O combate do forte de São Luís (Minho, 8 de Fevereiro de 1664)

Legerplaats, Johannes Lingelbach, circa 1650-1674

Em 19 de Fevereiro de 1664 o Conselho de Guerra tomou conhecimento de um combate travado na fronteira de Entre-Douro-e-Minho, através de uma carta que o respectivo governador das armas, D. Francisco de Sousa, 2º Conde do Prado, remeteu ao dito Conselho, para que chegasse às mãos de D. Afonso VI. Trata-se de mais uma escaramuça, das muitas que caracterizaram a longa e desgastante guerra nas fronteiras, que aqui fica narrada, através da transcrição para português corrente da carta do governador das armas, datada de 10 de Fevereiro:

Por Manuel de Barbeita, governador da praça de Vila Nova, tive notícia de que a cavalaria que o inimigo tem no forte de São Luís se alargava a forragear mais do ordinário, por ser menos precatado o novo governador daquela praça, Dom João Taboada, que o seu antecessor que ali morreu há poucos dias. Pareceu-me não perder ocasião, assim como a dispus se executou e se logrou com boníssimo sucesso. Na noite de quinta-feira, sete deste mês, mandei emboscar o capitão de cavalos António Gomes de Abreu com os batalhões [unidades tácticas de cavalaria] que governava em Coura, por impedimento do tenente-general João da Cunha Sottomayor, que tive até agora naquela parte, a respeito de recear alguma correria do inimigo. Chegou o capitão António Gomes ao lugar ordenado, separou duas partidas que por diferentes partes haviam de correr as portas de São Luís para cortarem tudo o que houvesse saído à campanha. Por cabos destes partidos foram os tenentes Francisco de Abreu e Manuel Viegas, dando escolta a estas partidas dois batalhões com os capitães Manuel Pereira de Lacerda e Nicolau Ribeiro Priado. Pela parte de Vila Nova mandei chegar àquela parte a Manuel de Barbeita com trezentos mosqueteiros para dar calor à facção, quando as nossas tropas necessitassem de socorro da infantaria. Assim estiveram uns e outros guardando pontualmente a ordem que lhe[s] dei, até quase uma hora depois de meio-dia de sexta-feira, que foi a em que se deu o sinal e saíram as partidas, e as tropas que as seguiam e António Gomes de Abreu com a reserva do que ficava se foi chegando a lugar conveniente. As partidas e as tropas procederam com tanta bizarria, que por uma e outra parte cortaram por junto as portas de São Luís e vieram varrendo com a espada na mão tudo o que havia saído. Degolaram quantidade de valões e galegos considerável, tomaram-se cinquenta cavalos, quarenta e tantos confessam os interessados, cinquenta me diz uma guia que mandei com eles, trouxeram quinze prisioneiros valões, uma e outra gente toda bem luzida, os soldados de cavalo se aproveitaram de muitos e bons coletes e vestidos. Da praça de São Luís se disparou contra a nossa cavalaria muita artilharia e mosquetaria, porém foi Deus servido que não houve bala que tocasse a homem nem cavalo nosso. Querem alguns que se havia de esperar mais para que saísse mais cavalaria, porém António Gomes fez o que convinha em não esperar mais que até aquela hora, porque na parte aonde estava emboscado foi muito não ser descoberto de Galiza. Seja Vossa Majestade servido mandar agradecer a António Gomes de Abreu, cabo da facção, o bem que procedeu, e a Manuel de Barbeita do mesmo modo que foi quem ma enunciou e foi ajudar nela, e aos capitães Manuel Pereira de Lacerda e Manuel Ribeiro Priado, e aos tenentes Francisco de Abreu e Manuel Viegas, que todos procederam com grande valor e acerto.

Quis averiguar o número dos mortos, não o pude conseguir, porque na parte aonde foram degolados há uns giestais muito espessos, porém todos concordam muitos, e estrangeiros mais que galegos, que com pouca advertência costumavam sair agora por aqueles campos como se foram de Galiza. Guarde Deus a Real Pessoa de Vossa Majestade como havemos mister. Viana, 10 de Fevereiro de 1664.

Os três cabos maiores da cavalaria se não acharam nesta ocasião porque o general dela, Pedro César de Meneses, tinha passado à província de Trás-os-Montes, e o tenente-general Manuel da Costa Pessoa se achava indisposto em Ponte de Lima, e o tenente-general João da Cunha Sottomayor havia acudido a sua casa com ocasião da morte de sua mulher.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1664, mç. 24, consulta de 19 de Fevereiro de 1664.

Imagem: Soldados em acampamento, óleo de Joannes Lingelbach (1622-1674).

