Relação diária dos sucessos ocorridos entre os anos 1655 a 1656 na fronteira da Extremadura espanhola (parte 5)

Continuando a transcrição/tradução para português do manuscrito:

Extremadura, Ano 1656

Pelo fim deste mês veio ao exército Don Gaspar de la Cueva, irmão do Duque de Albuquerque, com o posto de general da artilharia e 600 escudos de soldo: 300 do posto, 200 por filho de Grande e 100 de encomenda. Sujeito de poucos anos, muita inocência militar e moderado talento.

Poucos dias antes havia chegado aqui outro general da artilharia, titular irlandês. Chama-se Don Hugo Neth, a quem por acomodá-lo remeteram a este exército, reputado pelo mais assistido pelas contribuições da Província, soldado de experiência e de mais que medianas prendas.

Por este mês fizeram os rebeldes algumas presas consideráveis, entrando nos campos de Alcântara pela parte de Albuquerque, de onde levaram muito gado miúdo, e de Salvatierra, em estado de feira, quase todo o que havia naquele lugar, não obstante que se encontravam naquele distrito quase 500 cavalos em diferentes quartéis, e os governava então o capitão Don Pedro Diez de Quintanal, soldado de opinião e de experiência.

A 25 saiu daqui o senhor Don Francisco Tutavila, a receber a visita da Duquesa sua esposa, acompanhando-o o general da artilharia Don Gaspar de la Cueva e os mestres de campo Don Álvaro de Luna e Don Juan de Zuñiga, Don Pedro de Mendoza e o contador do exército Pedro de Arostegui. Ficou governando, por ordem de Sua Majestade, o general da cavalaria, Don Rodrigo de Moxica.

No princípio deste mês veio um clérigo de Elvas com carta do bispo para o de Badajoz, em que representava que os ingleses haviam pedido um porto na parte de Portugal, para fazer-nos a guerra desde ali, mas vivamente se lhe[s] negou; que temiam tratava o inglês de vir a tomá-la por força; que eles estavam dispostos a defender-se, e que pois éramos nisto não menos interessados, pedia se tratasse cá, ou ajudar com nossas armadas a rechaçar as inglesas, ou de haver alguma trégua ou suspensão de armas na fronteira para poder valer-se destas forças para a costa. Vista a carta pelo bispo e o general da cavalaria, deram conta cada um a Sua Majestade, sem avisar do caso ao senhor Don Francisco, que se achava na ponte do Arcebispo, aguardando a noiva.

Poucos dias depois veio um padre ca Companhia [de Jesus] de Elvas, com outra carta daquele bispo para o nosso, sobre o mesmo caso, mas como não havia ainda chegado a resolução de Sua Majestade, se despachou logo. E em 18 deste chegou o aviso do que Sua Majestade resolveu, e foi que não se escutasse os rebeldes no que propunham em nenhuma forma. Dizem [que] se discutiu a matéria entre os conselheiros, não faltando razões e votos por uma parte e outra.

Por estes dias havia chegado também aviso da resolução que Sua Majestade tomou, de jubilar-se o vedor geral Don Francisco de Ynzita, e que o contador Pedro de Arostegui fosse gozar o cargo de Contador de Colheitas na Corte. Resultou isto de uma visita que no ano de 32 fez aqui o vedor Diego de Portillo, cuja determinação se dilatou até agora, e nela se suspendeu o procurador geral Don Geronimo de la Haya por sete anos e o condenaram em sete ou oito mil escudos, pelo que está preso no cárcere da Corte; outras multas houve.

Em 17 de Abril entrou o senhor Don Francisco com sua noiva. Teve ele luzido recebimento, e só aquele dia entre todos os deste mês foi apropriado para gozar desta alegria. Houve salva real e a infantaria disparou em quatro postos: San Roque, Trinidad, Campo de San Juan e Palácio; que deu boas cargas, ainda que era pouca a gente. Foram caras e luzidas as galas que puseram os cabos e seus domésticos.

Desde o primeiro deste mês até 16 correu o Guadiana (sem ocasião de enchente, antes minguando) tão colorido e sangrento que em todo este tempo não se pôde beber dele, nem a água assentada perdia aquela cor. Não se sabe a causa, se bem alguns camponeses crêem que como esse rio vem pela Marula, onde há minas de almagra, pode topar com algum veio dela, ainda que para os muitos dias que isto há durado, era necessário que fosse muito copioso o veio.

(continua)

Fonte: “Relación diaria de los sucesos acaecidos entre los años 1655 a 1656” (Biblioteca Nacional de Madrid, Sala Cervantes, Colección Mascareñas, Manuscrito nº 2384, fls. 334-335).

Imagem: Bernabé de Gainza, “Praça de Badajoz e fronteiras do Reino de Portugal”, in Testón Nuñez, Isabel; Sánchez Rubio, Carlos; Sánchez Rubio, Rocio, Planos, Guerra y Frontera. La Raya Luso-Estremeña en el Archivo Militar de Estocolmo, Mérida, Gabinete de Iniciativas Transfronterizas, 2003, p. 56.