Auxiliares a cavalo – quem deveria servir

Quando foram criadas as companhias de cavalos Auxiliares em 1650, logo se levantou a dúvida acerca de quem nelas devia servir. Cinco anos antes tinham sido criadas as companhias de infantaria de Auxiliares, mas a nova legislação impunha agora uma força onerosa, que devia ser sustentada por quem pudesse fornecer cavalos. Passar-se-iam dois anos, porém, até que o Conselho de Guerra clarificasse a situação.

Foi no seguimento de uma carta de Francisco de Melo, general da artilharia do exército do Alentejo, que tudo se esclareceu. O cabo de guerra expunha uma dúvida a respeito de quem devia obrigar a ter cavalo para Auxiliares, uma vez que o Regimento das Comarcas (que estabelecia a organização dos Auxiliares a cavalo) de 1650 era omisso em relação à fazenda a partir da qual deve alguém ser obrigado a ter cavalo. As Ordenanças do tempo de D. Sebastião, que para muitos casos omissos ainda eram consultadas, obrigavam a ter cavalo quem tivesse 600.000 réis de fazenda, que hoje em dia não dá para sustentar um homem só, como referia Francisco de Melo.

O Conselho de Guerra esclareceu então que as pessoas que haviam de ser obrigadas a ter cavalos seriam as que tivessem dois mil cruzados de fazenda [800.000 réis], e daí para cima.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1652, mç. 12, consulta de 23 de Maio de 1652

Imagem: Escaramuça de cavalaria, óleo, escola holandesa, século XVII.

Um combate em Vale de Cavaleiros (arredores de Elvas), em Setembro de 1648

Há algum tempo que não apresentava uma acção descrita pela pena do memorialista e soldado de cavalaria Mateus Rodrigues (Matheus Roiz). A que aqui fica desenrolou-se nos arredores de Elvas, em Setembro de 1648. A transcrição foi vertida para português corrente, como é habitual.

Todas as vezes que o inimigo vinha à campanha de Elvas fazer alguma emboscada, ordinariamente trazia a sua cavalaria toda, porque sabia muito bem que quando lhe saíam as doze tropas [companhias] que assistiam em Elvas, logo iam nas suas costas os três terços de infantaria que havia na cidade; e assim, entre algumas vezes que veio, nesta não se houve muito bem, trazendo 1.500 cavalos. De modo que veio-se emboscar em os barrancos da ribeira de Caia uma noite, e como o inimigo logo foi sentido das nossas vigias, vieram logo dar aviso à cidade, à meia-noite. E nas mesmas horas montaram logo as tropas da cidade e arrimaram os três terços também. De sorte que assim como amanheceu, já estava tudo fora da cidade, e fomos marchando com as tropas até o Vale de Cavalos, que era por donde o inimigo havia de vir sobre os nossos. E assim também foi a infantaria toda até o mesmo Vale, e se pôs em um cabeço, formada de dentro de um curral de paredes velhas e derrubadas, com 4 peças de artilharia consigo. Como esteve tudo bem aparelhado, mandaram logo a companhia da ronda que fosse para a sua guarda, fazendo o que era costume, levando seus batedores diante e ela detrás para os socorrer. E com ordem do general da cavalaria que ali estava, Dom João [de] Mascarenhas que, se saísse alguma partida pequena aos batedores, que a seguisse a companhia da ronda até ver em que parava. De modo que assim foi que indo os batedores descobrindo, dão logo com uma partida do inimigo. E vindo correndo sobre os nossos batedores, lhe saiu a companhia e os foi correndo até quase à ribeira de Caia, aonde estava sua embscada. E assim como o inimigo viu já a nossa companhia muito perto, lança-lhe cem cavalos à rédea solta, para ver se podia derrotar. E assim como os nossos viram os cem cavalos sair da ribeira, vêm fugindo para a nossa gente, que assim levava a ordem o cabo dela, e os cem cavalos do inimigo se vinham desunhando atrás da nossa companhia e não viam a outra gente nossa.

De modo que já o nosso general Dom João [de] Mascarenhas tinha apartado 150 cavalos para que, em sendo tempo, saíssem sobre os cem do inimigo. Vinham já os cem cavalos do inimigo mui averbados com a combanhia e perto das nossas tropas, saem logo os nossos 150 cavalos sobre os do inimigo como uns raios, já com a espada na mão. Assim como o inimigo os viu, se bem apressado vinha sobre a nossa companhia, muito mais volveu fugindo. Mas os nossos [é] que lhe davam pouco vagar, porquanto os iam apertando muito bem e desmontando neles, que antes que chegassem à sua emboscada já lhe tinham ficado pelas costas 20 ou 30 cavalos. Mas como a sua emboscada viu já muito empenhados aos cem cavalos, saiu de emboscada mais cedo do que havia de sair, para não lhe derrotarmos mais gente. E assim vem saindo com toda a brosigiada [termo empregue pelo autor, talvez querendo significar “brigalhada”], que eram dezasseis batalhões, que tinham bons 1.400 cavalos. Assim como os nossos viram sair o poder, vieram todos como raios, cada qual havia mais de correr, retirando-se à nossa gente, que já o nosso general a via vir muito bem. E como o inimigo não via a infantaria, cuidava que só as tropas da cidade ali estavam. E assim que o general lá as pôs em o alto para que se viesse a elas com mais vontade, e já a nossa infantaria estava muito alerta, veio o inimigo investindo connosco, entendendo que nos levava de coalho. E apenas eles vinham chegando a nós, volta o nosso general com as tropas, fazendo que fugia, e o inimigo se veio a nós de fio. Mas na volta que nós demos ficou a nossa infantaria à sua vontade para dar carga ao inimigo [isto é: disparar as armas de fogo] como deu, assim de mosquetaria como de artilharia muito bem, que assim como o inimigo a viu, virou muito depressa outra vez para trás ao largo, mas já com boa perda das cargas que lhe deram ali logo bons cem homens. E assim como o inimigo voltou atrás, logo o nosso famoso Dom João [de] Mascarenhas o foi picando valentemente na rectaguarda, e tão bizarramente que lhe feriram o cavalo com uma cutilada e o espadim com que pelejava lhe botaram um escudo fora dele. Fez-se o inimigo ao largo, aonde não lhe faria dano a nossa artilharia, e formou-se e deixou-se estar um pouco ali, havendo sempre grandes escaramuças de ambas as partes. E não ficámos nós também sem perda, que ainda levaria o inimigo 15 ou 20 cavalos e homens. De modo que, vendo o inimigo não fazia já nada, se foi retirando para Badajoz, e nós viemos para a cidade contentes de ver que o inimigo, com toda aquela cavalaria, não fizera nada.

Fonte: MMR, pgs. 1197-199.

Imagem: Vista da cidade de Elvas, ao fundo, a partir do local da Atalaia da Terrinha (hoje desaparecida) – um sítio que foi palco de muitos combates como o descrito aqui. Foto de JPF.

The use of uniforms during the War of the Portuguese Restoration – the cavalry

O presente artigo em língua inglesa é o segundo de uma tradução de dois artigos já publicados há anos. Por curiosidade, num curto espaço de tempo alguns leitores de língua inglesa solicitaram-me que lhes fornecesse informações sobre o eventual uso de uniformes durante a Guerra da Restauração. Deste modo, a tradução dos dois artigos corresponderá à resposta a essas solicitações. Por motivos pessoais e profissionais, não pude dar a continuidade tão rápida quanto desejava à sequência de artigos, mas ela aqui fica agora.

This post in English language is the second part of a translation of two posts published here years ago. Recently, several English speakers, followers of this blog, asked me about the use of uniforms in the course of the War of Portuguese Restoration. I decided to translate the two posts in order to answer their requests. The second is about the cavalry.

Cavalry

While the use of proper uniforms was in its first steps in the infantry (much because of English and French influence, though the precursory Swedish Army of the 30 Years War is also worth of mention), the units of horse maintained their usual undistinguished look during the war. First of all, because the defensive equipment of the cavalry was similar among all Western European armies of the period: buff coats (with or without sleeves), corslets composed of breast and backplate (or at least the first) and helmets or hats. Second, as the company was the basic administrative unit in the Portuguese and Spanish cavalry, and the financial problems in maintaining the men, equipment and horses of the unit was the primary concern of each captain, there was no point to even think about extravagances like uniforms.

Even so, it is possible to find some references to uniforms in the cavalry, but – unlike the infantry – none concerning Portuguese units. The Count Schomberg’s Company of Guards, during the campaign of Alentejo in 1663, wore blue coats over the body armour. Two years later, at the battle of Montes Claros, the same company wore red coats with white crosses. Least clear was the use of red coats by the English horse, like their infantry counterpart, but that’s a possibility. Another distinct unit mentioned by the sources was the Guard cavalry of Don Juan de Austria, using yellow coats with red cuffs at the battle of Ameixial in 1663. And an English report about the battle of Montes Claros in 1665 reffers the cavalry regiment of the German Count of Rabat (of the Spanish army commanded by the Marquis of Caracena) all clothed in buff coats, though that could mean just the lighter piece of deffensive equipment a horseman would wear, not any kind of textile coat used over the body armour. These are the exceptions found in the sources referring the cavalry of the War of the Portuguese Restoration about the use of some kind of uniforms.

 

Bibliography:

A Anti-Catastrophe, Historia d’ElRei D. Affonso 6º de Portugal, publicada por Camilo Aureliano da Silva e Sousa, Porto, Tipographia da Rua Formosa, 1845.

“A Relation of the last summers Campagne in the Kingdome of Portugall, 1665”, anonymous (by an officer of an English Regiment of Horse), 23 June 1665, The National Archives, SP89/7, fl. 49.

Image: Detail of a painting by Jacques Callot (at Versailles Museum). French army dragoons, from Louis XIII period, wore red coats with white crosses, similar to the “uniform” described in use by Count Shomberg’s Company of Guards at Montes Claros. However, about thirty years later, by 1665, the cut of the cloth in military fashion would have changed.

Montes Claros revisitado – mais algumas fotos do campo de batalha na actualidade

Imagens do campo de batalha de Montes Claros, obtidas a partir do monte Mouro, à esquerda do dispositivo português formado em batalha. Nesta primeira foto, no lado direito da mesma e assinalado com um X, é visível o Convento da Luz, situado à retaguarda do exército português. Também assinalada na foto abaixo se encontra a elevação que foi ocupada pelos terços da vanguarda do exército, sobre a ala esquerda. A seta indica a direcção do dispositivo, de frente para o inimigo.

IMG_8679Nesta segunda foto, a partir do mesmo local da anterior, indica-se com a seta a vermelho o eixo de aproximação a Vila Viçosa inicialmente pretendido pelo Marquês de Marialva e pelo Conde de Schomberg, comandantes do exército português. Contudo, o surgimento do exército inimigo (cuja progressão está indicada a amarelo), que até então marchara a coberto da serra da Vigária, obrigou à alteração do plano inicial e à rápida disposição do exército em batalha.

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Fotos do autor.

Acerca dos terços pagos do período da Guerra da Restauração

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Os terços pagos de infantaria do período da Guerra da Restauração eram unidades permanentes, como já aqui foi referido em vários artigos. Ainda que não impossível, é tarefa difícil traçar a sua evolução, dada a natureza dispersa e incompleta das fontes primárias (por exemplo, os Livros de Registo e as Consultas e Decretos do Conselho de Guerra) e a imprecisão das referências a determinadas unidades nas narrativas avulsas de combates ou mesmo na História de Portugal Restaurado, fontes impressas nem sempre fiáveis. Gastão de Melo de Matos, no já longínquo ano de 1940, traçou um esboço de história orgânica para os terços da província de Entre-Douro-e-Minho, que no entanto não teve continuidade (veja-se a ligação para a referida obra aqui).

É possível seguir a evolução das unidades se a pesquisa for orientada para o nome dos respectivos mestres de campo, já que os terços eram habitualmente designados pelo nome dos comandantes. Contudo, mesmo a emissão de uma carta patente não garante que determinado oficial tenha ocupado o posto no terço para o qual fora nomeado. Sobretudo nos primeiros anos da guerra, é possível encontrar o registo de várias cartas patente (a segunda parte dos Livros de Registo do Conselho de Guerra era dedicada exclusivamente a este tipo de documentos) cujos postos os titulares nunca chegaram a exercer. Outra das dificuldades é a ocasional troca de unidades entre oficiais por mútuo acordo, depois de já terem estado no comando dos terços por um período mais ou menos longo de tempo. Não sendo muito comum, podia no entanto acontecer, como se encontra reportado pelo menos numa ocasião.

Na consulta do Conselho de Guerra de 22 de Abril de 1664 foi analisada uma petição do mestre de campo Manuel Lobato Pinto, no sentido de lhe ser atribuído o comando de outro terço. Manuel Lobato Pinto fora nomeado para o terço comandado anteriormente por D. Pedro, o Pecinga, mas não tinha patente daquele posto por ter estado na praça de Monforte a reparar as ruínas dela. Daí fora para Vila Viçosa, por necessidade de assistência na fortificação daquela localidade. Razão pela qual entendia que se lhe devia passar patente de mestre de campo do terço que ali estava, que fora de D. Diogo de Faro, ainda que naquela ocasião o comandante do terço fosse o mestre de campo D. Francisco Henriques. Este concordava em efectuar a troca. O Conselho de Guerra deu parecer favorável à pretensão, por estarem de acordo nisso os mestres de campo e por não prejudicar o serviço das armas reais. O próprio monarca deu o consentimento em 30 de Abril de 1664.