Necessidades de material de guerra na província de Entre-Douro-e-Minho, 1657

O 2º Conde de Castelo Melhor, governador das armas da província de Entre-Douro-e-Minho, expôs em duas cartas enviadas ao Conselho de Guerra, em 13 de Agosto e 24 de Setembro de 1657, as necessidades que o seu exército tinha para poder encetar uma campanha ofensiva na Galiza durante o Inverno de 1657-58. Fez acompanhar uma delas da lista exaustiva do material indispensável, que intitulou “Ramo das Couzas e aprestos do Trem da Artilheria que hé nesessario pêra Hum exercito de oito mil Infantes, noueçentos Cauallos, & dous mil gastadores, Campearem dous mezes, em tempo de Inuerno, e fazer acometimento de Praça“.

Contudo, os conselheiros não se mostraram muito entusiastas na apreciação do pedido. Somente em Janeiro de 1658 apreciaram as cartas e a relação do material, e solicitaram à Rainha Regente que ouvisse de novo o Conde sobre as necessidades de defesa da província. Foi dada prioridade às tarefas defensivas: os quatro conselheiros (Pedro César de Meneses, o Conde do Prado, Salvador Correia de Sá e Rui de Moura Teles) reconheciam o valor e a experiência de Castelo Melhor na defesa e conservação de Entre-Douro-e-Minho, mas só Pedro César de Meneses referiu a possibilidade de conduzir uma guerra ofensiva na Galiza. Havia, sobretudo, que não descurar o Alentejo e a Corte (ou seja, a capital do Reino) ao enviar reforços para a província setentrional. A Rainha, em decreto de 5 de Fevereiro de 1658, mandou que se aplicasse o parecer de Moura Teles, que era conforme ao da maioria dos conselheiros.

Sem pretender transcrever exaustivamente a lista, apresenta-se aqui algum do material de guerra nela referido, pois ajuda-nos a ter uma percepção mais concreta do equipamento do exército português do período. Deste modo, o governador das armas solicitava o seguinte:

Artilharia

– 4 meios-canhões de 24 libras de bala.

– 2 quartos-de-canhão, ou meias-colubrinas, de 12 libras de bala.

– 4 bastardas ou peças de campanha de 8 libras.

Todas as peças deviam estar aparelhadas de todo o material necessário, incluindo sobresselentes. E recomendava o Conde: Estas dez peças acima hão-de ser de cano seguido, e de metal de toda a conta.

Munições para a artilharia e armas de fogo individuais

– Para as peças de 24 libras: 192 quintais de pólvora e 1.536 balas. (Um quintal equivalia a 4 arrobas, ou seja, um total aproximado de 45 quilos)

– Para as peças de 12 libras: 77 quintais de pólvora e 1.152 balas.

– Para as peças de 8 libras: 135 quintais de pólvora e 3.840 balas.

– Para se encherem 300 bombas de morteiro e para se encherem 1.000 granadas de mão: 25 quintais de pólvora.

– Para 5.000 armas de fogo necessárias para equipar 8.000 infantes: 300 quintais de pólvora.

– Para as 5.000 armas de fogo: 400 cunhetes de balas de chumbo de mosquetes biscaínhos e holandeses.

– Para as mesmas armas de fogo e para a artilharia: 250 quintais de morrão.

– Para os 900 soldados de cavalos propostos: 8 quintais de pólvora fina.

– Para a cavalaria: 10 cunhetes de bala miúda para pistola.

São ao todo 737 quintais de pólvora, 410 cunhetes de balas, 250 quintais de morrão, 6.528 balas de artilharia.

Armas e equipamento para a infantaria e cavalaria

– Armas de sobresselente para a infantaria e a cavalaria: 800, entre mosquetes e arcabuzes biscaínhos e holandeses, com suas forquilhas e frascos.

– 1.200 piques.

– 100 pares de pistolas com suas bolsas.

– 50 carabinas com suas bandolas.

– 50 selas e freios para cavalos.

– 2.000 pederneiras (para as pistolas da cavalaria).

– 200 pares de esporas.

– 50 corpos de armas com murriões (ou seja, peito, espaldar e capacete, equipamento defensivo para os cavaleiros).

– 50 alabardas (para os sargentos).

– 50 rodelas de ferro e outras tantas espadas largas cortadeiras (para os capitães das companhias de infantaria, ou para os voluntários em operações especiais).

– 60 borrachas grandes para levar, cada uma delas, uma arroba de pólvora (uma arroba: cerca de 11 quilos).

– 4.000 estribos pequenos para a cavalaria.

– 4.000 ferraduras de cavalos.

– 20.000 cravos para as ferraduras.

Fonte:  ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1658, mç. 18, consulta de 31 de Janeiro de 1658.

Imagem: Granada de mão (século XVII). Utilizada no combate próximo de infantaria, principalmente no assalto a fortificações ou em zonas urbanas. Foto de Jorge P. Freitas.