Cavalaria da Ordenança de Évora em 1650

A criação de cavalos para a guerra era onerosa, estando a ela obrigados os que possuíssem bens (estipulados por lei) suficientes para suportar tal encargo. Daqui resultava que fossem formadas voluntariamente algumas unidades de cavalos da milícia da ordenança. Uma vez que os cavalos deviam servir na guerra, por que não com os seus proprietários montados, ou pelo menos com alguém de sua confiança? A sua principal função era a protecção contra as incursões inimigas, mas ocasionalmente podiam retaliar, indo pilhar ao outro lado da raia. A ligação destas unidades à população residente estendia-se aos oficiais que as comandavam, com frequência membros da pequena nobreza local ou bem aceites pelas governanças e, de uma maneira geral (ou assim as fontes pretendem fazer acreditar), pelos povos.

Uma carta do governador da comarca de Évora, D. António Álvares da Cunha, dirigida ao Conselho de Guerra em 1650, demonstra a importância dessa aquiescência dos povos em relação aos oficiais comandantes, quando estes não provinham da localidade ou localidades que deviam fornecer as montadas e sustentar a unidade militar. Na referida carta, salientava o governador da comarca que António Ferreira da Câmara, fidalgo da Casa de Sua Majestade, o qual recebera patente de capitão de uma das companhias cavalos que estavam para se formar na cidade de Évora, era o fidalgo mais bem quisto do povo e o de mais experiência e valor, pois fora capitão de infantaria durante nove anos de guerra (desde o início do conflito, portanto). E que por isso deveria governar a cavalaria da ordenança daquela comarca, assim por sua qualidade, como pelos seus serviços. Reforçando esta sugestão, salientava também que o capitão tinha gasto a maior parte da sua fazenda ao serviço de Sua Majestade, e que a outra parte está “infestada pelo inimigo” – ou seja, parte das terras que possuía se encontravam ocupadas pelos espanhóis.

A resposta do Conselho de Guerra foi favorável à nomeação daquele oficial, mas com algumas condições; assim, conforme se pode ler, o dito capitão governará, pela antiguidade, a cavalaria da ordenança da comarca de Évora, desde que não se incorpore esta com cavalaria paga, e que enquanto durar tal ocasião vença o soldo que toca ao capitão de cavalos, conforme às ordens de Vossa Majestade, como vencem os capitães de infantaria de auxiliares, que é conforme à resolução que Vossa Majestade tem tomado.

Fonte: ANTT, CG, Consultas, 1650, mç. 10, consulta de 27 de Agosto de 1650.

Imagem: Cena de guerra – cavalaria procedendo a pilhagens e conduzindo prisioneiros (ou fazendo recrutamento forçado). Óleo sobre tela, Philips Wouverman, 1650.

O combate de Alcaraviça (2 de Novembro de 1645) e o quadro do Marquês de Leganés – 2.ª parte: a narrativa de Mateus Rodrigues (Matheus Roiz)

Do sucesso do Marquês de Leganés também faz eco o memorialista Mateus Rodrigues. A sua unidade, comandada por D. João de Azevedo e Ataíde, esteve envolvida nas operações de intercepção da força espanhola – aliás, sem sucesso.

O episódio das Vendas de Alcaraviça é referido pelo memorialista, neste caso não por tê-lo testemunhado, mas provavelmente por dele ter ouvido contar a terceiros. Segue-se uma transcrição vertida para a grafia actual:

Estando o inimigo nestas competências, […] lhe veio um aviso de uma espia dobre [ou seja, um espião que fazia jogo duplo, dando informações para ambos os lados], […] que as ordenanças de Évora estavam em Estremoz, e que vinham para Elvas tal dia. […] Pois o aviso era tão certo […], porque a mesma noite que o inimigo saiu, essa mesma veio a gente [da ordenança] a dormir às Vendas d’Alcaraviça, que são duas léguas de Estremoz. E ao outro dia se haviam de vir para Elvas, que são 4 léguas, de maneira que o inimigo entrou com a cavalaria por entre Elvas e Juromenha, e logo foi sentido na entrada. Mas não que se soubesse o poder que levava, senão pela manhã, que ele ia em grande marcha pela estrada abaixo de Estremoz. A gente de Évora já se queria vir, que estava já fora das estalagens para marchar. Vinha com eles por cabo [ou seja, comandante] um sargento-mor mesmo de Évora. E como o inimigo foi logo sentido por aqueles campos, iam muitos lavradores fugindo em éguas, dando avisos do inimigo. E tanto que o sargento mor da gente ouviu dizer que vinha o inimigo, meteu toda a gente, que eram 600 homens, todos em uma grande tapada, que estava ao pé das estalagens, com parede à roda, que dava pelos peitos a um homem, que se fora gente paga não houvera de investir com eles o poder do mundo. Mas aquela canalha, não servem mais que de beber, que são uns bêbedos, e o sargento-mor que vinha com eles outro tal, e pior ainda.

