Uma carta patente era um documento passado pelo monarca, através do qual se empossava um oficial de patente igual ou superior a capitão no respectivo posto. Muitas cartas patentes incluíam um resumo da carreira do oficial e das acções em que estivera envolvido, pelo que constituem fontes importantes para o estudo da História Militar e também das Mentalidades do período.
O exemplo que aqui se traz é o de uma dessas cartas patentes, respeitante ao capitão de cavalos Bartolomeu de Barros Caminha, datada de 1659. Como é usual nestes casos, verteu-se o conteúdo para português actual.
Dom Afonso, por graça de Deus Rei de Portugal etc. Faço saber aos que esta minha carta patente virem que, tendo consideração aos merecimentos e mais partes que concorrem na pessoa de Bartolomeu de Barros Caminha, e aos serviços que me tem feito há mais de seis anos a esta parte na província do Minho e exército do Alentejo, achando-se naquela em todas as ocasiões que em seu tempo se ofereceram, e particularmente na do forte de Santiago, saque e incêndio dos lugares de Santo Adrião, Leirado, Taboeira, Forteiros, Linhares, Porto Pedroso, e outros, no encontro que houve com a infantaria e cavalaria do inimigo na campanha de Salvaterra da Galiza, sempre com dois criados à sua custa; e pelo conseguinte no Exército de Alentejo, onde se achou no rendimento do castelo de Oliva, sendo um dos primeiros que entraram no lugar; choque e derrota que se deu à cavalaria de Castela no termo de Arronches, onde foi ferido de uma bala na perna esquerda, havendo sido prisioneiro no encontro que houve a Campo Maior, e ultimamente se achar na campanha de Olivença o ano de seiscentos cinquenta e sete, procedendo em todas as ocasiões com assinalado valor. E por entender dele que em tudo o que o encarregar corresponderá inteiramente à confiança que faço de sua pessoa, por todos estes respeitos hei por bem, e me apraz de o nomear (como por esta carta o nomeio) por capitão da companhia de cavalos arcabuzeiros que no exército do Alentejo vagou por falecimento de Dom António de Ataíde, o qual posto exercitará enquanto eu houver por bem, e com ele haverá de soldo por mês trinta e dois mil réis, pagos na conformidade de minhas ordens, e todas as preeminências, liberdades, graças, isenções e franquezas que pertencem aos mais capitães de cavalos de meus exércitos; e por haver de entrar neste posto, supro ao dito Bartolomeu de Barros todo o tempo que lhe faltar para satisfação do capítulo quinze do regimento das Fronteiras; pelo que ordeno ao governador das armas da província e exército de Alentejo, e general da cavalaria dele, lhe mandem dar a posse desta companhia, e aos mais oficiais e soldados dela obedeçam e guardem suas ordens tão pronta e inteiramente como devem e são obrigados; e antes da posse, jurará na forma costumada de não faltar às qualidades deste posto, o soldo do qual se lhe assentará nos livros da Vedoria e Contadoria Geral daquele exército, para lhe ser pago a seus tempos divididos. Por firmeza do que lhe mandei passar esta carta por mim assinada, e selada com o selo grande de minhas armas. Dada na cidade de Lisboa aos vinte e um dias do mês de Julho. João de Matos a fez. Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil seiscentos cinquenta e nove. Francisco Pereira da Cunha a fez escrever.
(Assinaturas: Rainha; O Conde do Prado; Pedro César de Meneses)
Acrescente-se, como mera nota de curiosidade a respeito deste oficial, que Bartolomeu de Barros Caminha seria em 1661 condenado a degredo para a província de Entre Douro e Minho, por causa de um crime praticado em Campo Maior. No entanto, viu ser-lhe comutada a pena e consequente perda da companhia de cavalos que a patente acima transcrita lhe conferia, com a condição de continuar a servir no Alentejo durante um ano sem receber soldo e ficando proibido de entrar em Campo Maior.
Fonte: “Documentos relativos à Restauração de Portugal” existentes no Arquivo Histórico Militar”, in Boletim do Arquivo Histórico Militar, 10º Vol., Vila Nova de Famalicão, s. n., 1940, pgs. 74-75.
Imagem: Cavaleiros franceses e um alferes de infantaria fazem uma pausa junto a uma tenda de vivandeiros. Pintura da década de 40 do séc. XVII.