14 de Janeiro de 1659 – Batalha das Linhas de Elvas e morte de André de Albuquerque Ribafria

“[…] Amanheceu terça-feira, catorze de Janeiro do ano de mil seiscentos e cinquenta e nove, dia tão fausto à Nação Portuguesa, que até a si mesmo se fez feliz, por ser de séculos imemoráveis erradamente julgado por infausto; tomando a maior parte deste agoiro a família dos Meneses, de que era cabeça o Conde de Cantanhede, que conseguiu mais uma vitória na resolução de desvanecer esta superstição gentílica. […] [p. 215]

[…] E como em todo o decurso da sua vida não tolerou André de Albuquerque que os seus soldados voltassem as costas aos inimigos, arrojou o cavalo ao centro do esquadrão, exortou aos que se retiravam, e persuadindo-os a que voltassem as caras, os levou junto da estacada do forte, e tocando nas estacas com a bengala, os advertiu como haviam de arrancá-las; obedeceram os soldados, emendendando o erro antecedente. Acertou uma bala tirada do forte a André de Albuquerque, entrando por entre o extremo do braço direito e o princípio das armas [ou seja, da armadura, que consistia numa couraça completa para o tronco: corselete e braçais. A bala penetrou pela extremidade desprotegida, o que leva a crer que André de Albuquerque Ribafria usava apenas luvas de couro, na melhor das hipóteses, e não uma manopla de ferro a proteger todo o antebraço e mão] com efeito tão mortal que infelizmente caiu morto em terra […]. [p. 224]

[…] O Conde de Cantanhede, no dia seguinte ao que ganhou a batalha [quarta-feira, 15 de Janeiro], deu ordem à sepultura do corpo de André de Albuquerque com todas as fúnebres demonstrações militares, que merecia a memória de um varão de tão excelentes virtudes. Foi enterrado no Mosteiro de S. Francisco. [p. 232]

Fonte: D. Luís de Meneses, História de Portugal Restaurado, Parte II, Tomo III, Lisboa, 1751.

Imagem: Padrão comemorativo da Batalha das Linhas de Elvas. Foto de JPF.

Situação da fortaleza de Viana do Castelo em finais de 1659

Em 25 de Dezembro de 1659 recebeu o Conselho de Guerra uma carta de Lourenço de Amorim Pereira, governador da fortaleza de Viana do Minho (hoje, Viana do Castelo), dando conta da situação daquela fortificação.

Assim, segundo o governador, havia na guarnição 129 praças, em que entravam oficiais reformados, capelão, fábrica da igreja, corpo da guarda e “outras coisas” (não especificadas), com que vinham a ficar ao serviço pouco mais de 60 soldados. Destes, a terça parte eram galegos, “que por passarem do inimigo, se lhes mandou ali assentar praça”. O castelo necessitava, no mínimo, de 200 homens de guarnição, e para a eventualidade de um sítio não bastariam 800. Como em ocasiões anteriores não tinha sido dada solução a estes pedidos e como o inimigo dava então sinais de ir retomar a guerra por aquelas partes, voltou o governador da fortaleza a solicitar que a Rainha regente, D. Luísa de Gusmão, fosse servida mandar que, ao juiz de fora e ouvidor de Barcelos, fossem dados 100 homens, dos mais desobrigados; e ao corregedor e juiz daquela vila de Viana, 50. E que o vedor geral os lhes fornecesse armamento, vestuário e alimentação, como se fazia ao restante exército provincial. Mais acrescentava que havia naquela fortaleza um alferes vivo (ou seja, no activo) com 15 anos de serviço e muito capaz de toda a ocupação, e que daquela gente lhe fosse feita uma companhia.

O Conselho de Guerra deu o parecer que seria proveitoso ao serviço de Sua Majestade mandar despejar os galegos do castelo, e que em seu lugar fosse formada uma companhia das terras circunvizinhas, escrevendo-se para isso ao Visconde de Vila Nova de Cerveira.

Por decreto de 23 de Janeiro de 1660, mandou a Rainha Regente anda assim proceder.

Fonte: ANTT, CG, Consultas, 1660, mç. 20, consulta de 14 de Janeiro de 1660.

Imagem: Forte de Santiago da Barra de Viana, na actualidade (foto via Wikipédia).

Uma incursão falhada: Brozas, Março de 1659

Já foram aqui trazidos alguns pormenores da carreira militar de João da Silva de Sousa, iniciada no Brasil em 1639 e prolongada em Portugal entre 1642 e 1668. Um homem corpulento, amante dos jogos de cartas e dados, vaidoso e fútil, mas também bravo soldado, dotado de grande coragem pessoal, que viria a ser, já depois de terminada a guerra, capitão-general de Angola e governador do Rio de Janeiro. Sobre este fidalgo fiz uma resenha biográfica, mostrando-o como exemplo da mentalidade característica do oficial pilhante e depredador da raia (tão vulgar em ambos os exércitos em confronto), n’O Combatente da Guerra da Restauração (pgs. 273-278).

Neste blog foram anteriormente focados, de forma mais detalhada, alguns episódios da carreira de João da Silva de Sousa – a sua desavença com o comissário geral D. João de Azevedo e Ataíde na Atalaia da Terrinha (1647), a captura do tenente-general Gregorio de Ibarra nos campos de Badajoz (Maio de 1652) e uma outra incursão em Brozas, esta bem sucedida (Dezembro de 1652). Aliás, a zona de Brozas era a preferida para as incursões de João da Silva de Sousa – mas a de Março de 1659 não lhe correria de feição, resultando num desastre para as forças portuguesas.