Deste modo, o terço que fora do napolitano D. Pedro, o Pecinga e que devia ter sido comandado por Manuel Lobato, passou a ter como comandante D. Francisco Henriques, e o que este comandava e que anteriormente tinha sido de D. Diogo de Faro, passou a ser comandado por Manuel Lobato Pinto. Estas pontuais alterações tornam por vezes difícil traçar com precisão o percurso de uma unidade no âmbito da história orgânica.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1664, mç. 24, consulta de 22 de Abril de 1664.

Imagem: Combate do período da Guerra dos 30 Anos, pormenor de um quadro de Pieter Post.

A ascensão ao posto de sargento-mor de batalha: dois pedidos de 1664

Gerard_ter_Borch_-_An_Officer_dictating_a_Letter_c1655-58 National gallery London_X

O contexto da criação do posto de sargento-mor de batalha foi aqui apresentado num artigo, há cerca de três anos. Recomendo a sua leitura prévia, a fim de se entender a polémica da introdução do posto no exército português em 1663.

Polémicas à parte, o posto logo se tornou muito apetecível por oficiais desejosos de acrescentamento – ou seja, a obtenção de uma patente que os aproximasse do topo da hierarquia militar, não só em termos remuneratórios e de importância pessoal e social, como da própria integração no núcleo restrito da elite militar provincial. Todavia, o crivo era apertado. Os pedidos endereçados ao Conselho de Guerra não contemplavam a promoção a sargento-mor de batalha como uma mera recompensa, como se fazia, por exemplo, com o posto de tenente-general da artilharia, muitas vezes atribuído ad honorem. E mesmo militares com uma longa lista de serviços prestados viam recusados os seus requerimentos.

Dois desses casos foram tratados numa consulta do Conselho de Guerra de 18 de Março de 1664: as petições do tenente-general da cavalaria D. Martinho da Ribeira e do mestre de campo Manuel Ferreira Rebelo.

Na petição de D. Martinho, o requerente referia que servia desde a Aclamação de D. João IV como soldado, capitão de infantaria, de cavalos, comissário geral e tenente-general da cavalaria, tendo procedido sempre com grande satisfação dos seus generais, entrando em muitos combates e de todas as ocasiões recebendo cartas de Sua Majestade em agradecimento dos seus bons procedimentos, constando também das escritas pelos generais ao Rei o seu préstimo e valor. Tinha sido em muitas ocasiões gravemente ferido, tendo ficado prisioneiro e com um braço quebrado na retirada que o general da cavalaria André de Albuquerque tinha feito na ocasião em que o Duque de San Germán fora contra a sua cavalaria, armar à que assistia em Campo Maior e Elvas; e também, quando esta praça fora sitiada por D. Luís de Haro, saindo a cavalaria portuguesa a tomar quartéis e esperando que se juntasse o exército de socorro, fora D. Martinho trespassado com quatro estocadas. Depois, em todo o tempo que já assistia na Beira, ia sendo notório ao Rei o seu procedimento em tantas ocasiões, e porque estas eram de todo presentes a Sua Majestade e seus ministros, considerava que não podia haver causa para que Sua Majestade deixasse de o acomodar no que mais fosse de seu serviço, pois hoje está sem ocupação, por haver entregue a sua companhia (como Vossa Majestade mandou) ao tenente-general Gomes Freire; havendo ele, suplicante, servido de tenente-general de ambos os partidos da Beira, etendo no de Penamacor a sua casa e a sua companhia, sucedendo nela ao tenente-general João da Silva de Sousa (que era então sargento-mor de batalha na província do Alentejo). E rematava a petição lamentando-se, pois via ele suplicante que os outros se acrescentaram, diminuindo-lhe a ele o posto, havendo gastado nele tudo o que tinha de seu nos socorros a que continuamente assistia, tendo assitido no ano de 1663 na província da Beira, na do Minho, no sítio de Lapela e na do Alentejo na ocasião da batalha e na recuperação de Évora. Pedia assim ao Rei o posto de sargento-mor de batalha da província da Beira, pois não necessitava menos que os outros deste posto, ou em alternativa, do soldo de tenente-general da cavalaria para o Alentejo, onde pretendia servir.

O Conselho, embora tenha considerado que o requerente era muito merecedor de mercê régia, declarava não o poder provir no posto sem ordem expressa de Sua Majestade, por ser um acrescentamento novo.

Nos pareceres dos conselheiros, o Conde de Ericeira concordava com a opinião dos outros membros do Conselho, excepto no que tocava ao acrescentamento de posto, pois considerava que desde a sua primeira criação no exército do Alentejo dera parecer que não convinha que os houvesse, pelas razões que naquele tempo tinha apresentado a Sua Majestade.

O Conselho acrescentou que, estando para rubricar esta consulta, lhe tinha sido apresentada outra petição de teor semelhante, que foi também incluída.

Tratava-se da petição do mestre de campo Manuel Ferreira Rebelo, que servia há 26 anos nas guerras do Brasil, Alentejo e Beira, na ocupação de soldado, cabo de esquadra, sargento, alferes, capitão de infantaria, sargento-mor, tenente-general da artilharia, tenente de mestre de campo general e, naquele momento, de mestre de campo. Participara sempre com particular acordo e valor em todas as ocasiões, como fora na batalha do Canal (Ameixial), em que ele fora dos primeiros mestres de campo que tinham entrado a pelejar, e particular instrumento de lograrem as armas de Sua Majestade uma tão grande vitória. E depois na recuperação de Évora, tendo passado posteriormente à província da Beira, onde teve o sucesso que, entrando por cabo de um troço de gente em Castela, queimou e saqueou o lugar da Redonda e a vila de Ponteguinaldo, que tinha mais de 400 vizinhos, entrando-lhe o forte à força de armas, onde havia ido um exército ociosamente. E no presente momento se achava na Corte em serviço de Sua Majestade, procurando particulares da província da Beira, como tinha feito havia dois anos pela do Alentejo, diligências que os governadores das armas o encarregaram, por lhes constar do seu préstimo. E porque a tença de 40.000 réis que tinha na casa de Regalados não cobrava desde há em 3 anos; e uma capela que Sua Majestade lhe tinha feito mercê não lograva rendimento algum, e havendo um ano que servia de mestre de campo, não tinha cobrado mais que 23.000 réis de um mês de soldo para a jornada do Alentejo, com o que se achava impossibilitado de continuar ao serviço de Sua Majestade, por haver gastado nele toda a sua fazenda.

Também este requerente pedia o posto de sargento-mor de batalha da província da Beira, tendo-o já pedido a Pedro Jacques de Magalhães, governador das armas.

A ambos os casos respondeu o Rei, em 28 de Março de 1664, nos seguintes termos: Não há que tratar deste posto.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1664, maço 24, consulta de 18 de Março de 1664.

Imagem: Gerard Terborch, “Oficial ditando uma carta”, c. 1655-58, National Gallery, Londres.

As atitudes perante os estrangeiros – um exemplo de 1645

A presença de oficiais e soldados estrangeiros em Portugal no decurso da Guerra da Restauração já foi abordada aqui por diversas vezes, em vários artigos e sob diferentes perspectivas. O caso que agora se apresenta é ilustrativo do desencontro de opiniões sobre a necessidade ou não do recurso a estes militares profissionais, que tão depressa eram considerados imprescindíveis para reforçar a capacidade de combate do exército português (principalmente na fase inicial do conflito), como eram vistos como dispensáveis arruaceiros e potenciais desertores, que nenhum benefício traziam para o esforço militar do Reino.

Em Agosto de 1645, o tenente francês Jean Boustier de Lanue, que havia chegado a Portugal em Setembro de 1641 como alferes de infantaria, enviou ao Conselho de Guerra uma petição para a formação de uma companhia de infantaria. Encontrava-se então sem contrato nem unidade onde servir desde o início do ano. A falta de montadas terá levado o oficial a propor-se servir numa unidade apeada, formada por si, ainda que a promoção não lhe trouxesse avanços no que ao soldo respeitava – um tenente de cavalos estrangeiro auferia 18.000 réis mensais, ao passo que um capitão de infantaria ganhava 16.000, o dobro de um oficial português com a mesma patente. No entanto, a  efectivação dos pagamentos era uma raridade, deixando os que não eram naturais do Reino numa situação difícil, sem outros meios de socorro imediato e levando-os a praticar alguns abusos e desmandos, o que, de certo modo, é usado por Joane Mendes de Vasconcelos como justificação do seu parecer.

João Boustier de Lanüe, francês, pela petição inclusa se oferece a levantar nesta cidade [Lisboa] uma companhia de cem infantes dos de sua nação para servir a Vossa Majestade com ela, fazendo-lhe Vossa Majestade mercê do posto de capitão dela para ir servir adonde se lhe ordene.

Consta dos papéis que este francês presentou, haver servido na província de Entre Douro e Minho de tenente de uma companhia de cavalos, de 17 de Setembro de 643 até 20 de Janeiro de 645, e achar-se no decurso deste tempo em todas as ocasiões e encontros que se teve com o inimigo, e nas facções de maior importância nos postos de maior risco, mostrando grande valor e zelo do serviço de Vossa Majestade.

Havendo-se visto esta oferta, considerando D. João da Costa e Jorge de Melo que será conveniência do serviço de Vossa Majestade admiti-la, assim por escusar que estes franceses vão descontentes a sua terra e lancem voz da pouca estimação que deles se fez neste Reino, intimidando outros para duvidarem vir a ele quando a necessidade obrigue a procurá-los, como porque sendo soldados práticos poderão servir melhor que os bisonhos que se levantarem de novo, e fazendo-o na infantaria não terão tanta ocasião de se ausentar, como a teriam se servissem a cavalo, por todas estas razões são de parecer que Vossa Majestade deve de admitir a oferta, ordenando que a cada um dos cem soldados se dê uma paga de quatro mil réis para se poderem vestir, e seus socorros ordinários na forma que são socorridos os soldados portugueses, e depois de formada esta companhia se poderá remeter ao Alentejo, com ordem ao Conde governador das armas que agregue a um dos terços daquele exército.

Joane Mendes de Vasconcelos é de parecer que não se deve de admitir esta oferta, entendendo que sendo esta gente a escória de todos os estrangeiros que passaram a este Reino, não servirá tão bem como o farão os soldados portugueses, ainda que sejam bisonhos, entendendo também que estes franceses, estando já costumados à vida de vagabundos, como se virem com as pagas e vestidos, por mais cuidado que se tenha com eles procurarão fugir, e que o receio do dano que eles podem causar indo-se descontentes deste Reino mal se poderá atalhar com os acomodar, sendo já idos tantos de mais autoridade e importância que eles, queixosos de não se lhes pagar o que se lhes devia, despedidos do serviço de Vossa Majestade, a cujas queixas é de crer se dará mais crédito nas suas terras, do que se dará a estes, sendo gente de tão pouca importância. Lisboa 22 de Agosto de 1645.

O Rei acrescenta à margem, como resposta ao parecer: Tenho deferido noutra consulta. Caldas, 13 de Setembro de 645.

Jean Boustier de Lanue seria mais tarde promovido a capitão de dragões, tendo morrido em combate em Dezembro de 1646.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1645, maço 5, consulta de 22 de Agosto de 1645.

Imagem: “O cavaleiro”, óleo de Gerard Terborsch.

Os capitães-mores nas fronteiras de guerra em 1645 – parte 2, províncias da Beira, Trás-os-Montes e Entre-Douro-e-Minho

Concluindo as listas dos capitães-mores e respectivos soldos (ou ausência deles), remetidas ao Conselho de Guerra em 1645, são agora apresentadas as respeitantes às províncias da Beira, Trás-os-Montes e Entre-Douro-e-Minho. A importância relativa de cada uma destas fronteiras de guerra pode ser observada através das listas: enquanto o Alentejo, cuja lista foi apresentada na primeira parte desta mini-série, incluía o mais extenso rol de capitães-mores remunerados, nas outras províncias os soldos eram desconhecidos ou não eram sequer auferidos pelos titulares dos cargos. Mais uma vez se recorda aqui que o capitão-mor era um cargo que podia ser desempenhado por alguém com uma patente militar já atribuída, conforme se pode ver nos quadros inclusos (basta clicar com o rato em cada uma das ligações para aceder ao respectivo ficheiro PDF).

CM Província da Beira 1645

CM Província de Trás os Montes 1645

CM Província de Entre Douro e Minho 1645

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1645, maço 5, Rellação das praças da Raya, das Prouincias de Alentejo. Beira. Tras os Montes. Entre Douro e Mynho, e do Reyno do Algarue, e nomes dos Capitães mores dellas, e os que uencem soldo e uencem a sua custa, proveniente da Contadoria Geral.

Imagem: “Soldados jogando cartas”, pintura de Simon Kick; fonte: http://www.wikigallery.org/wiki/painting_203085/Simon-Kick/Soldiers-at-Cards.

Os capitães-mores nas fronteiras de guerra em 1645 – parte 1, província do Alentejo

Sobre o tema desta pequena série de artigos, que será publicada em duas partes, já foi aqui feita uma primeira referência há cerca de dois anos e meio, a propósito do cargo de capitão-mor. Cronologicamente, esse artigo reporta-se ao ano imediato ao que aqui se traz, pelo que poderá ser consultado e comparado com este e o próximo.

