaria arrimasse logo a seus postos; e às onze da noite marcharam as tropas desta praça e as de Talavera, com o comissário geral Don Cristóval de Bustamante. E ao amanhecer marchou o general da cavalaria Don Rodrigo de Moxica com as tropas de Rossales e 400 infantes, a cargo do mestre de campo Don Juan de Zuñiga. E uns e outros se foram a pôr à vista de Campo Maior, [se] bem que por diferentes passagens, enquanto o capitão Hereo, com coisa de 200 cavalos que se juntaram das tropas de Albuquerque, Valência [de Alcântara], Brozas e Arroyo e San Vicente, recolhia o gado de Barbacena e outros lugares vizinhos, o que fez sem oposição. E é fama [que] reuniu mais de 15.000 cabeças de gado menor e alguns bois e bagagens, com que veio a incorporar-se com o general da cavalaria, que estava com quase todo o resto daquela, e neste exército aguardando-o. E ainda que não saiu nada a estorvar a marcha, nem de Campo Maior, nem de Elvas, ficou muita parte do gado pelo caminho; e se houveram de vender 2.700 cabeças de gado menor e 185 reses maiores, porque o demais se extraviou pelos soldados e cabos.

Pelo fim deste mês regressou o general da cavalaria da Corte, aonde foi em segredo a coisas particulares suas. Voltou por Salamanca e ao passar o porto junto a Cañaveral, no partido [distrito militar] de Coria, havendo-se adiantado um criado seu, foi cair numa partida de sete cavalos rebeldes que ali estavam, e informados que vinha atrás o general (ainda que o moço afirmou que vinha sem comboio [grupo de escolta] algum, com dois criados), não acreditaram e se retiraram sem o aguardar, parecendo-lhes que estando o general já em passagem de onde podia chamar o comboio que quisesse das tropas de Moraleja, não quereria vir sozinho, ainda que a mais de seis ou sete léguas de terra adentro da raia, que foi ocasião de não haver caído em suas mãos, sendo muito fácil levá-lo a Salvaterra sem embaraço algum. No princípio deste mês, havendo-se juntado o sargento-mor Don Pedro de Armesto, governador de Albuquerque, e o tenente de mestre de campo general Don Fernando de Godoy, governador de Valência [de Alcântara], em San Vicente, para conferenciar sobre os postos aonde se haviam de fazer certas atalaias, de ordem do Senhor Don Francisco, e estando comendo, descobriu-se uma partida de cerca de 30 cavalos recolhendo o gado do lugar. Achavam-se com os cavalos que haviam trazido os dois governadores e os do lugar cerca de 40, com os quais saíram logo ambos os cabos. Cria o inimigo que não havia mais que os cavalos do lugar e assim levava só os que eram bastantes para os romper, e com esta confiança cerrou confiadamente com os primeiros; porém reconhecendo maior número do que ali havia, se pôs em fuga, suspeitando que estavam ali juntas as tropas para algum fim, mas não o fez tão a seu salvo que não deixasse cerca de 20 cavalos. Morreu nos primeiros encontros o governador de Albuquerque Armesto, de uma estocada, que causou lástima por ser moço e recém-casado e homem de valor, se bem que de curto talento.

No fim deste ano entrou nesta praça o general da artilharia Don Gaspar de la Cueva, irmão do Duque de Albuquerque, que vinha suceder a Don Diego Cavallero. Saíram a recebê-lo os generais, mas não se lhe fez salva de artilharia, e se fez a Don Diego Cavallero quando se foi, e ao general da cavalaria quando veio os dias passados de Madrid. É um cavaleiro muito apaziguador, e que afecta muita simpatia com todos, e por isto bem visto geralmente.

(continua)

Fonte: “Relación diaria de los sucesos acaecidos entre los años 1655 a 1656” (Biblioteca Nacional de Madrid, Sala Cervantes, Colección Mascareñas, Manuscrito nº 2384, fls. 253-254).

Imagem: Cavalaria, período da Guerra Civil Inglesa (meados séc. XVII). Pintura do século XX.