À época, João da Silva de Sousa era comissário geral da cavalaria do Alentejo. O seu superior era o tenente-general Pierre de Lalande, fidalgo francês chegado ao Reino em 1658 e que se batera com galhardia nos cercos de Badajoz e de Elvas (sem que, contudo, tivesse ocasião para confirmar a grande experiência de comando que expressavam as cartas de recomendação que trouxera de França e que levaram a que, precipitadamente, a Coroa lhe atribuísse a referida patente, ultrapassando outros oficias de maior valor e antiguidade. Silva de Sousa convenceu o tenente-general a participar numa das suas já habituais entradas de razia no território do Reino vizinho. Por essa altura governava as armas da província do Alentejo D. Sancho Manuel de Vilhena. É por sua via que chega ao Conselho de Guerra a notícia da fracassada operação, numa carta que abaixo se transcreve:

A esta casa, estando com bem pouca saúde, veio o comissário geral João da Silva de Sousa, a pedir-me lhe desse licença para obrar uma facção, que era armar às tropas do partido de Valença [Valência de Alcântara]. E para que eu lhe concedesse a licença me alhanou todas as dificuldades que se me ofereceram propor-lhe, dizendo-me que lhe mandasse asegurar a ponte de Salor pelo tenente-general Lalande, que também me perseguia com grande instância pela mesma jornada. E que se o inimigo o persentisse por alguma inteligência, que em se incorporar com Lalande não havia nenhum perigo, por terem a retirada certa e segura. E prometendo-me assim o bom sucesso, ordenei ao tenente-general Lalande que ocupasse a ponte de Salor com as tropas de Portalegre e Castelo de Vide, e que daquele posto não saísse senão depois de estar incorporado com João da Silva que havia de ir a ele, e que juntos marchassem com o que houvesse sucedido na volta de Portugal. Marchou João da Silva com as tropas de Campo Maior e de Arronches a fazer a facção, e atravessando as estradas do inimigo conheceram da pista delas os guias e os homens mais práticos [ou seja, experientes] que marchava grosso de cavalaria a esperá-los. Assentada esta resolução do inimigo e conhecida, resolveu o comissário João da Silva ir-se incorporar com Lalande para se retirarem, deixando toda a mais pretensão. E chegando à ponte de Salor, posto nomeado para estar Monsieur de Lalande, não [o] achou nele. Mas antes alcançou, que faltando à ordem que eu lhe tinha dado, se havia metido terra adentro a fazer pilhagem. E suposto que alguns oficiais lhe disseram, ao comissário geral, que seguisse a sua marcha para Portugal, e que deixasse a Lalande por haver faltado à sua ordem, ele tomou por melhor acordo o i-lo a buscar e a socorrer. Incorporados toparam ao inimigo, que os esperava em posto superior. Os nossos elegeram outro em que não estavam mal dispostos, por terem um ribeiro em meio, e com pouco acordo e mau conselho elegeram irem investir ao inimigo, sendo tudo muito contra a ordem que levavam, E como houveram de passar o ribeiro, os colheu o inimigo desordenados, e os carregou e derrotou, ficando prisioneiros o tenente-general Lalande, o comissário geral João da Silva, e os capitães Bernardo de Faria, Francisco Cabral e Dom António de Ataíde. A cavalaria se pôs em retirada às primeiras pancadas, e assim tem entrado nas praças a maior parte dela. E espero em Deus se vá recolhendo quase toda, porque como o choque foi perto da noite, houve lugar para se salvarem todos. Este foi o ruim sucesso destes dois cabos, em que ambos faltaram a tudo o que deviam e a tudo o que lhes foi ordenado, e ao que convinha ao serviço de Vossa Majestade. Mas como nesta província faltam todos comumente às ordens, e não houve até hoje nenhum que se castigasse por este delito, não é de espantar que sendo criados com esta doutrina procurem segui-la e salvar-se nela. Mas são erros estes que Vossa Majestade deve ser servido mandar castigar mui asperamente, tirando os postos aos que não guardam as ordens para que lhe seja castigo, e a outros sirva de exemplo.

Bem quisera dar sempre novas de bons sucessos a Vossa Majestade, mas as armas costumam ser jornaleiras e cada dia mudam de fortuna. Sinto eu ser a minha tão má, que nos últimos dias em que assisto nesta província sucedesse este sucesso. Deus guarde a Católica e Real Pessoa de Vossa Majestade como havemos mister. Vila Viçosa, 13 de Março de 1659.

Este episódio infeliz para as armas portuguesas ocorreu pouco antes da saída de D. Sancho Manuel do governo do Alentejo. Do efectivo de 700 homens e cavalos que partiu para a operação de pilhagem, perderam-se 232 homens, entre mortos e capturados, e mais de 400 cavalos foram tomados pelo exército espanhol. D. Jerónimo de Ataíde, Conde de Atouguia, que substituiu D. Sancho Manuel, disso deu conta ao Conselho de Guerra, fazendo acusações muito graves contra João da Silva de Sousa. Na ocasião do recontro, a cavalaria portuguesa foi posta em fugida sem se fazer cara ao inimigo nem se disparar uma arma de fogo ou dar um golpe de espada.