Em 1645, ano marcado por uma série de reformas na estrutura do exército português, foi mandado fazer um levantamento dos titulares do cargo de capitão-mor nas diversas províncias do Reino, de forma a que se pudesse estabelecer os gastos com os soldos e a suprimir os que fossem considerados desnecessários. Foi esse o assunto de uma consulta do Conselho de Guerra de Junho de 1645. Anexa a esta consulta encontra-se uma relação extensa e minuciosa sobre os lugares de todas as províncias que tinham capitão-mor, cujo título, todavia, não é totalmente exacto, pois ao contrário do que enuncia, não inclui o Reino do Algarve (designação tradicional da província meridional de Portugal). Uma carta posterior, com assinatura do secretário Pedro da Silva, datada de 17 de Agosto, também se encontra com estes documentos, e traça as conclusões da análise à lista, fazendo ao mesmo tempo algumas propostas.

Recordava o secretário que na província do Alentejo fora ordenado pelo Rei que houvesse praças presidiais (ou seja, com guarnição permanente de tropas pagas), cada uma com sua dotação; e que a praça de armas estivesse em Estremoz, onde estaria o troço de exército que restasse depois de todas as praças se encontrarem dotadas (na verdade, só muito mais tarde, no decurso do conflito, seria aquela localidade elevada a praça principal da província, sede do governo militar, papel que durante grande parte da guerra seria desempenhado por Elvas); e que se tinha determinado que só nas vilas de Montalvão, Castelo de Vide, Alegrete, Ouguela, Juromenha, Mourão e Moura houvesse capitães-mores pagos, e em Vila Viçosa e na vila de Estremoz, havendo esta de ser praça de armas. Concluía que até à data não constava que se tivesse guardado o que se tinha disposto, nem depois que o Conde de Castelo Melhor passara a ser governador das armas chegara qualquer pé de lista à Contadoria.

Em relação aos capitães-mores pagos, o secretário propunha que se extinguissem os de Nisa, Veiros, Monforte e Cabeço de Vide – o que tinha ficado determinado quando se fez a dotação da província. Solicitava que o Rei fosse servido ordenar ao Conselho de Guerra que assim o fizesse, para evitar confusões, dando como exemplo o caso do capitão-mor de Veiros, que estava reformado, segundo a relação, mas ainda auferia o mesmo soldo, como se não o estivesse.

Fazia ainda dois reparos: o soldo do sargento-mor de Villanueva del Fresno, Francisco Pais, que vencia 26.000 réis, quando devia vencer apenas metade. E o soldo do capitão-mor de Mértola, que aparece na relação como sendo de 13.000 réis, quando devia ser apenas de 8.000. Quanto aos capitães-mores das outras províncias, não se podia na Contadoria saber quais os que eram necessários, por não estarem as praças dotadas.

O ficheiro com a lista dos capitães-mores encontra-se em PDF, bastando clicar com o rato sobre a ligação para o visualizar.

CM Província do Alentejo 1645

Fonte: Rellação das praças da Raya, das Prouincias de Alentejo. Beira. Tras os Montes. Entre Douro e Mynho, e do Reyno do Algarue, e nomes dos Capitães mores dellas, e os que uencem soldo e uencem a sua custa, proveniente da Contadoria Geral; e carta do secretário Pedro da Silva, de 17 de Agosto de 1645. ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1645, maço 5.

Imagem: “A emboscada”, pintura de Sebastian Vrancx.

Organização do trabalho de fortificação das praças do partido de Riba Coa (província da Beira) nos inícios de 1657

Na sequência do que já aqui foi exposto sobre o partido de Riba Coa nos inícios de 1657 (material de guerra e situação das forças militares), vem a propósito referir as propostas do governador das armas, D. Rodrigo de Castro, para organizar o trabalho de fortificação das praças daquele partido.

Propunha o governador mobilizar a gente de guerra que ainda não tinha chamado aos terços de auxiliares e volantes (da ordenança, portanto, estes últimos) e que já não iam à guerra nem a outro serviço militar há mais de 8 anos, e que seriam 14.727 homens. Deviam trabalhar por turnos de 8 dias, de 400 homens cada turno, o que faria 117.816 homens de trabalho, necessários para cavar 12.515 braças cúbicas de terra, abrindo fossos para a defesa das praças. Dando a esta gente pão de munição como se estivesse em campanha, orçaria em 1.531.816 réis, o que, segundo D. Rodrigo de Castro, iria poupar à fazenda real dezoito contos, quatrocentos e noventa e seis mil, cento e dezoito réis, porque esta obra, fazendo-a os mestres e pagando-se-lhes na forma da estrutura que [se] tem feito, importa vinte contos e vinte e oito mil réis.

Para reserva de pão de munição destinado a dois meses, a nove mil rações para os que haviam de guarnecer as praças e para o pé de exército para o socorro delas, seriam necessários trezentos e trinta e três moios e vinte alqueires de trigo. O assentista não estava obrigado a dar este alimento pelo seu contrato, mas comprometeu-se a pô-lo em farinha nas praças, pelo que D. Rodrigo solicitou que o Rei lhe enviasse uma carta de agradecimento (na verdade, na menoridade de D. Afonso, seria D. Luísa de Gusmão, a Rainha regente, a fazê-lo).

Também os moradores foram persuadidos a colocar nas praças 2.400 carros de lenha sem despesa para a fazenda real. Solicitava igualmente D. Rodrigo que a Coroa mandasse colocar o que fosse necessário nas praças para alimento da gente delas. Não indo o inimigo atacar as praças, se poderia vender esse alimento, recuperando a fazenda real a despesa feita: 1.249 quintais de carne e outros tantos de peixe seco, 1.200 alqueires de legumes, 6.000 almudes de vinho, 200 de azeite, 550 de vinagre, que importariam 11.395.940 réis.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1657, mç. 17, carta de 14 de Março, anexa à consulta de 28 de Março de 1657.

Imagem: “Cerco de uma cidade flamenga por soldados espanhóis”, óleo de Joahnnes Lingelbach, década de 50 do século XVII.

A situação militar do partido militar de Riba Coa (província da Beira) nos inícios de 1657

Em complemento ao que foi apresentado acerca da situação nas praças do partido de Riba Coa, trago a lume um outro levantamento da situação, este referente aos efectivos e às dificuldades de pagamento, igualmente remetido ao Conselho de Guerra pelo governador D. Rodrigo de Castro e sensivelmente pela mesma altura do anterior.

Por ordem da Coroa, enviada ao governador em finais de Janeiro de 1657, devia o terço pago daquele partido ser reenchido de gente (era o termo utilizado na carta régia) até ao limite da sua dotação. E que o mesmo fizesse com os terços de auxiliares e as companhias de cavalaria da ordenança, tudo da maneira mais suave que se conseguisse – ou seja, sem levantar grandes protestos por parte da população.

Em resposta, recordou D. Rodrigo as dificuldades por que passava a província, à qual estava previsto remeter apenas seis mesadas para pagamento da gente de guerra e cobertura de outras despesas, de 5.600 cruzados cada uma (um cruzado equivalia a 400 réis), mas que na realidade se materializavam em três pagas somente, restando menos do necessário para os pagamentos de todo o ano da 1ª plana da corte, hospital, correios, artilharia, atalaias, sentinelas da raia e muitas outras despesas; e que com aquelas três pagas por ano não podia subsistir a gente de guerra sem os saques, vilas ganhas e presas feitas em Espanha. No entanto, estando toda aquela raia tão destruída de ambos lados da fronteira, não era possível aos soldados recorrerem à referida alternativa como até então faziam. Tudo isto lembrava D. Rodrigo de Castro para dizer que, se se acrescentasse gente ao terço pago, não receberia soldo mais do que duas vezes ao ano, e com os 2.140 réis que cada soldado levava nas duas pagas, seria impossível sustentarem-se, vestirem-se e calçarem-se um ano inteiro.

O terço encontrava-se com 709 infantes, e D. Rodrigo dizia que faria acrescentar os 800 que faltavam para a sua lotação sem despesa da real fazenda. Mas pedia para que se aumentasse o montante das mesadas, pois que o recrutamento se faria sem as pagas iniciais, mas se iria guarnecer a província, além das munições que se davam aos auxiliares que faziam turnos de um mês de guarnição às praças, que naquela província eram 9 na raia e 32 atalaias, as quais ficavam melhor defendidas com aquela infantaria paga. E acrescentava na carta enviada ao Conselho de Guerra que teria a infantaria sempre pronta para acudir ao Alentejo. Relembrava também que , na anterior ocasião em que governara aquele partido de Riba Coa, havia deixado os terços de auxiliares armados e com o número de gente que lhe fora ordenado pelo Rei, mas que após 3 anos de ausência da província se tinham desfeito de tal forma que, quando regressam do serviço de guarnição, nunca trazem o efectivo inicialmente destacado de soldados e nenhum deles vem armado.

Apontava uma solução para ter aquela gente pronta e capaz de servir: fazer como na cavalaria, em que se tinham dado patentes a 4 comissários gerais, um de cada comarca, e assim deveria ser com os mestres de campo de cada terço de auxiliares, que serviriam sem soldo, sendo somente pagos os sargentos-mores e ajudantes, para assim darem disciplina e instrução militar, o que não acrescentaria despesa de maior reparo. Porque sendo o mestre de campo de cada comarca, assim como a gente do respectivo terço, este marcharia mais facilmente com comodidade e confiança.

Não era somente a infantaria a preocupar o governador. Também a cavalaria da ordenança se encontrava afectada pela falta de cavalos, pois muitos tinham morrido ou ficado estropiados nos últimos 3 anos, e não havia cavalos suficientes na província para se comprarem. D. Rodrigo ordenou que os homens que fossem obrigados a ter cavalos os comprassem, adiantando dinheiro para os que não os tivessem, de modo a mandar vir alguns da comarca de Esgueira.

O Conselho de Guerra ficou satisfeito com as sugestões de D. Rodrigo de Castro e solicitou que a Regente lhe agradecesse o zelo e cuidado com que servia. Em 22 de Março, um decreto régio mandava que se cumprisse o parecer do Conselho.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1657, mç. 17, consulta de 19 de Março de 1657.

Imagem: “Soldados e senhoras elegantemente vestidas jogando no interior de um corpo de guarda”, pintura de Jacob Duck.

Material de guerra existente nas praças de Riba Coa em Março de 1657

Duas cartas de D. Rodrigo de Castro para o Conselho de Guerra, datadas de 4 e de 11 de Março de 1657, dão conta da situação das praças do partido de Riba Coa, que o futuro Conde de Mesquitela governava, e do material de guerra aí existente.

Havia à época 42 peças de artilharia naquele partido militar, com o seguinte detalhe:

Artilharia para sair em campanha:

– 5 meios-canhões de bronze que necessitavam de reparos, com suas guias e carros matos. Com a ferragem que havia nos velhos, podiam ferrar-se três reparos com dois pares de rodas, e podiam consertar-se, com pouco custo, as rodas para as guias e um carro. Faltavam demais sobressalentes e tabuões para as respectivas esplanadas (posições preparadas onde eram colocadas as peças) e calabreses grossos e miúdos para serem tiradas em campanha.

– 4 quartos de canhão de bronze, para os quais eram necessários 4 reparos com guias e outros tantos carros matos. Havia reparos nos velhos para três reparos com rodas, e havia dois pares delas sem ferragem. Faltavam-lhe sobresselentes, tabuões para as esplanadas e calabreses miúdos e grossos para estas peças serem tiradas em campanha.

– 4 falconetes de bronze. Havia ferragem para os reparos, rodas e guias, era necessário sobressalente, tabuões para as esplanadas e calabrês para saírem em campanha.

A artilharia que não estava prevista sair em campanha também era referida em detalhe:

– Para 2 colubrinas de bronze, faltava tudo o que não fosse ferragem para um reparo com as respectivas rodas.

– Para 1 colubrina de bronze faltavam rodas e ferragem.

– Para 1 meio-canhão de bronze, havia ferragem para o reparo e rodas.

– Para 6 sacres de bronze, havia somente ferragem para três reparos com as respectivas rodas.

– Para 2 meios-canhões de ferro havia ferragem para um reparo e rodas.

– Para 17 peças de ferro, havia ferragem para 5 reparos e rodas.

Necessitava-se, para as peças que haviam de estar na muralha, de madeira para guaritas, e de cocharas, lanadas e soquetes para todas.

Material de guerra existente nos armazéns

Nos armazéns da província havia 117 arcabuzes consertados, 770 piques, 230 forquilhas, 720 frascos, 630 bandolas de mosquete e arcabuz, e 30 de carabinas. Alguns dos frascos estavam desconsertados, e havia 144 arcabuzes e 333 mosquetes desconcertados (ou seja, avariados ou truncados). Para a infantaria havia 104 corpos de armas, mas nenhuns para a cavalaria, nem carabinas e pistolas, do que estava a cavalaria muito necessitada. Por isso, D. Rodrigo de Castro solicitava o envio de 200 carabinas, 150 pares de pistolas e 200 corpos de armas.

Outras necessidades: 1.513 quintais e 116 arráteis de pólvora, 25.200 balas, e para os 9.000 homens que haviam de guarnecer as praças, à razão de meio arrátel por dia, e a dois arráteis por todo o tempo dos dois meses que haviam de sair em campanha, eram precisos 1.210 quintais e 76 arráteis de pólvora; e de balas sorteadas de outros tantos, e o mesmo de morrão, para o que só havia nos armazéns 211 quintais de pólvora, 116 de balas sorteadas, 225 de morrão, 2.011 balas de artilharia. Destas, escrevia D. Rodrigo, havia no Fundão grande quantidade, embora ainda não soubesse ao certo o número de balas.

