O capitão da ordenança e de auxiliares Luís Machado de Miranda: perfil de um combatente

Do estimado amigo Carlos P. M. da Silva recebi um interessante artigo que, com a devida autorização do autor, a quem agradeço, passo a reproduzir aqui.

Aventuras do capitão Luís Machado de Miranda: perfil de um homem muito completo

Entre os nomes bem conhecidos, quase familiares, dos investigadores e genealogistas que frequentam a Guimarães seiscentista, e o eixo Guimarães-Famalicão, temos Luís Machado de Miranda (Guimarães S. Paio, 1620 – Vermoim, 1695). Amplamente referido nos livros paroquiais, como padrinho, testemunha ou como pai de meninos da freguesia, com seus irmãos da Casa da Breia (Vermoim); nos livros da Câmara de Guimarães, como homem da governança, vereador, e como capitão de ordenanças no período conturbado da Guerra da Aclamação. Junto dois documentos que revelam um perfil um pouco mais completo desta interessante e ativa personagem.

Aspecto intelectual:

muito lido e de grande memoria, foi o tombo das familias do Minho. Fonte: “Livro das genealogias nobres deste reino de Portugal” dos apelidos que pertencem à letra M” – ver Machados da Breia- folha 264.

https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4187624

Estado de serviço na guerra:

serviços […] feitos em capitão de uma companhia da ordenança da vila de Guimarães do ano de 1640 até o de 1647 em que foi promovido a capitão de auxiliares na mesma comarca.

o ano de 1641 assistir de guarnição na praça de Melgaço por duas vezes provendo os soldados da sua companhia e indo a Ponte das Vargas rebater os inimigos com muito risco de sua pessoa acompanhando depois o capitão-mor de Guimarães ao castelo de Lindoso / Sendo dos primeiros que cometeu a trincheira e no saque de seis lugares na entranda do lugar de Lamas e queima de um reduto;

o ano de 1642 acompanhar com dois homens a sua custa um comboio de munições [da coroa], na entrada que se fez por Galiza em que se saquearam e queimaram muitos lugares ocupando os postos mais perigosos / Sendo dos primeiros que investiram e entraram a vila de Lobeira;

o de 1643 nos repetidos rencontros da passagem do Rio Lima e tomada de Salvaterra na entrada daquela praça gouvernou um troço de mosqueteiros e tornando o inimigo sobre ela se lhe encarregar um lanço de muralha que defendeu com valor;

o de 1644 na entrada do lugar de São Bartolomeu das Eiras aonde foi ferido com um chuço na braço esquerdo e na entrada do lugar de Tamuge;

o de 1646 na peleja sobre a trincheira de Salgoza;

e o de 1647 assistindo com sua companhia na praça de Salvaterra Se achar no encontro que houve com duas tropas inimigas adiantando-se a guardar o passo de uns valos em que pelejou com muito valor até o mandarem retirar;

e depois de ser nomeado capitão de auxiliares assistir do ano de 1648 até o de 1654 na raia da Portela do Homem aos rebates que se ofereceram e rebater a entradas do inimigo com dois criados e cavalo a sua custa.

Fonte : Diligência de habilitação para a Ordem de Cristo de João de Sequeira Monteiro.

https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=7757999

Documento também ilustrativo, talvez, do que podia ser a participação de tropas vimaranenses nas operações militares da fronteira do Minho durante a Guerra da Restauração (1640-1668).

Imagem: Combate de cavalaria; autor desconhecido, pintura a óleo, séc. XVII.

Postos do exército português (13) – o mestre de campo

Os mestres de campo ou são feitos por grande qualidade [fidalguia] ou por grandes serviços [desempenhados na guerra].

(carta de Matias de Albuquerque, Conde de Alegrete, 22 de Agosto de 1644, in Cartas dos Governadores da Província do Alentejo a El-Rei D. João IV e a El-Rei D. Afonso VI, publicadas e prefaciadas por P. M. Laranjo Coelho, Lisboa, Academia Portuguesa da História, 1940, vol. II, pgs. 57-58).

O posto de mestre de campo tinha grande prestígio. Ao tempo da Guerra da Restauração existia também nos exércitos espanhol e francês. Encontrava-se apenas na infantaria e correspondia ao posto de coronel, designação que em épocas posteriores iria substituir por completo a de mestre de campo. Em rigor, havia coronéis no exército português em simultâneo com mestres de campo, pois por tradição as grandes unidades da ordenança de Lisboa eram designadas regimentos (e não terços, embora este nome surja de vez em quando nos documentos, um pequeno erro gerado pelo hábito).