João da Silva de Sousa conseguiu escapar com a reputação incólume do processo que lhe foi movido, muito por força das amizades com que contava na Corte e no Conselho de Guerra, que interferiram a seu favor e impediram a justiça de seguir o seu curso. Já Monsieur de Lalande seria dispensado do serviço, por decreto de 13 de Maio de 1659, quando ainda se encontrava prisioneiro em Espanha.

Para maior indignação do Conde de Atouguia, que acusara o comissário geral de só querer saber do seu interesse particular, enriquecendo com as pilhagens em detrimento da fazenda real, do exército do Alentejo e dos seus subordinados, João da Silva de Sousa seria promovido ao posto de tenente-general da cavalaria em Agosto de 1659, ao mesmo tempo que o comissário geral italiano João (Giovanni) de Vanicelli. Contudo, Silva de Sousa passou a servir na província da Beira.

Fontes: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1659, mç. 19, consulta de 18 de Março de 1659 e carta anexa de D. Sancho Manuel; idem, ibidem, consulta de 22 de Março de 1659; Cartas dos Governadores das Armas do Alentejo…, vol. II, pgs. 277, 280, 288 e 295-296, cartas do Conde de Atouguia, de 1 e 23 de Abril, 28 de Maio e 2 de Julho de 1659.

Imagem: “Cavalaria em Batalha”, pintura de Adam Frans van der Meulen, 1657.

O estado das praças raianas na província de Trás-os-Montes em 1659 (parte 7 e última – Bemposta e Freixo de Espada à Cinta)

A vila de Bemposta é muito pequena e aberta, dificulta o Douro a passagem que o inimigo tem se quiser saqueá-la, nem tem riqueza com que se apeteça, mas para maior segurança se há-de fazer pelos moradores uma atalaia que assegure o melhor aquele ruim passo.

A vila de Freixo de Espada à Cinta tem um castelo capaz de se defenderem nele todos os moradores dela. É também assegurada do rio Douro, a que cercam por ali penhas tão altas e continuadas, que é impossível trazer o inimigo artilharia, nem carruagens. Só em dois passos (algum ano seco em o estio) dá passo à infantaria à desfilada, e trabalhosamente da mesma sorte à cavalaria. Para impedir estes dois passos, se deve cobrir cada um deles com sua atalaia forte, que tocando a sentinela arma, há largo tempo para da gente da vila lhes entrar a guarnição com que o inimigo não passe, e quando a troco de sua perda o faça, valerá mais do que pode interessar em queimar algumas casas.

Douro abaixo, até onde esta província se encontra com a da Beira, há nele outros dois, tão dificultosos passos, que também se devem assegurar com outras duas atalaias, que hão-de ser guarnecidas pelos mesmos moradores dos lugares que lhe ficam vizinhos, termo da mesma vila. Com o referido está reconhecida e ponderada toda a raia de uma à outra extremidade desta província.

E assim termina o relatório enviado por D. Rodrigo de Castro, Conde de Mesquitela, ao Conselho de Guerra.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1659, maço 19, “Rellação das  Praças da Raya da Prouinçia de Tras os montes, do estado de suas fortificaçõis da que neçessitam, e os passos do Rio Douro”, anexa à consulta de 20 de Junho de 1659.

Imagem: Soldado com mosquete, estudo de Adam-Frans van der Meulen.

O estado das praças raianas na província de Trás-os-Montes em 1659 (parte 6 – Miranda do Douro)

A praça de Miranda está edificada, e o seu castelo em sítio tão forte, que com pouca obra será inexpugnável sua fortificação. Coroa o alto de uma eminência de uma penha superior às mais que se lhe chegam, nela não se lhe poderão abrir aproxes, nem profundar minas. Quase toda esta povoação cerca os rios Douro e Fresno, que impedem o inimigo poder levar por ali artilharia, em razão dos ruins passos e aspereza que tem para se baixar e subir deles. Está fechada esta cidade e o seu castelo com muralha que, se antiga, a melhor que naquele tempo devia fazer-se, com sua barbacã, e pela parte que olha ao Douro e alguma do Fresno, onde devia parecer que pelo intratável não necessitava dela, se lhe tem feito parede, com uma forte estacada. Ao lado, que estes rios não acabam de cerrar, uma pequena parte desta cidade e castelo tem duas eminências, que de uma à outra se caminha à muralha; a mais próxima dela é capaz de poucas peças para bateria; a outra mais distante e eminente, é a largo tiro de mosquete da muralha, não só capaz de muita artilharia, mas cobre um vale em que o inimigo pode aquartelar grosso de gente. necessita esta praça de que, ao uso moderno, se descortine a muralha feita por dois meios baluartes e três meias-luas, e que em lugar de fosso no de estrada encoberta se lhe faça um parapeito de pedra, com estacada em meio dele.

Deve fazer-se uma obra corna com sua meia-lua naquela eminência que descortina o vale, tira o quartel ao inimigo e lhe impede a única parte que tem para trazer artilharia, e dentro dos ramais desta obra fica cerrada a outra em eminência inferior a esta.

Só com estas pequenas obras ficará esta a mais defensável praça que a meu ver há neste Reino.