Na segunda carta, de 11 de Março, dá conta D. Rodrigo de Castro que se preparava para reunir os 3.000 infantes e 200 cavalos que a Coroa mandou estarem a postos para acudir ao Alentejo, dos quais infantes, no entanto, não poderiam ir só os pagos e auxiliares, porque todos juntos não perfaziam os 3.000 necessários. Seriam necessários 4.500 infantes para guarnecer as 9 praças principais, acasteladas, que havia na raia, com fortes e artilharia, e de um pé de exército de 3.000 ou 4.000 homens.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1657, mç. 17, cartas anexas à consulta de 28 de Março de 1657.

Imagem: “Combate de cavalaria” (pormenor), pintura de Pieter Meulener.

Sobre o capitão holandês Manuel Cornellis e a sua companhia de cavalos

A respeito do capitão Manuel Cornellis, oficial holandês que serviu vários anos a Coroa portuguesa, já foi publicada uma série de artigos. No último destes, foi feita uma abordagem sucinta ao processo judicial decorrido entre 1648 e 1649, que determinaria a perda de privilégios por parte do capitão de cavalos e o seu afastamento, ainda que provisório, do comando da companhia. A escassez de referências a Cornellis nos documentos de anos subsequentes tinham-me levado a crer que o capitão tivesse deixado o serviço por volta de 1654. Todavia, uma consulta do Conselho de Guerra de 1657 mostra que, nesta data mais avançada, o oficial holandês não só se mantinha em Portugal, como se encontrava de novo no comando da sua companhia.

A consulta aborda uma petição de Manuel Cornellis. Nela, o capitão de cavalos refere ter necessidade de gente na sua companhia, e explica que, tendo tido informação de que um António Correia de Sequeira tinha sido condenado em três anos de degredo para um dos lugares de África, por ter sido encontrado de noite com uma pistola pelo meirinho da correição de Elvas, e sabendo que o dito soldado tinha já satisfeito as condenações pecuniárias, o persuadiu a assentar praça na sua companhia como soldado durante três anos, não recebendo soldo até que o Rei lhe fizesse mercê de tal. Expõe também que António Correia de Sequeira é soldado de muito préstimo, havendo já servido 10 anos na cavalaria com muita satisfação, e servido de guia em incursões a Castela.

A petição de comutação da pena encontrou o apoio do Conselho de Guerra, que mandou primeiro remeter a dita petição ao Dr. Jorge da Silva Mascarenhas, Juiz Assessor. Como a culpa não foi “escandalosa” (ou seja, de muita gravidade), o Conselho de Guerra deu o parecer favorável à petição, por ser mais preciso e de maior utilidade o serviço que podia fazer o soldado neste Reino, do que nos lugares de África.

O decreto régio de 20 de Março de 1657 manda aplicar o parecer do Conselho de Guerra.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1657, mç. 17, consulta de 16 de Março de 1657.

Imagem: Soldado de cavalaria armado de carabina, meados do século XVII.

Efectivos do partido de Penamacor (província da Beira) em 1659

Numa carta redigida em 18 de Junho de 1659 pelo mestre de campo João Fialho, dirigida ao Conselho de Guerra, é exposta a situação preocupante em que se encontrava o partido de Penamacor. Estava então o governador das armas D. Sancho Manuel ainda ausente, pelo que o mesmo Conselho deu parecer para que D. Sancho regressasse com a maior brevidade à província da Beira. Os efectivos necessários para a defesa e os que na realidade existiam no partido de Penamacor encontram-se expostos na carta de uma forma concisa mas bem detalhada. Escrevia então o mestre de campo João Fialho:

Guarnição que necessitam:

300 infantes, a praça de Penamacor;

300, a praça de Salvaterra [do Extremo], meia légua da da Sarça, donde se metem os comboios com a espada na mão;

200, a praça de Segura, uma légua idem;

50, a praça da Zebreira, duas léguas idem;

50, a praça de Rosmaninhal, duas léguas de Alcântara;

50, a praça de Penha Garcia;

[Total:] 950 infantes que são necessários para guarnição destas praças e atalaias de seu distrito.

Guarnição que tem este partido:

495, o terço pago, inclusas duas companhias de auxiliares que andam anexas a ele;

300, dos auxiliares desta comarca de Castelo Branco;

[Total:] 795. Desta gente paga e auxiliar estão muitos ausentes, e outros não há tê-los nas praças, que forçados da necessidade se vão a casa de seus pais a remediar.

300 cavalos, inclusos os doentes e incapazes, e três companhias de auxiliares dos moradores da raia, e quando se monta aos rebates chega a duzentos.

Compare-se estes números com os efectivos do mesmo partido em 1648 e em 1663.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1659, maço 19, “Rellação da guarnição que hão mister as praças da Raya deste partido de Castelo branco, E da que tem, e das Legoas que distam das do inimigo”, anexa à consulta de 27 de Junho de 1659.

Imagem: Pormenor de um mapa francês do início do século XVIII, mostrando parte da região compreendida pelo partido de Penamacor (ou de Castelo Branco) em 1659, bem como as localidades espanholas mencionadas no documento. Biblioteca Nacional, Cartografia, CC1777A.

Exemplo de uma carta patente: o caso do capitão Bartolomeu de Barros Caminha

Uma carta patente era um documento passado pelo monarca, através do qual se empossava um oficial de patente igual ou superior a capitão no respectivo posto. Muitas cartas patentes incluíam um resumo da carreira do oficial e das acções em que estivera envolvido, pelo que constituem fontes importantes para o estudo da História Militar e também das Mentalidades do período.

O exemplo que aqui se traz é o de uma dessas cartas patentes, respeitante ao capitão de cavalos Bartolomeu de Barros Caminha, datada de 1659. Como é usual nestes casos, verteu-se o conteúdo para português actual.

Dom Afonso, por graça de Deus Rei de Portugal etc. Faço saber aos que esta minha carta patente virem que, tendo consideração aos merecimentos e mais partes que concorrem na pessoa de Bartolomeu de Barros Caminha, e aos serviços que me tem feito há mais de seis anos a esta parte na província do Minho e exército do Alentejo, achando-se naquela em todas as ocasiões que em seu tempo se ofereceram, e particularmente na do forte de Santiago, saque e incêndio dos lugares de Santo Adrião, Leirado, Taboeira, Forteiros, Linhares, Porto Pedroso, e outros, no encontro que houve com a infantaria e cavalaria do inimigo na campanha de Salvaterra da Galiza, sempre com dois criados à sua custa; e pelo conseguinte no Exército de Alentejo, onde se achou no rendimento do castelo de Oliva, sendo um dos primeiros que entraram no lugar; choque e derrota que se deu à cavalaria de Castela no termo de Arronches, onde foi ferido de uma bala na perna esquerda, havendo sido prisioneiro no encontro que houve a Campo Maior, e ultimamente se achar na campanha de Olivença o ano de seiscentos cinquenta e sete, procedendo em todas as ocasiões com assinalado valor. E por entender dele que em tudo o que o encarregar corresponderá inteiramente à confiança que faço de sua pessoa, por todos estes respeitos hei por bem, e me apraz de o nomear (como por esta carta o nomeio) por capitão da companhia de cavalos arcabuzeiros que no exército do Alentejo vagou por falecimento de Dom António de Ataíde, o qual posto exercitará enquanto eu houver por bem, e com ele haverá de soldo por mês trinta e dois mil réis, pagos na conformidade de minhas ordens, e todas as preeminências, liberdades, graças, isenções e franquezas que pertencem aos mais capitães de cavalos de meus exércitos; e por haver de entrar neste posto, supro ao dito Bartolomeu de Barros todo o tempo que lhe faltar para satisfação do capítulo quinze do regimento das Fronteiras; pelo que ordeno ao governador das armas da província e exército de Alentejo, e general da cavalaria dele, lhe mandem dar a posse desta companhia, e aos mais oficiais e soldados dela obedeçam e guardem suas ordens tão pronta e inteiramente como devem e são obrigados; e antes da posse, jurará na forma costumada de não faltar às qualidades deste posto, o soldo do qual se lhe assentará nos livros da Vedoria e Contadoria Geral daquele exército, para lhe ser pago a seus tempos divididos. Por firmeza do que lhe mandei passar esta carta por mim assinada, e selada com o selo grande de minhas armas. Dada na cidade de Lisboa aos vinte e um dias do mês de Julho. João de Matos a fez. Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil seiscentos cinquenta e nove. Francisco Pereira da Cunha a fez escrever.

(Assinaturas: Rainha; O Conde do Prado; Pedro César de Meneses)

Acrescente-se, como mera nota de curiosidade a respeito deste oficial, que Bartolomeu de Barros Caminha seria em 1661 condenado a degredo para a província de Entre Douro e Minho, por causa de um crime praticado em Campo Maior. No entanto, viu ser-lhe comutada a pena e consequente perda da companhia de cavalos que a patente acima transcrita lhe conferia, com a condição de continuar a servir no Alentejo durante um ano sem receber soldo e ficando proibido de entrar em Campo Maior.

Fonte: “Documentos relativos à Restauração de Portugal” existentes no Arquivo Histórico Militar”, in Boletim do Arquivo Histórico Militar, 10º Vol., Vila Nova de Famalicão, s. n., 1940, pgs. 74-75.

Imagem: Cavaleiros franceses e um alferes de infantaria fazem uma pausa junto a uma tenda de vivandeiros. Pintura da década de 40 do séc. XVII.

 

Efectivos do exército da província do Alentejo em Setembro de 1661 (Parte 3 – a cavalaria estrangeira e os efectivos totais)

Conclui-se aqui a apresentação dos efectivos do exército da província do Alentejo com as listas da cavalaria estrangeira. Nesta época havia apenas dois regimentos de cavalaria francesa, um nominalmente sob o comando do Conde de Schomberg, que era ao tempo mestre de campo general do exército da província (daí que o título de coronel do regimento fosse honorífico; o comando no terreno era exercido pelo tenente-coronel Chavet); e o segundo era o muito reduzido regimento do coronel Monjorge, que sofrera com o assalto ocorrido durante a viagem para Portugal por parte da marinha de guerra espanhola. A captura de parte dos navios que transportavam o regimento significou o aprisionamento de muitos oficiais e soldados, incluindo o próprio Monjorge, de modo que o regimento era comandado pelo sargento-mor Sausé. Como era habitual na maioria dos documentos da época, os nomes próprios dos oficiais estrangeiros surgem em português.

[Abreviaturas: – Companhia; Cap – Capitão ; Of – Oficiais; Sold – Soldados]

Regimento das companhias francesas de que é coronel o Conde de Schomberg, mestre de campo general do Exército

Of

Sold

Todos

Cavalos

Cª do mestre de campo general

7

93

100

91

Cª do sargento-mor Bogni

1

43

44

47

Cª do tenente-coronel Jeremias Chavet

7

53

60

60

Cª do cap. João Salomon

4

54

58

51

Cª do cap. Bartolomeu de Brand

4

38

42

44

Cª do cap. João Morignac

2

47

49

21

TOTAL

25

328

353

314

Regimento do coronel Monsieur de Monjorge

Cª do sargento-mor M. de Sossé

4

30

34

14

Cª do cap.  Du Mortier

3

12

15

4

Cª do cap. Labotinière

1

24

25

0

TOTAL

8

66

74

18

TOTAIS

Of

Sold Todos Cavalos
Os terços da infantaria da guarnição deste Exército

867

5234

6101

60 companhias de cavalos portuguesas (incluso duas companhias soltas de cavalaria francesa)

283

2683

2966

2879

Regimento francês do Conde de Schomberg

25

328

353

314

Regimento francês de Monsieur Monjorge

8

66

74

18

TOTAL DA CAVALARIA

316

3077

3393

3211

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1661, maço 21, “Relação dos Officiais, e Soldados da Infantaria e Cauallaria deste Ex[érci]to que se acha effectiua, Conforme consta dos roes de Lista da ultima m[ost]ra, que se lhes passou na maneira seguinte”.

Imagem: Cena de batalha, pintura de Sebastian Vrancx.

Efectivos do exército da província do Alentejo em Setembro de 1661 (Parte 2 – a Cavalaria Portuguesa)

Continuando a apresentar a lista das unidades do exército do Alentejo em 9 de Setembro de 1661, cabe agora a vez às companhias da cavalaria portuguesa. A introdução da estrutura regimental começava por esta altura a ser aflorada no Conselho de Guerra, por sugestão do Conde de Schomberg, mas esse passo nunca seria dado no decurso do século XVII. Daí a inexistência de um escalão superior ao de companhia nesta lista, embora no terreno, por motivos tácticos, se constituíssem troços comandados pelos comissários gerais, agrupando várias companhias.

De notar que algumas companhias apresentavam cavalos em número superior ao número de militares, enquanto em outras havia cavaleiros apeados por falta de montadas. Isto decorria do “Contrato com os capitães de cavalos”, de Abril de 1647, que continuava em vigor e que era visto por Schomberg como um entrave à eficaz administração, organização e disciplinação da cavalaria portuguesa.

