Combate de Arronches, 8 de Novembro de 1653 – parte 1.

Acerca do “Combate de Arronches” – um recontro de cavalaria ocorrido em local não identificado com precisão, algures entre Arronches e Assumar – existe uma relação publicada (Relaçam da vitoria qve alcançov do castelhano, Andre de Albuquerque General da Cauallaria, & Alcayde mór de Sintra, entre Arronches, & Asumar, em 8 de Nouembro deste presente anno de 1653. Em Lisboa. Na Officina Craesbeeeckiana anno de 1653). Todavia, o que ora se principia a transcrever é uma carta enviada a D. João IV por D. João da Costa, 1.º Conde de Soure (1610-64), ao tempo governador das armas da província do Alentejo. Difere em pequenos pormenores da posterior relação impressa, embora esta siga, no essencial, a missiva do cabo de guerra.

Não se trata de um estudo sobre o combate, que envolveu principalmente cavalaria de ambos os lados (os portugueses tiveram apoio de unidades de infantaria). O estudo está neste momento em andamento. Apresenta-se aqui, com intuito de divulgação, a carta do Conde de Soure, reproduzida em M. L. de Almeida e C. Pegado (pub.), Livro 2.º do registo das Cartas dos Governadores das Armas (1653-1657), Coimbra, Biblioteca da Universidade, 1940.  

Sucesso de Arronches

Senhor

Em nove deste mês dei conta a Vossa Majestade do glorioso sucesso, que Deus foi servido dar às armas de Vossa Majestade, na forma das primeiras notícias que me mandou o tenente-general da cavalaria Tamericurt. Agora o faço com os mais particulares que pude achar.

A seis deste mês ordenei a Fernão de Mesquita [Pimentel] que, com as cinco companhias pagas e com as tropas dos pilhantes [companhias que faziam parte da milícia de Auxiliares] do partido [distrito militar] de Portalegre, fosse armar [emboscar] as duas companhias de Valença [Valencia de Alcántara] e de São Vicente. E em sete ao general da Cavalaria [André de Albuquerque Ribafria] que, com as desta praça [Elvas], Campo Maior e Olivença, armasse as companhias de Badajoz.

O inimigo havia dado ordem para que, no mesmo dia de seis deste [mês], entrasse o comissário geral Bustamante com dezoito companhias do partido de Alcântara e Albuquerque para que, roubando os campos das comarcas do Crato, Avis e Portalegre, se juntasse entre Alegrete e Arronches com o resto da sua cavalaria, que naquele posto havia de estar sábado pela manhã. Para este efeito saiu de Badajoz sexta-feira, à boca da noite, tomando o caminho para Campo Maior.

O general da cavalaria André de Albuquerque, que havia estado todo o dia na emboscada, por não haver tido a ocasião que esperávamos para correr o inimigo, vendo-o sair me avisou e o foi buscar [ou seja, foi ao seu encontro] a Campo Maior, adonde não pôde dar com a trilha até sábado pela manhã, e pondo-se nela o foi seguindo.

Neste tempo me chegou aviso que Fernão de Mesquita, indo entrando em Castela com cinco companhias pagas e quatro tropas de pilhantes, formado em cinco batalhões [formações tácticas], encontrou seis que eram a vanguarda das dezoito companhias do comissário geral Bustamante, que vinha entrando para Portugal. Investindo-os os nossos valorosamente os romperam e os foram levando, até topar co a reserva do inimigo, a quem não puderam resistir os nossos esquadrões, porque iam misturados com os primeiros seis do inimigo. E assim foi força ceder a nossa gente depois de haverem feito tal estrago nos castelhanos, que não puderam executar a ordem que tinha[m] para entrar em Portugal e juntar-se com os de Badajoz, em razão dos muitos oficiais e soldados que perderam. Os de que até agora tive notícia são quatro capitães, um logo morto e três muito mal feridos, e neles entra Dom Álvaro de Luna, filho do Conde de Montijo, e o número dos oficiais menores e soldados não sei com certeza, por haverem ficado em sua terra e os castelhanos encobrirem com grande cuidado as perdas que recebem; mas de algumas línguas que têm vindo daquela parte consta que os mortos e feridos do inimigo são muitos e o dano que tiveram foi tal que nos assegurou a vitória que alcançámos a nove deste [mês] [em rigor, a oito].

A perda que recebemos constou de cinquenta e oito cavalos e outros tantos soldados prisioneiros, em que entraram os capitães Fernão de Mesquita e Duarte Fernandes Lobo, que ficaram feridos, e dois tenentes e dois alferes.

Nesta ocasião se acharam os capitães Fernão de Mesquita, que a ia governando, Duarte Fernandes Lobo, o capitão Duarte Lobo da Gama e as companhias de Manuel de Mendonça, D. Fernando da Silva sem capitães, e as companhias dos soldados socorridos a que chamam pilhantes, Francisco Velho Coutinho, Fernão Martins de Ayala, Manuel da Costa Monteiro. Todos os oficiais e soldados procederam com grande valor, mas como não chegavam a 260 e os do inimigo eram todos soldados pagos e passavam de seiscentos e cinquenta, não puderam resistir.

(continua)

Imagem: Combate de Arronches; pormenor do painel de azulejos correspondente, Sala das Batalhas, Palácio dos Marqueses de Fronteira e Alorna.