(continua)

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1659, maço 19, “Rellação das  Praças da Raya da Prouinçia de Tras os montes, do estado de suas fortificaçõis da que neçessitam, e os passos do Rio Douro”, anexa à consulta de 20 de Junho de 1659.

Imagem: Planta de Miranda, década de 40 do século XVII. Publicada em La memoria ausente. Cartografia de España y Portugal en el Archivo Militar de Estocolmo. Siglos XVII y XVIII.

O estado das praças raianas na província de Trás-os-Montes em 1659 (parte 5 – Outeiro e Vimioso)

 

 

 

A vila de Outeiro (que está da raia meia légua) consiste a defensa daqueles moradores em o seu castelo, que está a menos de tiro de mosquete, situado em uma eminência tão consideravelmente levantada, que de nenhuma outra receberá ofensa. De uma parte do castelo sai muralha que torna a cerrar nele, cobrindo mais da metade da do castelo; vem em forma circular, não tem casas em meio, nem as há no castelo, senão as em que vive quem o governa, e algumas que servem de quartéis. Deve derrubar-se a muralha que não é do castelo, e ele ficar em meio de um quadrado paralelogramo, a que três lados defenderão meias-luas, e o outro a que vem subindo uns penhascos, uma tanalha. Esta é a fortificação que, segundo o sítio, pede o castelo, que convém assegurar-se pela importância dele.

A vila do Vimioso dista légua e meia da raia, tem um pequeno castelo, mas bastante a qualquer incidente recolherem-se os moradores dela, e defendendo-se dele ofenderem ao inimigo que entrar a saquear as casas, porque descortina as ruas. Não deve fazer-se fortificação que o feche, porque não está em parte conveniente para que o inimigo queira ocupá-la para ali se sustentar, mas porque é abundante de gados, convém na eminência do Facho, que fica a tiro de mosquete do castelo, fazer uma atalaia forte, cercada ao largo de estacada com parapeito, onde, recolhidos os gados dele, peleja a gente a favor da atalaia, porque [para que] o inimigo lhos não leve; obra que farão por sua conta os moradores, pela utilidade que se lhes segue.

(continua)

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1659, maço 19, “Rellação das  Praças da Raya da Prouinçia de Tras os montes, do estado de suas fortificaçõis da que neçessitam, e os passos do Rio Douro”, anexa à consulta de 20 de Junho de 1659.

Filme: “Como se disparava um mosquete de mecha”, pequeno documentário em inglês (English Heritage).

 

O estado das praças raianas na província de Trás-os-Montes em 1659 (parte 4 – Bragança)

A praça de Bragança dista da raia duas léguas e meia, o que dela foi vila está situada em uma eminência circundada de muralha antiga, em meio tem um castelo também cerrado de per si de muralha da mesma sorte. Desta vila se continua a mais povoação da cidade, baixando pela eminência, e torna a subir até outra, que fica a tiro de mosquete. Continuam-se as casas por junto ao rio Fervença e se alongam só a distância de três ruas, por uma e outra parte as vem fechando parede de grossura de três palmos, pouco mais ou menos. A que olha ao rio tem alguns redentes e parte dela de pedra e cal; a que fica para a parte da campanha é de pedra e barro, tem a modo de baluartes e alguns travezes, tem estacada e pequeno fosso a maior parte desta obra.

Esta povoação é tão condenada a padrastos, que segundo as notícias variaram todos os engenheiros em a forma de fortificá-la, e nenhum fez planta conveniente. Deve cerrar-se de per si a fortificação da vila que está situada naquela eminência, e pode servir-lhe a muralha com que se acha, menos a que fica para as casas da cidade, que contra elas se há-de fortificar com defesa ao moderno de dois meios baluartes a modo de tenalha, e uma meia lua ao lado direito dela, e se há-de ocupar em uma obra corna a eminência que para a outra parte olha a muralha da vila a tiro de mosquete, porque [para que] dali a não batam nem se caminhe com aproxes.

Fortificada de per si desta sorte a vila, se deve fazer um forte na eminência que frente a ela fica, junto à qual acaba a povoação da cidade, que ficando em meio destas duas forças tiro de mosquete de uma a outra a não entrará o inimigo, ou ao menos se não pode deter nas casas, ofendido da artilharia e mosquetaria, e abrindo-se um fosso pela parte da campanha ao largo, mudando a ele a mesma estacada e parede de pedra que está feita junto às casas, e se o inimigo quiser vir a elas receberá na detença da entrada considerável perda da artilharia e mosquetaria, das duas forças e meios fossos há-de ir acabar este. Pelo outro lado das casas ficam defendidas do rio Fervença e aspereza da subida dele. É esta fortificação de maior segurança que qualquer outra que ali possa fazer-se: pede menos tempo, menos despesa e muito menos guarnição.

(continua)

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1659, maço 19, “Rellação das  Praças da Raya da Prouinçia de Tras os montes, do estado de suas fortificaçõis da que neçessitam, e os passos do Rio Douro”, anexa à consulta de 20 de Junho de 1659.

Imagem: Planta de Bragança, década de 40 do século XVII. Publicada em La memoria ausente. Cartografia de España y Portugal en el Archivo Militar de Estocolmo. Siglos XVII y XVIII.