Alguns oficiais cujos nomes surgem no quadro já foram aqui referidos em anteriores artigos, nomeadamente André Mendes Lobo e Pedro César de Meneses (basta fazer uma pequena pesquisa com o motor de busca do blog para encontrar os artigos onde são mencionados). Mas há outros cujas notas biográficas serão aqui trazidas a seu tempo – por exemplo, o capitão Jácome de Melo Pereira, fidalgo e membro da Ordem de Cristo, distinto capitão de cavalaria, com uma longa e brilhante folha de serviços, que seria preso pela Inquisição em 1665, acusado de judaísmo, e mais tarde executado na fogueira em Évora.

Companhias de Cavalaria

[Abreviaturas: TG – Tenente-General; CG – Comissário Geral; Of – Oficiais; Sold – Soldados]

[Nos casos em que nenhuma patente é indicada antes do nome (a maioria presente no quadro), o comandante é sempre capitão]

Companhias

Of

Sold

Todos

Cavalos

Guarda do Governador das Armas

6

38

44 49

General da Cavalaria

3

62

65

72

TG Dinis de Melo de Castro

4

102

106

106

TG João de Vanichelli [italiano]

4

39

43

48

TG D. João da Silva

4

70

74

75

CG D. Luís da Costa

6

70

76

77

Couraças, D. Manuel Luis de Ataíde

6

66

72

76

Couraças, João do Crato

7

77

84

87

Couraças, Duarte Fernandes Lobo

6

34

40

34

Couraças, Miguel Barbosa da Franca 6 32 38

37

Couraças, Gaspar de Paiva 5 33 38

37

Couraças, Manuel de Paiva Soares 4 44 48

44

Couraças, António Coelho de Góis 6 74 80

72

Couraças, Pedro César de Meneses 7 43 50

47

Companhia que foi de Frei Jorge de Melo [falecido] 4 41 45

32

João de Sainclá [francês] 6 37 43

37

Simão Borges da Costa 5 33 38

38

Manuel Mendes Mexia 7 46 53

47

António de Sequeira Pestana 5 31 36

39

Pedro Furtado de Mendonça 5 38 43

45

Manuel Rodrigues Adibe 4 23 27

28

Diogo de Mesquita 6 29 35

38

Bernardo de Faria 4 42 46

36

Gomes Freire de Andrade 6 44 50

46

Aires de Saldanha 6 37 43

44

André Mendes Lobo 5 141 146

135

Estêvão da Rocha 6 42 48

40

António Fernandes Marques 4 36 40

44

Bernardo de Miranda 2 34 36

31

João Furtado de Mendonça 5 47 52

54

Jácome de Melo Pereira 4 40 44

48

António Botelho 4 28 32

37

Ambrósio Pereira 6 59 65

60

Henrique Rozendo 5 33 38

43

Frei Rui Pereira 5 41 46

36

Jerónimo de Moura 4 46 50

47

Filipe Ferreira Ferrão 3 38 41

43

Francisco Cabral Barreto 4 41 45

48

Duarte Lobo da Gama 4 40 44

42

Henri de Lamoniére [francês] 3 34 37

28

Jorge Dufresne [francês] 2 38 40

40

Luís Gonçalves de Azevedo 6 33 39

39

Bartolomeu de Barros Caminha 4 47 51

49

D. Francisco Henriques 6 32 38

45

Barão de Sauserais [francês] 2 32 34

32

Roque da Costa Barreto 6 39 45

42

Filipe de Azevedo 3 43 46

44

José Pessanha de Castro 6 48 54

54

Matias da Cunha 6 34 40

36

D. Manuel Lobo 4 43 47

38

Luís de Saldanha 5 31 36

41

Herman Ricol [alemão] 5 30 35

30

João Vieira Mendes 6 44 50

44

La Richardière [francês] 5 52 57

49

D. Rafael de Aux [catalão] 3 24 27

28

Preboste geral João da Costa 5 49 54

49

Pilhantes de Marvão, cap. Manuel da Fonseca 3 33 36

36

Pilhantes de Nisa, cap. Francisco de Matos 4 39 43

43

Pilhantes de Montalvão, de que foi cap. Inácio Correia 3 56 59

59

Pilhantes de Alegrete, cap. Diogo Rodrigues Tourinho 3 51 54

54

TOTAIS

283 2683 2966

2879

 

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1661, maço 21, “Relação dos Officiais, e Soldados da Infantaria e Cauallaria deste Ex[érci]to que se acha effectiua, Conforme consta dos roes de Lista da ultima m[ost]ra, que se lhes passou na maneira seguinte”.

Imagem: Par de pistolas de cavalaria (com mecanismo de corda) e sela com coldres; equipamento sueco do período da Guerra dos 30 Anos (1618-1648), presente no Museu Militar de Estocolmo. Foto de JPF.

Efectivos do exército da província do Alentejo em Setembro de 1661 (Parte 1 – a Infantaria)

Em 9 de Setembro de 1661 foi passada uma mostra a todas as unidades pagas do exército da província do Alentejo (excluindo a artilharia, cuja especificidade não obrigava a participar nesta revista geral, como hoje se diria). São raros os documentos sobreviventes que nos permitem ter uma percepção detalhada das forças que compunham, a um dado momento, o exército de uma província.

Devido às características do WordPress, que torna difícil a apresentação de múltiplas tabelas pré-formatadas, o rol das forças será dividido em várias partes.

Algumas notas sobre os mestres de campo apresentados na lista: D. Luís de Meneses seria, como é sabido, o futuro 3º Conde de Ericeira; D. Pedro, o Pecinga (ou Opecinga como também surge em vários documentos) era um nobre napolitano que havia servido o rei Filipe IV de Espanha, mas que se encontrava homiziado em Portugal devido a um crime cometido no reino vizinho e servindo a monarquia portuguesa; e Francisco Pacheco Mascarenhas, que anteriormente fora capitão de cavalos, comandara a última companhia em que serviu o memorialista Mateus Rodrigues.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1661, maço 21, “Relação dos Officiais, e Soldados da Infantaria e Cauallaria deste Ex[érci]to que se acha effectiua, Conforme consta dos roes de Lista da ultima m[ost]ra, que se lhes passou na maneira seguinte”.

Imagem: Mais uma perspectiva da excelente maquete representando piqueiros e mosqueteiros suecos do período da Guerra dos 30 Anos (1618-1648), presente no Museu Militar de Estocolmo. Foto de JPF.

Terços de Infantaria

[Abreviaturas: MC – Mestre de Campo; Of – Oficiais; Sold – Soldados]

Terços

Of

Sold

Total

MC D. Luís de Meneses 90

880

970

MC D. Francisco Mascarenhas

103

737

840

MC D. Pedro, o Pecinga (ou Opecinga)

98

607

705

MC D. Jorge Henriques

82

366

448

MC João Leite de Oliveira

86

550

636

MC D. Pedro Mascarenhas

92

415

507

MC Agostinho de Andrade Freire

101

670

771

MC Pedro de Melo

71

361

432

MC Francisco Pacheco Mascarenhas

66

271

337

MC Fernão da Mesquita Pimentel

78

377

455

Totais

867

5234

6101

Infantaria do Exército da Província do Alentejo em Maio de 1663

Um dia depois de D. Juan de Áustria ter saído de Badajoz com o seu exército, abrindo a campanha do Alentejo de 1663, era remetida ao Conselho de Guerra em Lisboa a lista da infantaria de que dispunha o exército daquela província. Quase 13.000 homens repartidos por oito praças, efectivos cuja junção levaria vários dias a concretizar-se, impedindo assim que fosse barrada a marcha ao exército espanhol que rumava à conquista de Évora.

As praças e as unidades nelas estacionadas eram as seguintes:

Estremoz

Terço da Armada, do mestre de campo Simão de Vasconcelos e Sousa (irmão do 3º Conde de Castelo Melhor, o Escrivão da Puridade e valido do rei D. Afonso VI) – 825 homens, dos quais 87 de baixa por doença.

Terço do mestre de campo napolitano D. Pedro Opecinga476 homens, dos quais 52 de baixa por doença.

– Terço do mestre de campo Tristão da Cunha de Mendonça287 homens, dos quais 9 de baixa por doença.

– Terço do mestre de campo Roque da Costa Barreto418 homens, dos quais 40 de baixa por doença.

– Terço do mestre de campo Lourenço de Sousa508 homens.

– Terço pago de Trás-os-Montes310 homens.

– Terço pago do Algarve457 homens (faltavam ainda 3 companhias, que eram esperadas em Estremoz).

– Terço de Auxiliares de Santarém310 homens.

– Terço de Auxiliares de Vila Viçosa212 homens.

– Regimento de Ingleses do tenente-coronel Thomas Hunt694 homens, dos quais 45 de baixa por doença.

– Regimento de Ingleses do coronel James Apsley495 homens.

Companhias soltas de Italianos263 homens, dos quais 26 de baixa por doença.

Vila Viçosa

– Terço do mestre de campo D. Diogo de Faro279 homens.

– Terço do mestre de campo João Furtado de Mendonça543 homens.

Elvas

– Terço do mestre de campo Francisco da Silva de Moura734 homens.

– Terço do mestre de campo Fernando de Mascarenhas 550 homens.

Campo Maior

– Terço do mestre de campo Pedro César de Meneses462 homens.

– Terço do mestre de campo francês Jacques Alexandre de Tolon360 homens.

– Terço pago de Cascais532 homens.

– Terço de Auxiliares de Avis350 homens.

Portalegre

– Terço do mestre de campo Alexandre de Moura630 homens, dos quais 130 de baixa por doença.

– Terço de Auxiliares de Portalegre 400 homens.

(Na altura da elaboração da lista, tinha chegado a Portalegre o terço pago da Beira, cujo efectivo ainda não fora contabilizado.)

Mourão

– Terço do mestre de campo Martim Correia de Sá350 homens.

– Terço do mestre de campo Miguel Barbosa da Franca501 homens.

– Terço de Auxiliares de Évora541 homens.

Moura

– Terço de Auxiliares de Campo de Ourique600 homens.

– Terço de Auxiliares de Beja350 homens.

Castelo de Vide

– Terço de Auxiliares do Priorado do Crato320 homens.

A distribuição dos militares por praças era a seguinte:

Estremoz – 5.469 (dos quais 1.259 doentes).

Vila Viçosa – 822.

Elvas – 1.284.

Campo Maior – 1.704.

Portalegre – 1.030 (dos quais 130 doentes).

Mourão – 1.392.

Moura – 950.

Castelo de Vide – 320.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1663, maço 23, “Lista da infantaria que se acha nas praças desta prouincia de Alentejo em 7 de Maio 663”.

Imagem: Mapa da Província do Alentejo, c. de 1700. Biblioteca Nacional.

Postos do exército português (22) – o sargento-mor de batalha

O posto de sargento-mor de batalha foi criado, no exército português, nos inícios de 1663, por insistência de D. Sancho Manuel de Vilhena, Conde de Vila Flor. Foi introduzido desde logo no exército do Alentejo, e os primeiros oficiais que para aquele posto se nomearam foram Diogo Gomes de Figueiredo e Bobadilha (filho) e João da Silva de Sousa.

D. Sancho Manuel argumentou, junto do Conselho de Guerra, a favor da criação do novo posto. A primeira razão que expôs foi a existência daquele posto nos exércitos do Imperador do Sacro Império, a cuja imitação, por se acharem grandes conveniências nestes postos, se tem criado nos de Castela (ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1663, maço 23, carta anexa à consulta de 20 de Fevereiro). A este respeito, recorde-se que ainda antes de 1653 o Marquês de Aytona tinha proposto a introdução do posto de sargento-maior de batalha nos exércitos de Espanha, com autoridade sobre todos os mestres de campo, seguindo uma solução idealizada na Flandres (MOLINET, Diego Gómez, El Ejército de la Monarquía Hispánica a través de la Tratadística Militar, 1648-1700, Madrid, Ministerio de Defensa, 2007, pg.80; o tratado era o seguinte: Discurso Militar proponense algunos inconvenientes de la Milicia destos tiempos y su reparo al Rey nuestro señor por el Marques de Aytona, Valencia, Bernardino Noguès, 1653).

Os motivos para a introdução do posto, porém, eram diferentes. Enquanto o tratadista espanhol procurava solucionar o problema da hierarquia entre os vários mestres de campo envolvidos numa operação, não considerando satisfatória a solução de os submeter ao comando de um general da artilharia ad honorem, já no caso português a questão era mais complexa. Neste caso concreto, tratou-se de  um ataque pessoal ao Conde de Schomberg, que o Conde de Vila Flor receava viesse a ser nomeado mestre de campo general do exército do Alentejo (como efectivamente o foi, por carta régia de 15 de Março de 1663). Na mesma carta em que fundamentava a criação do novo posto, D. Sancho Manuel escrevia: com este posto se escusa o de mestre de campo general, como se vê nos exércitos do Imperador [do Sacro Império], onde o não há, porque servindo os sargentos maiores de batalha às semanas, exercitam o mesmo posto estando às ordens dos generais do exército. Vila Flor não desejava ver Schomberg como seu subordinado no exército do Alentejo. De uma penada, procurou afastá-lo, através da dispensa do mestre de campo general.

Todavia, o resultado prático foi nulo e veio introduzir ainda maior complexidade na cadeia de comando. Não só continuou a existir o posto de mestre de campo general, como os sargentos-mores de batalha iriam ter funções semelhantes aos tenentes de mestre de campo general. Em teoria, um sargento-mor de batalha estaria directamente subordinado a um capitão-general ou tenente-general do exército, ou ao governador das armas – ou seja, ao comandante supremo de um exército provincial; mas na prática, acabava também por estar subordinado ao mestre de campo general.

