Combate de Arronches, 8 de Novembro de 1653 – parte 3

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(continuação)

Os feridos e prisioneiros do inimigo, além dos que se foram render aos nossos lugares circunvizinhos, passam de quatrocentos os que mandamos a Badajoz e ficam nestes hospitais. Entre eles vieram os capitães de cavalos Dom Turíbio Pacheco, Dom Cristóvão de Obando, Dom Luís de Obando, treze tenentes, dezassete alferes e muitos reformados [oficiais que tinham cessado o serviço activo mas que se tinham realistado, por vezes como simples soldados].

Os mortos foram o Conde de Amarante, tenente-general da cavalaria, e os capitães Dom Guilherme Tutavilla, sobrinho do Duque de San Germán, Dom Sancho Perez de Villamizares, Dom João Sarmento e outros muitos oficiais menores vivos e reformados e fidalgos particulares que vinham na vanguarda.

Os corpos que se acharam no lugar donde se pelejou foram cento e oitenta e seis, além de muitos que se vão enterrando pelos matos e caminhos do alcance [com que foram mais de 300 em número – esta parte foi acrescentada na relação impressa].

Daqui se pode inferir os cavalos que o inimigo perdeu e nos ficaram, que ao menos hão-de ser tantos como os mortos e prisioneiros. Para se cobrarem, hei feito as diligências necessárias pelos lugares circunvizinhos adonde se levaram muitos e os mais trouxeram as nossas companhias.

As perdas que tivemos foram vinte e nove mortos [40 mortos, segundo a relação impressa], em que entraram o capitão Henrique de Figueiredo e Manuel Ribeiro, alferes de Tamericurt. Os feridos foram centro e treze [139, segundo a relação impressa], em que entraram o general da cavalaria, com uma estocada no lado e uma ferida no rosto, que lhe deram no primeiro choque, pelejando diante dos esquadrões da vanguarda; mas o maior dano que recebeu, sendo-o o das feridas grande, é haver-lhe passado por cima a cavalaria do inimigo e a nossa duas vezes, que foi milagre escapar; o comissário Rozier, com um pistoletaço na maçã do rosto; o capitão Francisco Pacheco [Mascarenhas – comandante da companhia onde servia o memorialista Mateus Rodrigues, que também ficou bastante ferido no combate, como já foi referido] com uma estocada, três capitães reformados de infantaria, Fernão da Cunha, Francisco Sodré e António Dias Cebolo, dois ajudantes de cavalaria, La Grezille e Diogo Rodrigues Tourinho, quatro tenentes, Bartolomeu de Barros.

São muitas e mui grandes as consequências que desta vitória se seguem pelo dano que recebeu o inimigo, perdendo a terceira parte da sua cavalaria e a confiança que lhe haviam dado os sucessos que em outros tempos teve contra a nossa e a com que ficaria se lograsse tão grade presa como havia feito, ficando destruídos os povos e os castelhanos ricos e cevados para outras. Mas sobretudo me parece que se deve estimar vermos luzido o trabalho com que se procurou reduzir a nossa cavalaria à forma e ordem com que hoje se acha, em que tudo consiste como nesta ocasião se viu e que eram bem necessárias as demonstrações que em outras fiz para que isto fosse assim.

O general da cavalaria procedeu com tão singular valor, prudência e arte, que deixou muito que invejar aos maiores generais do mundo. Com o mesmo acerto se houveram o tenente-general Tamericurt, os comissários gerais Duquesne e Rozier e todos os capitães, tenentes e alferes e soldados, cada um no que lhe tocava, de maneira que obrando todos singularmente, todos foram iguais.

Os cabos e oficiais e pessoas particulares que se acharam nesta ocasião são os que se seguem abaixo. Peço humilissimamente a Vossa Majestade, pelo muito que amo seu serviço e a grandeza de sua Real Coroa, mande ter com todos atenção que merecem, porque das mercês que Vossa Majestade lhe[s] fizer, há-de ver sempre mui seguros reconhecimentos para glória da Real pessoa e casa de Vossa Majestade, que Deus guarde, felicíssimos anos, como seus vassalos havemos mister.

Elvas, 12 de Novembro de 1653.

Imagem: Oficial de cavalaria em armadura de couraceiro (painel de azulejos do exterior do Palácio dos Marqueses de Fronteira e Alorna). Note-se o pormenor (correcto) de segurar a pistola de lado, deixando o mecanismo de fogo ao alto, para se assegurar a ignição da pólvora por percussão do cão na panela. Introduzidos de facto na orgânica da cavalaria portuguesa em 1645, os cavalos couraças raramente usaram a armadura que a figura representa. Somente em ocasiões de batalha campal algumas companhias da guarda dos generais se equipavam desta forma, embora fosse bastante comum oficiais superiores e generais usarem armadura de couraceiro. Foto de JPF.