O estado das praças raianas na província de Trás-os-Montes em 1659 (parte 3 – Monforte e Vinhais)

Monforte é um castelo da raia uma légua, feito de ruim muralha ao antigo, de que sai outra onde era a vila, que hoje só tem dentro oito ou dez casas de colmo, e outras tantas pela parte de fora. Tem, pela do castelo, uma estacada, a que mandei fazer parapeito e banqueta; está a maior parte da muralha da vila defendida da aspereza de um penhasco que para ela sobe, e a do castelo que olha a campanha quase de nível com ela, mas tem comodidade o inimigo para pôr duas baterias, que de perto lhe podem fazer grande ofensa; mais ao largo tem outras eminências que descortinam por dentro de ambas as muralhas a tiro de mosquete. Para resistir esta vila e castelo a exército pede obra considerável, e como não tem moradores, nem é de utilidade ao inimigo, não fará para esta ofensa. Deve acomodar-se o castelo para resistir em qualquer incidente que o inimigo ali chegue sem o fim de sitiar, com obra de tão pouco porte que não merece fazer sobre ela discurso.

Vinhais é pequena vila que dista légua e meia da raia, tem uma ruim muralha que cerra poucas casas, sem outra defesa, nem a pede porque não é de utilidade ao inimigo, nem de porte para vir a ela, e ainda para com cavalaria fazer presa, é dificultosa a entrada, pelo ruim passo que tem para fazê-la.

(continua)

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1659, maço 19, “Rellação das  Praças da Raya da Prouinçia de Tras os montes, do estado de suas fortificaçõis da que neçessitam, e os passos do Rio Douro”, anexa à consulta de 20 de Junho de 1659.

Imagem: Planta de Vinhais, década de 40 do século XVII. Publicada em La memoria ausente. Cartografia de España y Portugal en el Archivo Militar de Estocolmo. Siglos XVII y XVIII.

O estado das praças raianas na província de Trás-os-Montes em 1659 (parte 2 – Chaves)

A praça de Chaves é cercada de muralha antiga, tem dentro um pequeno castelo em que não há moradores, nem capacidade para mais casas que a com que se acha. Tem esta vila três arrabaldes, dois deles chegados à muralha, o outro da banda de além do rio. Está situada superior a Veiga por mais da metade da sua circunvalação. Para a parte de Castela, a cem passos, pouco mais ou menos, em uma eminência superior, está o forte de Nossa Senhora do Rosário, obra mais pequena do que devia fazer-se. Tem quatro baluartes com flancos tão pequenos que lhe dão pouca defesa. Tem-se-lhe começado a abrir fosso em a maior parte, mas nem por essa está acabado. Por fora dele circunda o forte uma estacada com parapeito feito de pedra e barro, com seus redentes e pontas a modo de meias luas, que a descortinam. Totalmente convém pôr este forte em perfeição fazendo-lhe meias luas e ocupando dois postos com obras cornas, porque [para que] o inimigo não bata, nem caminhe deles com aproxes, porque dali chegarão brevissimamente a picar a muralha, e convém necessariamente a defesa deste forte, em que consiste o inimigo não poder ser senhor da vila nem sustentar-se nela a que serve de cidadela, com o que se fica escusando a fortificação real que se procura à vila, para que era necessário dilatado tempo, excessiva despesa e muita guarnição. E só bastará fazer-lhe poço, algumas meias luas e estrada encoberta que se feche com a do forte, e derrubando-se a muralha que fica oposta a ele.

Com atalaias fortes se devem ocupar três penhascos que estão tiro de mosquete da praça, da outra banda do rio de Ribelas, com o que, assim a vila como o forte, ficarão com boa defesa e mais breve tempo, com menos despesa e moderada guarnição. Acabadas estas obras se deve fazer um forte na eminência que está para a parte da Trindade, a mais de tiro de mosquete desta fortificação, a fim de tirar ao inimigo o quartel que detrás dele necessariamente há-de tomar, querendo pôr sítio; e estando ocupado este posto, haverá mister mais de vinte mil homens o inimigo para deitar cordão à praça, e lhe será precisamente necessário ganhar o forte desta eminência, que será defendido com muita segurança da gente da guarnição da praça, pelo ficar socorrendo com as costas nela, debaixo de toda a artilharia e mosquetaria; perderá o inimigo sobre ele gente considerável, gastará muito tempo, que é o remédio dos sitiados para esperarem não serem ganhados e poderem ser socorridos.

(continua)

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1659, maço 19, “Rellação das  Praças daRaya da Prouinçia de Tras os montes, do estado de suas fortificaçõis da que neçessitam, e os passos do Rio Douro”, anexa à consulta de 20 de Junho de 1659.

Imagem: Planta de Chaves, década de 40 do século XVII. Publicada em La memoria ausente. Cartografia de España y Portugal en el Archivo Militar de Estocolmo. Siglos XVII y XVIII.