Imagem: “A morte de Schomberg”. Gravura inglesa representando o fatídico episódio ocorrido na batalha de Boyne (12 de Julho de 1690), onde Schomberg, aos 75 anos, era o segundo-comandante do exército de Guilherme de Orange.

O Real Ejército de Extremadura em Julho de 1642

Mais uma vez estou em dívida para com o estimado amigo Juan Antonio Caro del Corral, que me fez recentemente chegar alguns documentos do Arquivo Geral de Simancas. Um deles diz respeito ao Real Ejército de Extremadura, que era oponente do Exército da Província do Alentejo no principal teatro de operações da Guerra da Restauração. Trata-se de uma listagem detalhada das unidades e respectivos efectivos, semelhante às que tenho divulgado para o lado português. Aqui o transcrevo, traduzido para português, deixando os meus agradecimentos ao Juan Antonio.

Relação dos oficiais e soldados que apareceram na mostra que em três do presente mês [de Julho] se fez ao quatros terços seguintes, nos quartéis de Valverde e Villar del Rey

a) INFANTARIA

Em Valverde

Terço da Nobreza

Companhia do mestre de campo: 6 oficiais, 10 soldados; total: 16 homens.

Companhia do capitão D. Cristoval Hortuño: 6 oficiais, 13 soldados; total: 19 homens.

Companhia do capitão D. Francisco Ortiz de Cayas: 7 oficiais, 18 soldados; total: 25 homens.

Companhia do capitão D. Fernando de Godoy: 7 oficiais, 24 soldados; total: 31 homens.

Companhia do capitão D. Alonso de Esquível: 6 oficiais, 47 soldados; total: 53 homens.

Companhia do capitão D. Cristoval de Vargas: 7 oficiais, 43 soldados; total: 50 homens.

Companhia do capitão D. Garcia Dávila: 6 oficiais, 44 soldados; total: 50 homens.

Companhia do capitão D. Juan de Villaverde: 7 oficiais, 18 soldados; total: 25 homens.

Companhia do capitão D. Pedro Tasso: 6 oficiais, 21 soldados; total: 27 homens.

Companhia do capitão D. Juan Antonio de Rojas: 7 oficiais, 18 soldados; total: 25 homens.

Companhia do capitão D. Lorenzo de Cevallos: 6 oficiais, 20 soldados; total: 26 homens.

Companhia do capitão D. Juan de Inegista: 5 oficiais, 5 soldados; total: 10 homens.

Companhia do capitão D. Suero Garcia Fuero de Valdés: 8 oficiais, 29 soldados; total: 37 homens.

Companhia do capitão D. Antonio Saens de la Peña: 8 oficiais, 33 soldados; total: 41 homens.

Companhia do capitão D. Antonio Juarez de Alarcon: 6 oficiais, 29 soldados; total: 35 homens.

Companhia do capitão D. Francisco Ortiz de Cayas: 7 oficiais, 18 soldados; total: 25 homens.

Companhia do capitão D. Alonso de Parada: 6 oficiais, 13 soldados; total: 19 homens.

Oficiais maiores do terço [primeira plana]: 13 oficiais.

TOTAL DO TERÇO: 123 oficiais, 464 soldados; total: 587 homens.

Terço do mestre de campo D. Francisco Xedler

Companhia do mestre de campo: 7 oficiais, 92 soldados; total: 99 homens.

Companhia do capitão D. Álvaro de Tomes [?]: 8 oficiais, 69 soldados; total: 77 homens.

Companhia do capitão D. Luis Manrique: 6 oficiais, 42 soldados; total: 48 homens.

Companhia do capitão D. Luis de Arrazola: 6 oficiais, 76 soldados; total: 82 homens.

Companhia do capitão D. Cristoval Calvo de la Banda: 6 oficiais, 65 soldados; total: 71 homens.

Companhia do capitão D. Francisco Velasco y Latorre: 6 oficiais, 55 soldados; total: 61 homens.

Companhia do capitão D. Manuel de la Rua: 7 oficiais, 65 soldados; total: 72 homens.

Companhia do capitão D. Diego Cortazar: 7 oficiais, 98 soldados; total: 105 homens.

Companhia do capitão D. Manuel Moreno: 8 oficiais, 79 soldados; total: 87 homens.

Companhia do capitão D. José de Olivares: 7 oficiais, 18 soldados; total: 25 homens.

Companhia do capitão D. Alonso Velloso: 6 oficiais, 93 soldados; total: 99 homens.

Oficiais maiores do terço [primeira plana]: 7 oficiais.

TOTAL DO TERÇO: 81 oficiais, 806 soldados; total: 887 homens.

Terço do mestre de campo D. Patricio Geraldino, de nação irlandesa

Companhia do mestre de campo: 7 oficiais, 56 soldados; total: 63 homens.

Companhia do capitão D. Mauro Suyne: 6 oficiais, 41 soldados; total: 47 homens.

Companhia do capitão D. Diego Geraldino: 6 oficiais, 43 soldados; total: 49 homens.

Companhia do capitão D. Eduardo Butler: 7 oficiais, 57 soldados; total: 64 homens.

Companhia do capitão D. Edmundo de Burgo: 7 oficiais, 40 soldados; total: 47 homens.

Companhia do capitão D. Dionisio Cavanal: 6 oficiais, 47 soldados; total: 53 homens.

Companhia do capitão D. Raymundo Roch: 10 oficiais, 63 soldados; total: 73 homens.

Oficiais maiores do terço [primeira plana]: 15 oficiais.

TOTAL DO TERÇO: 64 oficiais, 347 soldados; total: 411 homens.


Em Villar del Rey

Terço do mestre de campo Marquês de Falies [?]

Companhia do mestre de campo: 4 oficiais, 28 soldados; total: 32 homens.

Companhia do capitão D. Nicolas de Arevalo: 6 oficiais, 68 soldados; total: 74 homens.

Companhia do capitão Matias Sanchez Murillo: 6 oficiais, 62 soldados; total: 68 homens.

Companhia do capitão D. José de Velasco: 6 oficiais, 61 soldados; total: 67 homens.

Companhia do capitão D. Juan Carrasco y Zambran: 6 oficiais, 58 soldados; total: 64 homens.

Companhia do capitão D. Rodrigo Murillo: 6 oficiais, 45 soldados; total: 51 homens.

Companhia do capitão D. Bernardo Piñan del Castillo: 6 oficiais, 62 soldados; total: 68 homens.

Companhia do capitão D. Pedro Ruiz de Prado: 6 oficiais, 30 soldados; total: 36 homens.

Companhia do capitão D. Pedro de Peralta: 6 oficiais, 49 soldados; total: 55 homens.

Companhia do capitão D. Fernando Varela: 6 oficiais, 25 soldados; total: 31 homens.

Companhia do capitão D. Heronimo de Arce: 7 oficiais, 12 soldados; total: 19 homens.

Companhia do capitão D. Martin de Viana: 4 oficiais, 22 soldados; total: 26 homens.

Companhia do capitão D. Celedon Dencisso [?]: 6 oficiais, 17 soldados; total: 23 homens.

Oficiais maiores do terço [primeira plana]: 5 oficiais.

TOTAL DO TERÇO: 80 oficiais, 539 soldados; total: 619 homens.

TOTAL DOS TERÇOS EM VALVERDE E VILLAR DEL REY: 348 0ficiais, 2156 soldados; TOTAL: 2504 homens.

b) CAVALARIA

Em Barcarrota

Companhia do governador da cavalaria: 3 oficiais, 49 soldados; total: 52 homens.

Companhia de D. Alonso Velez: 4 oficiais, 54 soldados; total: 58 homens.

Companhia de D. Pedro Gonzalez de Sepiclueda [?]: 4 oficiais, 23 soldados; total: 27 homens.

Companhia de D. Alonso Velez: 4 oficiais, 54 soldados; total: 58 homens.

Companhia do Conde de Piñonrostro: 2 oficiais, 7 soldados; total: 9 homens.

Companhia de D. Francisco Sellan: 4 oficiais, 47 soldados; total: 51 homens.

Companhia de Pedro Pardo: 5 oficiais, 61 soldados; total: 66 homens.

Companhia de D. Gregorio Ortiz de Ibarra: 5 oficiais, 42 soldados; total: 47 homens.

Companhia de D. Juan Guerrero: 4 oficiais, 26 soldados; total: 30 homens.

Companhia que foi do capitão D. Juan Daza, que por sua morte se deu ao capitão D. Dionizio Ornahuno, que é formada de soldados de nações [ou seja, estrangeiros] que do Reino de Portugal se têm vindo a render a este exército: 2 oficiais, 64 soldados; total: 66 homens.

No Almendral

Companhia do Príncipe de Esquilache: 4 oficiais, 46 soldados; total: 50 homens.

Na Torre

Companhia do capitão D. Rodrigo de Cantos: 3 oficiais, 41 soldados; total: 44 homens.

Em Valverde

Companhia de Jaime Belmar: 5 oficiais, 19 soldados; total: 24 homens.

Companhia de D. Francisco Pacheco: 4 oficiais, 44 soldados; total: 48 homens.

Companhia de D. Juan de Inzueta: 4 oficiais, 29 soldados; total: 33 homens.

Companhia de D. Lucas de Ruezga: 3 oficiais, 18 soldados; total: 21 homens.

TOTAL DAS COMPANHIAS DE CAVALARIA EM BARCARROTA, ALMENDRAL, TORRE E VALVERDE: 56 0ficiais, 570 soldados; TOTAL: 626 homens.

A partir desta relação constata-se que o Real Exército de Extremadura contava com um total de 3.130 homens, dos quais  2.504 eram de infantaria (80%) e 626 de cavalaria (20%). De notar o elevado número de companhias (17) do terço da nobreza, bem como o rácio entre oficiais e soldados (mais de 1 oficial para 5 soldados) dessa unidade, o que, considerando o reduzido efectivo total, a tornaria pouco eficaz como unidade operacional. No entanto, neste segundo ano do conflito, a guerra fronteiriça ainda só conhecera pequenas operações de saque e pilhagem, e a situação do lado português era também de alguma ineficácia organizativa – algo que só começaria a ser mudado nos inícios de 1643, mas muito lentamente.

Fonte: Arquivo General de Simancas, Guerra y Marina, Legajo 1460, “Relación detallada del número de infantería y caballería que forma parte del denominado Real Ejército de Extremadura, acuartelado en la ciudad de Badajoz y villas circunvecinas. Julio de 1642″.

Imagem: Tropas holandesas desarmando-se (c. 1631). Pintura de Joost Cornelisz (1586-1666), Rijksmuseum, Amesterdão.

O capitão de cavalos e pagador geral do exército do Alentejo André Mendes Lobo – mais um documento sobre este oficial

Há menos de um ano apresentei aqui um artigo sobre André Mendes Lobo. Para evitar repetições desnecessárias, convido à leitura da breve biografia desta interessante personagem, muito ligada à Casa de Bragança.

Hoje trago aqui a transcrição de uma consulta do Conselho de Guerra referente ao pedido formulado por André Mendes Lobo, no sentido de lhe ser atribuída a patente de capitão de cavalos para uma companhia paga que seria formada às suas custas. Como sempre faço, a ortografia original foi adaptada para a actual e foi acrescentada alguma pontuação, de modo a tornar mais fácil a compreensão do texto.

O Conde de São Lourenço, Governador das Armas da Província e exército de Alentejo, dando, na sua carta inclusa, conta a Vossa Majestade de haver, por ordem sua, feito André Mendes Lobo, pagador geral do mesmo exército, uma companhia de cavalos à sua custa, que é das melhores que há nele, e da promessa que para este efeito lhe fez de haver patente de Vossa Majestade para servir de Capitão dela, com obrigação de ter sempre efectivo o número de cavalos que há-de constar; pede a Vossa Majestade  que, por ser este serviço de tão grande importância (como é o assegurar-se com eles o caminho de Vila Viçosa, Borba, Juromenha e Olivença) e exemplo para outras pessoas se animarem a fazer o mesmo, se sirva conceder a André Mendes a mercê que ele, Conde, lhe prometeu, o qual, na petição que também vai inclusa e se [a]presentou por sua parte, refere que há seis anos serve na ocupação de Pagador geral do exército do Alentejo, e a importância de que tem sido ao serviço de Vossa Majestade o forte que fez no monte do Farragudo para segurança dos comboios e vassalos de Vossa Majestade; e que vendo o Conde de São Lourenço que os Capitães de cavalos, em razão de ser aquele sítio terra áspera e montuosa [ou seja, de relevo acidentado], recusavam mandar assistir, como até agora o fizeram, partidas de cavalos, e considerando quanto convém que ali haja uma tropa deles, assentou com ele que à sua custa comprasse (como o fez) para este efeito oitenta cavalos, com condição que serviria de Capitão da companhia que deles se havia de formar, com as mesmas obrigações com que o fazem os mais Capitães de cavalos, e se daria aos oficiais e soldados dela o soldo que se dá aos das outras companhias. E porque este é um dos particulares serviços que faz a Vossa Majestade, pede a Vossa Majestade lhe mande passar patente do posto de Capitão de cavalos da dita companhia, com o soldo que por razão dele lhe tocar, dando-se-lhe por um alvará por evitar a derrogação do Regimento que dispõe que nenhuma pessoa possa vencer dois soldos juntamente.