De facto, atendendo ao que exigiam as regras militares, reflectidas no projecto de Ordenanças Militares de 1643, para se ascender ao posto de mestre de campo era necessário ter servido durante 12 anos em cenário de guerra, dos quais 4 no posto de capitão. Desta conformidade estavam isentas as pessoas de qualidade e nobreza, o que na prática significava que os terços podiam por ser entregues a elementos da fidalguia sem a necessária experiência militar. Sobre o sargento-mor recaía então uma responsabilidade maior.

De qualquer modo, se exceptuarmos os primeiros anos da guerra, esta situação foi relativamente rara. Houve fidalgos que se revelaram bons mestres de campo. Ao posto ascenderam também vários soldados de fortuna, com tirocínio feito nos escalões inferiores, vários deles estrangeiros. Isto no exército pago, pois nos auxiliares e na ordenança era frequente o sargento-mor ter de desempenhar o comando efectivo do terço, dado o absentismo dos mestres de campo, ou a sua inexperiência militar.

O mestre de campo dispunha de um cavalo, se bem que houvesse quem preferisse desmontar e munir-se de espada e rodela, combatendo a pé no calor da refrega.

Imagem: Combate de infantaria. Recriação histórica da Guerra Civil Inglesa, Kelmarsh Hall, 2007. Foto do autor. Reorganizar o esquadrão de infantaria depois da confusão do choque era uma tarefa difícil, mesmo que se rompesse o contacto com alguma ordem. A maioria dos mestres de campo confiava na experiência dos seus sargentos-mores para esse fim.

Postos do exército português (8) – o capitão de infantaria

O capitão de infantaria comandava uma companhia. A insígnia do seu posto era uma gineta, espontão rematado com borlas na parte superior da haste. Em combate, o capitão podia encarregar o seu pajem do transporte da gineta e armar-se com um pique, um mosquete ou (o que era mais vulgar) combater com espada e rodela. O posto de capitão de infantaria era considerado inferior ao de capitão de cavalos, todavia era um posto de grande consideração na hierarquia militar seiscentista. Sobre a maneira de prover os capitães das companhias, tanto das tropas pagas como das milicianas, esclarece o título 9 do projecto de Ordenanças Militares de 1643:

Para capitães das companhias de infantaria se elegerão alferes reformados e ajudantes, em que uns e outros hajam servido oito anos na guerra com praça assentada debaixo de bandeira, que tenham as partes necessárias para exercitarem com prática e experiência o muito que a cada um deles se oferece e encarrega cada hora que exercitar, e os que forem de mais serviços e aprovados merecimentos nas ocasiões para maiores riscos e empenhos, precederão para serem escolhidos (…).

Porém, como em muitas outras passagens das Ordenanças Militares de 1643, Joane Mendes de Vasconcelos discordou de pormenores do projecto. No caso dos capitães de infantaria, a proposta ia contra a prática assente e instituída de facto, pelo que o experiente cabo de guerra contrapôs:

Nos terços fazem vantagem aos alferes reformados e vivos [isto é, no activo] os que são actualmente da companhia do mestre de campo, porque como governam (de ordinário) a melhor companhia deles, têm maior capacidade a este respeito que os outros, escusa consultarem-se a segunda companhia, que vaga em seu tempo, como também nos esquadrões a segunda manga de bocas de fogo do corno direito se lhes entrega firme. [Note-se, na parte final deste comentário, a referência à disposição e comando táctico.]

Também se devem admitir os alferes vivos para capitães de infantaria, toca também ao alferes entrar em capitão quando em ocasião de peleja morre o capitão da companhia, achando-se o tal alferes na mesma ocasião e proceder nela conforme as suas obrigações, e em sua pessoa concorrem as partes e requisitos convenientes.

As observações de Joane Mendes de Vasconcelos foram todas dirigidas à promoção dos alferes ao posto de capitão nas companhias de infantaria, pois que as funções inerentes ao posto eram bastante claras e sabidas, nem sendo sequer focadas no projecto – excepto no que respeitava aos ditames de ordem comportamental e moral que o capitão devia seguir. Mas aí, a resposta de Mendes de Vasconcelos foi clara:

A repreensão dos vícios que contém este capítulo toca a todos os postos, e assim me parece que se devia encomendar em título particular a conta que hão-de ter os conselheiros e os generais e não proporem a Vossa Majestade para os cargos militares pessoas conhecidas perniciosas, com escândalo.

Bibliografia: AIRES, Cristóvão, Historia Organica e Politica do Exercito Português – Provas, vol. IV, Lisboa, Imprensa Nacional, 1908, pgs. 55-56.

Imagem: Nesta foto de uma reconstituição histórica levada a cabo pela English Civil War Society, representando uma força de infantaria do New Model Army de Oliver Cromwell, é visível em primeiro plano, à direita, com gola de aço (protecção para o peito), um capitão carregando a gineta (sem borlas). Repare-se na diferença entre a gineta e as alabardas dos sargentos que marcham na primeira fileira da formação, mais atrás.