O estado das praças raianas na província de Trás-os-Montes em 1659 (parte 1 – Montalegre)

castelo de montalegre

Numa carta datada de 4 de Junho de 1659, D. Rodrigo de Castro, Conde de Mesquitela e governador das armas da província de Trás-os-Montes, expôs ao Conselho de Guerra a situação das praças raianas que acabara de visitar. Percorrera toda a zona fronteiriça, de uma extremidade à outra da província, e o que encontrara dera-lhe motivo para grande preocupação: todas se achavam abertas ou com muralha antiga e a necessitarem urgentemente de fortificação. O grande obstáculo era a falta de verbas para o efeito. Do montante que, nos primeiros anos da guerra, provinha do real d’água e estava consignado à fortificação daquela província, uma parte fora desviada para atender às necessidades também prementes da vizinha província de Entre-Douro-e-Minho. Entrava aqui também a fatia de 200.000 réis que se ia buscar ao rendimento das terças da Torre de Moncorvo e que o Conde de Mesquitela reclamava de novo para as obras das praças de Trás-os-Montes. Entretanto, propunha-se o governador das armas empregar gratuitamente toda a gente da ordenança da província nos trabalhos de abertura de fossos, levantamento de terra e na condução de pedra e madeira, como meio de contornar em parte a penúria de meios financeiros.

Quanto ao estado das praças, a situação é descrita com minúcia numa relação anexa à carta. É esse texto que aqui se reproduz, vertido para português corrente.

[Montalegre]

Montalegre dista da raia duas léguas, tem um castelo separado da vila, é cercado de muralha antiga a que se fez seu poço, e mais ao largo uma estacada a que mandei fazer parapeito e banqueta para delas se pelejar, como de estrada encoberta. Está situado este castelo sobre um outeiro, que domina a campanha na maior parte de sua circunvalação. A um lado tem um outeiro, que sendo-lhe área inferior, lhe é prejudicial por lhe estar perto. A outro lado, da parte da vila, lhe ficam dois vales com um levantado outeiro capaz de bateria, ao qual domina e flanqueia, e aos vales uma colina que dista do castelo largo tiro de mosquete, que convém ocupar-se com um forte, como com um fortim o dito outeiro que se avizinha ao castelo.

Devem derrubar-se algumas casas que da vila se arrimam à estacada e não deixam flanquear, em razão que por elas se pode chegar o inimigo sem dificuldade à muralha.

Mandei cortar vigas fortes para que sobre elas se façam sobrados no alto de duas torres, em que se ponha artilharia que descortine as eminências e vales do alcance dela. É de muita importância a conservação deste castelo, e com estas pequenas obras pode assegurar-se.

(continua)

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1659, maço 19, “Rellação das  Praças da Raya da Prouinçia de Tras os montes, do estado de suas fortificaçõis da que neçessitam, e os passos do Rio Douro”, anexa à consulta de 20 de Junho de 1659.

Imagem: Castelo de Montalegre. Foto de JPF.

Efectivos do partido de Penamacor (província da Beira) em 1659

Numa carta redigida em 18 de Junho de 1659 pelo mestre de campo João Fialho, dirigida ao Conselho de Guerra, é exposta a situação preocupante em que se encontrava o partido de Penamacor. Estava então o governador das armas D. Sancho Manuel ainda ausente, pelo que o mesmo Conselho deu parecer para que D. Sancho regressasse com a maior brevidade à província da Beira. Os efectivos necessários para a defesa e os que na realidade existiam no partido de Penamacor encontram-se expostos na carta de uma forma concisa mas bem detalhada. Escrevia então o mestre de campo João Fialho:

Guarnição que necessitam:

300 infantes, a praça de Penamacor;

300, a praça de Salvaterra [do Extremo], meia légua da da Sarça, donde se metem os comboios com a espada na mão;

200, a praça de Segura, uma légua idem;

50, a praça da Zebreira, duas léguas idem;

50, a praça de Rosmaninhal, duas léguas de Alcântara;

50, a praça de Penha Garcia;

[Total:] 950 infantes que são necessários para guarnição destas praças e atalaias de seu distrito.

Guarnição que tem este partido:

495, o terço pago, inclusas duas companhias de auxiliares que andam anexas a ele;

300, dos auxiliares desta comarca de Castelo Branco;

[Total:] 795. Desta gente paga e auxiliar estão muitos ausentes, e outros não há tê-los nas praças, que forçados da necessidade se vão a casa de seus pais a remediar.

300 cavalos, inclusos os doentes e incapazes, e três companhias de auxiliares dos moradores da raia, e quando se monta aos rebates chega a duzentos.

Compare-se estes números com os efectivos do mesmo partido em 1648 e em 1663.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1659, maço 19, “Rellação da guarnição que hão mister as praças da Raya deste partido de Castelo branco, E da que tem, e das Legoas que distam das do inimigo”, anexa à consulta de 27 de Junho de 1659.

Imagem: Pormenor de um mapa francês do início do século XVIII, mostrando parte da região compreendida pelo partido de Penamacor (ou de Castelo Branco) em 1659, bem como as localidades espanholas mencionadas no documento. Biblioteca Nacional, Cartografia, CC1777A.

A fortaleza de Vila do Conde em 1659

Em 1659, a Rainha regente D. Luísa ordenou ao Visconde de Vila Nova de Cerveira que informasse o Conselho de Guerra acerca da situação da praça de Vila do Conde e do que seria necessário fazer para que esta ficasse com toda a segurança. Em carta de 10 de Junho de 1659, o Visconde deu conta do estado em que se encontrava a praça, que era da jurisdição da Casa de Bragança e tida como muito importante para a conservação da província de Entre Douro e Minho. Numa relação anexa, que aqui se transcreve para português corrente, surgem todos os detalhes sobre a fortaleza.