O Conselho, entendendo que é mui considerável o serviço que André Mendes Lobo faz a Vossa Majestade na oferta que faz de comprar à sua custa oitenta cavalos para formar deles uma companhia que sirva na forma que ele aponta na sua petição e o adverte o Conde de São Lourenço na sua carta, é de parecer que Vossa Majestade a deve aceitar, e mandar-lhe agradecer e significar que por ele terá lembrança de lhe fazer a mercê que houver lugar e merece o zelo com que em tudo procura cumprir com as obrigações do serviço de Vossa Majestade, mandando-lhe passar patente de Capitão de cavalos da mesma companhia com o soldo que pede; e aponta o Conde que vem a ser pouco mais que o que goza com o posto de Pagador geral; e porque havendo de servir André Mendes juntamente de Pagador geral, não convém arriscar sua pessoa, em razão das contas do dinheiro que entra em seu poder, deve Vossa Majestade mandar advertir ao Conde de São Lourenço que o tenente que se houver de nomear para o ser desta companhia, seja sujeito tal que possa governar a companhia com todo o acerto e servir nas ocasiões que se ofereçam, sem empenhar nelas o Capitão. Lisboa, 27 de Agosto de 648.

[Decreto régio:] Como parece. Lisboa, 29 de Agosto de 648.

É de realçar a preocupação dos conselheiros com a segurança física de André Mendes Lobo, reflectindo a sua importância como pagador geral. Apesar disso, André Mendes empenhou-se em vários combates à frente da sua companhia. De notar que a acumulação de dois postos, recebendo o soldo de ambos, foi uma excepção aceite sem qualquer entrave – facilitada pela proximidade entre o Rei e o seu vassalo, que era anterior à Aclamação do Duque de Bragança, e aos assuntos mais privados que tinham envolvido D. João IV e D. Leonor da Silveira, mulher de André Mendes Lobo.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1648, maço 8-B, consulta de 27 de Agosto.

Imagem: Escaramuça de cavalaria. Pintura de Peter Snayers.

“Os terços de Entre-Douro-e-Minho nas guerras da Aclamação – esboço de História Orgânica”; estudo de Gastão de Melo de Matos (1940)

O estudo de Gastão de Melo de Matos Os terços de Entre-Douro-e-Minho nas guerras da Aclamação – esboço de História Orgânica (separata da Revista de Guimarães, Porto, Sociedade Martins Sarmento, 1940) continua a ter interesse, apesar de algo datada. Fica aqui disponível na edição facsimile online da Casa de Sarmento.

Filme: Dramatização da batalha de Naseby (1645, Guerra Civil Inglesa) para a série Battlefield Britain, apresentada por Peter e Dan Snow  (BBC, 2004). Serve para ilustra as manobras e o tipo de combate que os terços da Guerra da Restauração efectuavam.

Postos do exército português (21) – O gentil homem da artilharia e o condestável

O gentil homem da artilharia era o responsável por um determinado número de peças de artilharia do respectivo trem na marcha do exército, ou tinha a seu cargo uma bateria constituída por um número variável de peças, quando estas eram dispostas em campanha ou num cerco. Segundo se pode ler  no título 23 da proposta de Ordenanças Militares de 1643,

Os gentis homens da artilharia hão-de ser eleitos de capitão de gastadores ou sargentos reformados; e hão-de exercitar o meneio e carruagem de seis peças, e assistir no marchar, alojar e plantar as baterias, fazendo que se conduza e haja tudo o necessário para elas.

Note-se que a as seis peças por gentil homem acima referidas não eram necessariamente uma dotação fixa, sendo a composição da artilharia num exército variável de acordo com os fins pretendidos e as disponibilidades materiais. Isso mesmo é observado num comentário por Joane Mendes de Vasconcelos a propósito de um outro título das Ordenanças, o 47, que pretendia regulamentar a distribuição da artilharia em proporção ao efectivo total de infantaria e cavalaria. Conforme apontou o reputado general, a artilharia se regula com as facções [ou seja, com a natureza das operações], e não com o número, e assim não é matéria para Vossa Majestade decidir em Ordenanças Militares. A propósito dos gentis homens da artilharia e do título 23, Joane Mendes mostrou algumas reservas a propósito da intenção régia (ou de quem aconselhou em privado o Rei nesse ponto) de fazer ascender ao posto os capitães de gastadores e sargentos reformados:

Se (…) tiverem suficiência para ocupar este cargo (…), se poderá eleger deles, quando não de condestáveis práticos e autorizados, sendo este um dos postos que se deve prover mais pela prática que por outro algum merecimento.

O posto de condestável não tinha nada que ver com o prestigioso cargo militar do período medieval. Era o chefe de peça, sendo também um deles o ajudante do gentil homem da artilharia.

Bibliografia: AIRES, Cristóvão, Historia Organica e Politica do Exercito Português – Provas, vol. IV, Lisboa, Imprensa Nacional, 1908, pgs. 65 e 83-84.

Imagem: Artilheiros em acção. Reconstituição histórica do período da Guerra Civil Inglesa. Kelmarsh Hall, 2007. Foto de Jorge P. Freitas.

Companhias “soltas” de infantaria no exército da província do Alentejo em 1664

À margem dos terços de infantaria, existiam também algumas companhias pagas independentes (“soltas”, como se dizia na época), sobretudo na guarnição de localidades de menor importância. Todavia, a sua manutenção e capacidade operacional eram facilitadas com a integração num terço, de modo que as companhias soltas tinham normalmente uma duração limitada enquanto unidades independentes. Ou eram dissolvidas ao fim de algum tempo, ou passavam a fazer parte de um terço.

Um dos vários casos documentados respeita ao exército do Alentejo, no ano de 1664. Um decreto de 9 de Novembro desse ano ordenava que o Conselho de Guerra desse o seu parecer sobre o terço que, segundo o mestre de campo general do exército do Alentejo Gil Vaz Lobo, seria necessário formar com as companhias soltas de infantaria daquela província. O mestre de campo general afirmava que as companhias se poderiam conservar melhor desse modo, e solicitava que o comando do terço fosse atribuído ao mestre de campo António Tavares de Pina. O Conselho de Guerra pediu então informações mais detalhadas sobre as companhias e as praças onde se encontravam.

Em resposta, Gil Vaz Lobo escreveu de Estremoz uma carta, em 22 de Dezembro. Nela referia que, das 15 companhias (deveriam ser 16, mas uma ainda não estava formada), o Rei deveria mandar formar um terço a 12 companhias, agregando-se as 3 de Monsaraz ao terço da guarnição de Mourão. Em anexo à sua carta enviou uma relação detalhada, intitulada “Rellação das Companhias de infantaria soltas que ha na Provincia de Alentejo, e da gente com que se achão”. É com base nessa relação que a seguir se apresenta a situação das companhias de infantaria:

– 5 companhias da guarnição do Crato, que se encontravam nessa altura a guarnecer Valência de Alcântara: 20 oficiais e 240 soldados, dos quais 29 se encontravam doentes.

– 1 companhia que se levantou no Crato, para a guarnição de Montalvão: 4 oficiais, 50 soldados.

– 2 companhias da guarnição de Avis que assistem em Monforte: 8 oficiais, 40 soldados. Deveria haver uma terceira companhia da mesma guarnição, mas ainda não estava formada.

– 1 companhia da guarnição de Alter do Chão: 2 oficiais, 30 soldados.

– 1 companhia da guarnição de Fronteira, assistindo em Monforte: 3 oficiais, 28 soldados.

– 3 companhias da guarnição de Monforte: 9 oficiais, 34 soldados.

– 1 companhia da guarnição de Alegrete: 4 oficiais, 36 soldados.

– 1 companhia da guarnição de Marvão: 4 oficiais, 30 soldados.

– 3 companhias da guarnição de Monsaraz: 17 oficiais, 108 soldados.

Totais: 71 oficiais, 567 soldados, dos quais 29 se encontravam doentes.

Note-se que o conceito de “oficial” abrangia os postos de capitão, alferes e sargento. A praça de Valência de Alcântara, onde se encontravam os soldados doentes, tinha sido conquistada em 1664.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1664, maço 24-A.

Imagem: Valência de Alcântara. Planta publicada em La memoria ausente. Cartografia de España y Portugal en el Archivo Militar de Estocolmo. Siglos XVII y XVIII.

“Guerra y revolución militar en la Iberia del siglo XVII” – artigo online, pela Dra. Lorraine White

Excelente artigo da Dr.a Lorraine White, publicado originalmente em Manuscrits: Revista d’història moderna, Bellaterra, Servei de Publicacions de la Universitat Autònoma de Barcelona, N. 21 (2003).

Pode ser lido online aqui.

Imagem: Cerco de Badajoz pelo exército português (1658), gravura existente num arquivo francês. Não disponho da referência completa da gravura, que me foi enviada pelo Sr. Carlos Sanchéz. Compare-se com a que foi aqui apresentada, da autoria de João Tomás Correia, existente na Biblioteca Nacional de Lisboa.

O outro Jacques Talonneau de la Popelinière, oficial francês de cavalaria ao serviço de Portugal (1646-1658)

Aelber

O primeiro Jacques Talonneau de la Popelinière foi um oficial francês que chegou a Portugal em Setembro de 1641, na armada do Marquês de Brézé, fazendo parte do regimento de cavalaria ligeira do coronel Sebastian de Mahé de la Souche. É indubitável a chegada de Popelinière nesta data, pois o seu nome é referido em diversos documentos, alguns dos quais relações dos oficiais franceses e respectivos regimentos. Quando Mahé de la Souche deixou Portugal em Maio de 1642 e o seu regimento foi dissolvido, Jacques de la Popelinière seguiu com a sua companhia para a Beira, onde logo foi nomeado comissário geral (Conde de Ericeira, História de Portugal Restaurado, vol. I, pg. 387, edição de 1945). Em 1644, aquele oficial é dado como morto em combate – e é assim que o reporto no meu estudo O Combatente durante a Guerra da Restauração, ainda que referindo que o seu último posto foi o de tenente-general da cavalaria na província de Trás-os-Montes.

Na verdade, documentos que posteriormente consultei sugerem ter havido um outro Jacques Talonneau de la Popelinière (casos de homónimos eram raros, mas não impossíveis: houve o exemplo, também entre cavaleiros franceses ao serviço de Portugal na mesma época, dos primos Henri de la Morlaye, um morto em Outubro de 1642, outro em Maio de 1649, ambos em combate). Este Popelinière é que ocupou, como último posto, o de tenente-general da província de Trás-os-Montes. Chegou a Portugal em 1646, portanto já após a morte do primeiro, e também combateu nos mesmos teatros de operações antes de ser promovido a comissário geral na província de Trás-os-Montes, em Janeiro de 1658.

A necessidade de nomeação de um comissário geral da cavalaria para Trás-os-Montes deveu-se ao facto do posto estar vago, por promoção de Domingos da Ponte, o Galego, a tenente-general naquela mesma província. Na consulta do Conselho de Guerra onde são feitas as propostas de sujeitos para o posto vago pode ler-se a respeito do até então capitão Jacques Talonneau de la Popelinière (texto vertido para português corrente):

Jacques Talonneau de la Popelinière, pessoa de qualidade, de nação francês, que serve a Vossa Majestade há quase doze anos, ocupando os postos, depois de soldado, de alferes, tenente, e de capitão de cavalos, que serve em Trás-os-Montes há seis anos, um mês, e quinze dias, e o mais tempo parte dele na Beira, e outro nas fronteiras de Alentejo, achando-se nelas na maior parte das ocasiões que naquele tempo se ofereceram, e particularmente no encontro que houve em vinte seis de Março de seiscentos quarenta e sete, com vinte quatro tropas na passagem de Cantilhana, na escaramuça que depois se teve com outras tropas de Badajoz, ficando prisioneiro entre elas, e tornando de Castela em sua liberdade, se achou na emboscada que se fez junto a Badajoz em Setembro de quarenta e nove; no encontro que houve com sete tropas em Albufeira, indo mais de uma légua no seguimento delas; e se achou na peleja que a nossa cavalaria teve com a que saiu de Montijo, na correria da campanha de Xerês. E sair de Olivença a pelejar com o inimigo, que se veio emboscar junto da muralha da mesma praça, em Maio de seiscentos e cinquenta, desmontando um castelhano lhe deu uma cutilada no rosto. Na oposição que em treze de Fevereiro de seiscentos cinquenta e um se fez ao inimigo vindo com grosso de sua cavalaria a correr a campanha de Olivença, saiu ferido num braço com bala de pistola. E o mesmo ano se achou na entrada de Salvaterra, e o mesmo ano passou a Trás-os-Montes, onde por ordem do Conde de Atouguia, que governava as armas, por não haver cabo, governou a cavalaria que assistia em Chaves, achando-se nas duas entradas que se fizeram em Castela, e na ausência do capitão-mor da cidade de Miranda a ficou governando, acudindo com grande zelo às fortificações dela, e ultimamente se assinalou, matando e ferindo e rendendo a muitos do inimigo. E na entrada que em dois de Maio de seiscentos cinquenta e cinco se fez, pelas terras de Trás-os-Montes com quatrocentos e quarenta cavalos, tendo-se-lhe encarregado investisse o inimigo, como fez com valor indo em seu seguimento, e da mesma maneira obrar nas ocasiões referidas. Depois delas, acompanhou o mestre de campo António Jacques de Paiva, e achando-se em Miranda, nas entradas que fez em Galiza onze léguas pela terra dentro, saqueando-lhe mais de  setenta lugares, e as Vilas de Pino, Távora e Carvalhosa. E pretendendo o inimigo desquitar-se, vindo com quinhentos infantes pagos e outros tantos milicianos, e cento e quarenta cavalos, achando-se o mestre de campo na campanha com duzentos e três infantes e oitenta cavalos à ordem de Jacques Talonneau, investiu o inimigo com tal resolução, que matando-lhe muita gente e aprisionando-lhe duzentos trinta e sete soldados, com vinte e oito cavalos, e ganhando-lhe as munições e bagagem, e finalmente restaurando a presa que levava se recolheram, assinalando-se este capitão com particular valor, pelejando à espada, rendendo, ferindo e matando muitos castelhanos. Em outra ocasião, por ordem do tenente-general Luís de Figueiredo Bandeira, saiu com a sua companhia, e outra mais, governando-as, por haver o inimigo dado rebate à praça de Bragança, e encontrado-se com ele, pelejou com tal resolução que o pôs em fugida, trazendo ainda alguns prisioneiros do inimigo. Foi de socorro com sua companhia e a mais cavalaria de Trás-os-Montes à fronteira do Minho na ocasião que o inimigo a entrou com exército, e em todo o tempo que ali assistiram, se houve com grande valor nas pelejas, emboscadas e encontros que se teve com o inimigo, em que recebeu muito grande perda de gente morta, ferida, prisioneiros, e de cavalos que se lhe tomaram. Acabada a campanha, tornou para Trás-os-Montes. E vindo a esta Corte a tratar de seu requerimento, escreveu a favor deste capitão Joane Mendes de Vasconcelos, governando as armas naquela província, a Vossa Majestade que lhe devia Vossa Majestade de mandar deferir, assim por seu grande valor, como por ser o capitão mais antigo dela. E havendo Vossa Majestade despachado por seus serviços com o hábito de Santiago, foi servido se lhe mudasse ao de Cristo, com uma comenda de lote de duzentos mil réis.

O outro nome proposto foi o de Manuel da Costa Pessoa, que servia há treze anos, dois meses e vinte dias, tendo começado a servir em Setúbal em Setembro de 1640, na companhia de infantaria do Duque de Aveiro que devia ir à Catalunha; serviu 5 anos no Alentejo como soldado de infantaria e da cavalaria, foi cabo de esquadra e furriel e depois alferes de infantaria; participou na campanha de 1643 e nas duas campanhas de Montijo (como soldado de cavalos). Passou a Trás-os-Montes como alferes reformado, assim permanecendo 5 meses e 17 dias, mas depois, 3 anos e 27 dias de ajudante e como capitão de cavalos 4 anos, 7 meses e 11 dias.

O capitão francês acabou por ser provido no posto de comissário geral por decreto de 21 de Janeiro de 1658.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1658, mç. 18, consulta de 9 de Janeiro de 1658.

Imagem: Aelbert Cuyp, “Descanso no acampamento”, c. 1660, Musée des Beaux Arts, Rennes.

Província da Beira – infantaria e cavalaria do distrito de Penamacor em 1663

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Uma relação anexa à consulta do Conselho de Guerra de 19 de Novembro de 1663 (ANTT, CG, Consultas, 1663, maço 23-A, caixa 87) apresenta os efectivos detalhados que existiam no distrito militar de Penamacor, província da Beira. Eram os seguintes:

Infantaria

Salvaterra do Extremo

Compª do capitão D. Fernando de Chaves, 5 oficiais, 28 soldados, total: 33 homens.

Compª do capitão Inácio Arnaut, 4 oficiais, 19 soldados, total: 23.

Compª do capitão Manuel Vieira, 4 oficiais, 21 soldados, total: 25.

Compª que foi do capitão Sebastião de Elvas, agora governada pelo alferes Manuel Rodrigues,  3 oficiais, 30 soldados, total: 33.

Compª que foi do capitão Luís de Lima, agora governada pelo alferes Manuel Marques,  3 oficiais, 28 soldados, total: 31.

Segura

Compª do capitão António Rodrigues de Figueiredo, 5 oficiais, 35 soldados, total: 40.

Compª do capitão Hipólito Cardoso de Moxica, 5 oficiais, 28 soldados, total: 33.

Compª que foi do capitão Martim de Melo, agora governada pelo sargento Domingos Gonçalves,  3 oficiais, 21 soldados, total: 24.

Rosmaninhal

Compª do capitão João da Rocha, 5 oficiais, 35 soldados, total: 40.

Zebreira

Compª que foi do capitão Andrade Gouveia Coelho, agora governada pelo alferes José de Matos,  3 oficiais, 34 soldados, total: 37.

Cavalaria

Penamacor

Compª dos cavalos da guarda do governador das armas, 3 oficiais, 47 soldados, total: 50. Cavalos: 30.

Idanha a Nova

Compª do tenente-general D. Martinho da Ribeira, 2 oficiais, 30 soldados, total: 32. Cavalos: 32.

Salvaterra do Extremo

Compª do capitão Paulo Correia Rebelo, prisioneiro em Espanha, agora governada pelo furriel Pedro Fernandes, 1 oficial, 25 soldados, total: 26. Cavalos: 26.

Compª do capitão António Estaço da Costa, prisioneiro em Espanha, agora governada pelo tenente Domingos Homem, 2 oficiais, 20 soldados, total: 22. Cavalos: 21.

Segura

Compª de auxiliares (amunicionada, como refere o documento) do capitão Manuel de Sousa de Refóios, 3 oficiais, 13 soldados, total: 16. Cavalos: 16.

TOTAIS: Infantaria, 40 oficiais, 279 soldados, ao todo 319. Cavalaria, 11 oficiais, 135 soldados, ao todo 146, com 125 cavalos.

Imagem: Pormenor da fronteira beirã em Tabula Portugalliae et Algarbia, Amsterdam, Frederick de Wit, c. de 1670; Biblioteca Nacional, Cartografia, C.C. 1660 A.

A chegada a Elvas do novo governador das armas em 1645 – uma descrição coeva

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Uma carta anónima de 1645 refere a chegada ao Alentejo, em Abril, do novo governador das armas daquela província, o 2º Conde de Castelo Melhor. Nela se descreve o equipamento das companhias de cavalos couraças (introduzidas em Setembro do ano anterior) e de cavalos arcabuzeiros, bem como se aponta também a força de infantaria existente na província transtagana. Em complemento ao artigo já aqui publicado em 2008, passo a transcrever (modernizando a ortografia) a carta que se encontra num conjunto de manuscritos em português do espólio do Arquivo Histórico de Badajoz, cujas cópias me foram gentilmente enviadas pelo historiador e amigo Sr. Julián García Blanco, a quem presto os meus agradecimentos.

Entrada do Conde de Castelo Melhor em Elvas

A entrada do Conde de Castelo Melhor se fez com a maior festa e e aplauso que se viu nesta cidade. Joane Mendes de Vasconcelos o foi esperar caminho de Estremoz, no campo de Alcarapinhais, [com] dez tropas de cavalos, duas de couraças (que são armados) todos de armas sem mais que espadas para romper, e os outros com suas pistolas e clavinas [ou seja, os cavalos arcabuzeiros]. Os terços de infantaria repartidos em cinco terços, e no meio 6 peças de campanha, seis carros cobertos, com que formou campo com excelente ordem, tão boa que se esta se tivera em ocasiões de mor importância, fora de grande efeito. Formado o campo se adiantou o mestre de campo general com os fidalgos e nobreza da cidade, que o acompanhou por lho mandar pedir cada um em particular, e foram receber o Conde, vindo acompanhado-o. E chegando à vista se fez salva com a artilharia, e ao passar pelos esquadrões, cada qual deu salva com carga cerrada [ou seja, dispararam todos a um tempo] e vieram marchando. Para esta ocasião se tinham feito em o fosso da muralha 200 minas, a que se pôs fogo em todas como vieram chegando, e foram outras tantas peças a que respondeu o forte de Santa Luzia, disparando a artilharia e dando carga de mosquetes. O mesmo se fez em os muros da cidade em roda, e vista de Badajoz, saíram danças e chacota adiante da nossa cerca. Foram acompanhando até sua casa com a costumada rapazia [rapaziada], que tudo atroava com vivas. A infantaria que veio diante se pôs em alas pelas ruas por onde havia de passar e foi dando cargas, a da praça foi muito grande, e neste tempo, que pareceu mais excesso, se repicaram continuamente os sinos da Sé, relógio da cidade, e à noite assim na Sé como [em] toda a cidade houve iluminárias, de que também gozaram à entrada por serem horas de Avé Marias. Entrou dia da Cruz, que é prognóstico de grandíssima felicidade e venturosos sucessos. O Marquês de Legañez também dizem que é entrado em Badajoz. Ordene Deus tudo a seu Santo Serviço, e a bem de todos.

O prognóstico não se concretizou. Divergências graves entre o governador e a oficialidade portuguesa, incluindo o mestre de campo general Joane Mendes de Vasconcelos, a que se juntou uma abortada tentativa de pôr cerco a Badajoz, ditaram a demissão de João de Vasconcelos e Sousa, 2º Conde de Castelo Melhor, ao fim de quase um ano como governador das armas do Alentejo.

Imagem: Armadura de couraceiro. Foto retirada da página http://www.bunrattycollection.com.

Cavalaria do exército do Alentejo em Junho de 1644

Joseph Parrocel

Cerca de um mês após o fraco desempenho da cavalaria do exército da província do Alentejo na batalha de Montijo, era este o efectivo das companhias portuguesas, segundo a mostra de 29 de Junho de 1644:

Companhia do general da cavalaria (Francisco de Melo, monteiro-mor do Reino): soldados montados – 82; apeados – 13; carabinas – 82; pistolas – 110; peitos – 65; espaldares – 63; murriões – 35.

Cª do tenente-general (D. Rodrigo de Castro, ausente por doença): soldados montados – 64; apeados – 0; carabinas – 46; pistolas – 57; peitos – 40; espaldares – 40; murriões – 38.

Cª do comissário-geral (Gaspar Pinto Pestana, exonerado e preso por ordem régia após a batalha de Montijo; cª a cargo do tenente): soldados montados – 56; apeados – 14; carabinas – 38; pistolas – 54; peitos – 43; espaldares – 43; murriões – 40.

Cª do capitão D. António Álvares da Cunha: soldados montados – 76; apeados – 0; carabinas – 67; pistolas – 94; peitos – 96; espaldares – 96.

Cª do capitão Fernão Pereira de Castro (prisioneiro em Espanha desde a batalha de Montijo; cª a cargo do tenente): soldados montados – 64; apeados – 2; carabinas – 51; pistolas – 61; peitos – 51; espaldares – 51.

Cª do capitão D. Francisco de Azevedo: soldados montados – 71; apeados – 5; carabinas – 44; pistolas – 95; peitos – 41; espaldares – 41.

Cª do capitão Francisco Barreto de Meneses: soldados montados – 59; apeados – 5; carabinas – 50; pistolas – 35; peitos – 24; espaldares – 24.

Cª do capitão D. Diogo de Meneses (prisioneiro em Espanha desde a batalha de Montijo; cª a cargo do tenente): soldados montados – 55; apeados – 6; carabinas – 48; pistolas – 87; peitos – 53; espaldares – 53.

Cª do capitão António de Saldanha: soldados montados – 44; apeados – 1; carabinas – 28; pistolas – 30; peitos – 17; espaldares – 17.

Cª do capitão D. João de Azevedo e Ataíde: soldados montados – 91; apeados – 1; carabinas – 63; pistolas – 78; peitos – 44; espaldares – 47; murriões – 47.

Cª do capitão D. Henrique Henriques: soldados montados – 49; apeados – 7; carabinas – 42; pistolas – 61; peitos – 35; espaldares – 35; murriões – 30.

Cª do capitão João de Saldanha da Gama (morto em combate na batalha de Montijo; cª a cargo do tenente): soldados montados – 88; apeados – 0; carabinas – 66; pistolas – 80; peitos – 51; espaldares – 51; murriões – 51.

[dragões] do capitão António Teixeira Castanho: soldados montados – 56; apeados – 2; arcabuzes – 56.

Efectivos totais: 911 (855 soldados montados, 56 apeados); não entram nesta conta os oficiais das companhias, capelães, furriéis, trombetas e ferreiros. Conforme se verifica, apenas metade das companhias dispunha de murriões ou capacetes. É notória a falta de armas de fogo (recorde-se que a dotação nominal por soldado seria de um par de pistolas e uma carabina). Todas as companhias de cavalaria eram, de facto, de cavalos arcabuzeiros, mesmo que honorificamente as dos oficiais superiores fossem classificadas como couraças – os verdadeiros cavalos couraças só seriam introduzidos em Setembro dese ano, com equipamento defensivo mais completo para os seus militares.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1644, mç. 4-A, nº 264, doc. anexo à consulta de 12 de Julho de 1644, “Rezumo das Companhias de Cauallo que neste Ex.to Seruem a SMgde Apresentado na mostra que se comesou em 29 de Junho 1644″.

Imagem: “Combate de Cavalaria”, Joseph Parrocel, Museum der bildenden Künste, Leipzig.