Lista da gente, armas e munições que de presente tem a Praça de Vila do Conde

Por Governador Manuel Gaio.

Tenente João Gomes de Faria.

Sargento Francisco Mendes.

Cabo Domingos Rodrigues.

Condestável Francisco Fernandes.

Tambor Domingos de Lima.

Domingos Fernandes Barcelos [sem qualquer designação de posto, é provável que se tratasse do único artilheiro da praça para além do condestável].

Artilharia de ferro

No baluarte S. Boaventura, três peças de 4 até 5 libras.

No de São João 3 peças, uma de 16 libras, partida, outra de 10, outra de 4.

No de Nossa Srª da Guia duas peças de cinco libras.

Baluartes do Salvador e S. Catarina estão por acabar, e não têm artilharia.

A plataforma duas peças de 4 libras.

Destas só duas laboram por falta de carretas.

Armas e munições

Doze mosquetes.

Dois quintais de pólvora.

Quatro quintais de corda.

Cem balas de calibre de artilharia.

Um quintal de pelouros de arcabuz.

Uma barra de chumbo.

Obras

A abóbada do baluarte S. Boaventura, onde está o armazém das munições, está arruinado. Os alojamentos, o mesmo. As guaritas descobertas; o fosso entupido; a contra-escarpa desfeita. A porta principal tapada de pedra. Serve-se o castelo pela Porta do Mar, que não tem fechadura por estar gastada.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1659, maço 19, “Lista da gente, Armas e monições que de prezente tem a Praça de Villa do Conde”, anexa à consulta de 23 de Junho de 1659.

Imagem: Vista parcial da fortaleza de Vila do Conde, na actualidade. Fotografia retirada deste blog.

Exemplo de uma carta patente: o caso do capitão Bartolomeu de Barros Caminha

Uma carta patente era um documento passado pelo monarca, através do qual se empossava um oficial de patente igual ou superior a capitão no respectivo posto. Muitas cartas patentes incluíam um resumo da carreira do oficial e das acções em que estivera envolvido, pelo que constituem fontes importantes para o estudo da História Militar e também das Mentalidades do período.

O exemplo que aqui se traz é o de uma dessas cartas patentes, respeitante ao capitão de cavalos Bartolomeu de Barros Caminha, datada de 1659. Como é usual nestes casos, verteu-se o conteúdo para português actual.

Dom Afonso, por graça de Deus Rei de Portugal etc. Faço saber aos que esta minha carta patente virem que, tendo consideração aos merecimentos e mais partes que concorrem na pessoa de Bartolomeu de Barros Caminha, e aos serviços que me tem feito há mais de seis anos a esta parte na província do Minho e exército do Alentejo, achando-se naquela em todas as ocasiões que em seu tempo se ofereceram, e particularmente na do forte de Santiago, saque e incêndio dos lugares de Santo Adrião, Leirado, Taboeira, Forteiros, Linhares, Porto Pedroso, e outros, no encontro que houve com a infantaria e cavalaria do inimigo na campanha de Salvaterra da Galiza, sempre com dois criados à sua custa; e pelo conseguinte no Exército de Alentejo, onde se achou no rendimento do castelo de Oliva, sendo um dos primeiros que entraram no lugar; choque e derrota que se deu à cavalaria de Castela no termo de Arronches, onde foi ferido de uma bala na perna esquerda, havendo sido prisioneiro no encontro que houve a Campo Maior, e ultimamente se achar na campanha de Olivença o ano de seiscentos cinquenta e sete, procedendo em todas as ocasiões com assinalado valor. E por entender dele que em tudo o que o encarregar corresponderá inteiramente à confiança que faço de sua pessoa, por todos estes respeitos hei por bem, e me apraz de o nomear (como por esta carta o nomeio) por capitão da companhia de cavalos arcabuzeiros que no exército do Alentejo vagou por falecimento de Dom António de Ataíde, o qual posto exercitará enquanto eu houver por bem, e com ele haverá de soldo por mês trinta e dois mil réis, pagos na conformidade de minhas ordens, e todas as preeminências, liberdades, graças, isenções e franquezas que pertencem aos mais capitães de cavalos de meus exércitos; e por haver de entrar neste posto, supro ao dito Bartolomeu de Barros todo o tempo que lhe faltar para satisfação do capítulo quinze do regimento das Fronteiras; pelo que ordeno ao governador das armas da província e exército de Alentejo, e general da cavalaria dele, lhe mandem dar a posse desta companhia, e aos mais oficiais e soldados dela obedeçam e guardem suas ordens tão pronta e inteiramente como devem e são obrigados; e antes da posse, jurará na forma costumada de não faltar às qualidades deste posto, o soldo do qual se lhe assentará nos livros da Vedoria e Contadoria Geral daquele exército, para lhe ser pago a seus tempos divididos. Por firmeza do que lhe mandei passar esta carta por mim assinada, e selada com o selo grande de minhas armas. Dada na cidade de Lisboa aos vinte e um dias do mês de Julho. João de Matos a fez. Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil seiscentos cinquenta e nove. Francisco Pereira da Cunha a fez escrever.

(Assinaturas: Rainha; O Conde do Prado; Pedro César de Meneses)

Acrescente-se, como mera nota de curiosidade a respeito deste oficial, que Bartolomeu de Barros Caminha seria em 1661 condenado a degredo para a província de Entre Douro e Minho, por causa de um crime praticado em Campo Maior. No entanto, viu ser-lhe comutada a pena e consequente perda da companhia de cavalos que a patente acima transcrita lhe conferia, com a condição de continuar a servir no Alentejo durante um ano sem receber soldo e ficando proibido de entrar em Campo Maior.

Fonte: “Documentos relativos à Restauração de Portugal” existentes no Arquivo Histórico Militar”, in Boletim do Arquivo Histórico Militar, 10º Vol., Vila Nova de Famalicão, s. n., 1940, pgs. 74-75.

Imagem: Cavaleiros franceses e um alferes de infantaria fazem uma pausa junto a uma tenda de vivandeiros. Pintura da década de 40 do séc. XVII.

 

Batalha das Linhas de Elvas, 14 de Janeiro de 1659

1662-cerco-de-elvas-1659

Passam hoje 350 anos sobre a batalha das Linhas de Elvas.

Aqui fica um breve resumo do evento. Um exército de socorro (8.000 infantes, 2.900 cavaleiros e 7 peças de artilharia), sob as ordens do Conde de Cantanhede, D. António Luís de Meneses, foi enviado para tentar pôr fim ao cerco de Elvas, que o exército espanhol comandado por D. Luís de Haro (inicialmente, 14.000 infantes, 5.000 cavaleiros e 19 peças de artilharia) mantinha desde Outubro de 1658. A 14 de Janeiro, pelas 8 horas da manhã, beneficiando do denso nevoeiro que cobriu a aproximação da força, e também do erro de julgamento de D. Luís de Haro, o exército português rompeu as linhas de cerco inimigas e desbaratou os sitiantes, os quais fugiram precipitadamente, imitando o seu comandante-em-chefe. Ao mesmo tempo, D. Sancho Manuel, comandante das forças sitiadas, fez uma surtida para ajudar ao êxito das forças portuguesas. Somente cerca de 5.000 infantes e 300 cavaleiros das forças sitiantes conseguiram chegar a Badajoz. Para trás deixaram toda a artilharia, o depósito de munições, mantimentos e os pertences de D. Luís de Haro, incluindo toda a secretaria com importantíssima documentação. As baixas portuguesas também foram pesadas, com saliência para a morte de André de Albuquerque Ribafria, general da cavalaria.

Apesar desta vitória portuguesa, que apagou a lembrança do tremendo fracasso que tinha sido o cerco de Badajoz no ano anterior, a iniciativa da guerra continuou a pertencer ao exército de Filipe IV. Só as derrotas espanholas nas batalhas campais da década seguinte (1663, Ameixial, e 1665, Montes Claros) levariam a uma inversão dos papéis, até à ratificação da paz no início de 1668.

Imagem: Cerco de Elvas, 1659, por Pedro de Santa Colomba. Biblioteca Nacional, Iconografia, E1090V.

Artilharia (4) – Peças e munições existentes em Campo Maior em 1659

Artilharia

Meios canhões de 24 [libras] – 8 ; Terços de canhão de 16 [libras] – 3; Quartos de canhão – 3; Meias colubrinas de 12 [libras] – 2; Meia colubrina de 10 [libras] – 1; Sagres [sacres] de 7 libras – 3; Peças de ferro de 7 libras – 3; Peças de ferro de 4 libras – 6; Peça de cavalaria de bronze – 1; Trabuco que tem de boca 85 libras – 1

Balas de artilharia

De 24 [libras] – 4.241; de 16 [libras] – 1.000; de 12 [libras] – 654; de 10 [libras] – 1.972; de 7 [libras] – 2.832; de 6 [libras] – 400; de 4 [libras] – 875

É de notar, nesta relação, a designação de terços de canhão e de quartos de canhão para as peças de 16 e de 12 libras, respectivamente, havendo também meias colubrinas de 12 e de 10 libras. As peças de ferro, mais raras, mais pesadas e menos eficazes do que as de bronze, aparecem também no rol.

Fonte: Rellação da Artilharia e Armas e muniçoens que se acharão na Praça de Campo Mayor feita pello Comissário geral da Artilharia Manuel de Villanoua em quinze de Setembro de 659, relação anexa à consulta de 22 de Janeiro de 1661, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Conselho de Guerra, Consultas, 1661, maço 21.

Imagens: Em cima, planta da fortificação de Campo Maior (década de 1650), da autoria do engenheiro militar francês Nicolau de Langres, in Desenhos e Plantas de todas as praças do Reyno de Portugal pelo Tenente General Nicolao de Langres Francez, que servio na guerra da Acclamação. Biblioteca Nacional, Reservados, Cód. 7445 (microfime: F2359). Em baixo, preparação de peças de campanha; trata-se de peças ligeiras, que disparavam balas de 3 a 7 libras. Reconstituição histórica da Guerra Civil Inglesa, Kelmarsh Hall, 2007. Foto do autor.

Linhas de Elvas, 14 de Janeiro de 1659 (água-forte de Dirk Stoop)

Já aqui tinham sido apresentados pormenores desta água-forte de Dirk Stoop, agora mostrada na totalidade, embora com prejuízo do detalhe devido à escala de redução. Não obstante, trata-se de uma excelente representação de um combate durante a batalha das Linhas de Elvas, 14 de Janeiro de 1659.

Biblioteca Nacional, Iconografia, E 648 A.