Assim como o inimigo chegou a um cabecinho que está à vista das mesmas estalagens e já muito perto, logo viu toda a gente metida na tapada. E assim como a viu formou-se mui bem e manda tocar as trombetas a degolar, e vai investindo com eles por duas ou três partes. E assim como averbou com eles, não puderam logo saltar os cavalos a parede, mas apearam-se uns poucos de castelhanos e fizeram logo uns por todos, que passaram os batalhões formados, e a tudo isto os bêbedos ia[m] fugindo cada um por onde podia, mas que lhe importava isso, que dos 600 homens que eram não escaparam 100, que deu o inimigo neles e foi degolando todos os que iam encontrando, até que se enfadou de matar e os mais trouxe prisioneiros, que matou mais de 200 homens e trouxe prisioneiros perto de 300. (MMR, pgs. 134-136)

Embora os pormenores não sejam muito nítidos nas fotos disponibilizadas pelo Sr. José Maria Villanova-Rattazi Guillén (veja-se a 1.ª parte deste artigo), o quadro corrobora a descrição feita por Mateus Rodrigues. A infantaria portuguesa encontra-se formada em dois pequenos esquadrões (designação coeva para as formações tácticas de infantaria),  cujos blocos são exclusivamente constituídos por piqueiros. Os atiradores (quase certamente munidos de arcabuzes, como era frequente entre a ordenança) estão dispostos ao longo do muro que delimita a tapada, disparando sobre o inimigo. Uma parte da força portuguesa já está em fuga, após o dispositivo ter sido penetrado pela cavalaria espanhola. Como cada companhia tinha uma bandeira e no quadro se podem ver quatro (duas delas levadas pelos alferes em fuga, as outras nos respectivos esquadrões ainda formados), é possível que o terço da ordenança fosse composto por quatro companhias de 150 homens cada, o que mais uma vez confirma o efectivo de 600 homens referido nas fontes – e desmente o número exagerado (1.000) apresentado na legenda do quadro.

Imagem: pormenor da legenda do quadro mandado pintar pelo vitorioso Marquês de Leganés, onde o número dos portugueses derrotados é superior ao que as fontes escritas referem. Mas este exagero de propósito laudatório era comum no período.

 

 

 

A última campanha de Mateus Rodrigues – a reconquista de Mourão, Outubro-Novembro 1657 (1ª parte)

IMG_1259A derradeira presença do soldado Mateus Rodrigues no Alentejo ocorreu entre 1657 e 1658, mas deste período apenas deixou uma descrição detalhada da campanha de Mourão. Abandonara o exército da província do Alentejo nos inícios de Fevereiro de 1654, ao fim de quase doze anos e meio de serviço e poucos dias antes da publicação do decreto régio que fixava em oito anos consecutivos o máximo tempo de serviço que um soldado pago devia cumprir antes de ser desmobilizado. Regressado à sua Águeda natal, ali casou, o que devia escusá-lo definitivamente de ser reconduzido ao cenário de guerra. No entanto, regressaria ao Alentejo três anos depois, obrigado pela fome. De acordo com as suas palavras,

(…) ninguém diga deste pão não hei-de comer, por farto que se veja, porque lá vem um ano mau de fome que obriga a comer (…) tudo quanto há. Pois o fim foi (…) que para mim houve tanta fome (…) que me obrigou a que fosse outra vez a ver as ditas guerras, desterrando-me a fortuna um ano inteiro fora de minha casa. (Memorial de Matheus Roiz, pg. 423)

O destaque dado à campanha de Mourão no derradeiro capítulo das suas memórias é justificado pelo soldado de cavalos pela sua afeição a Joane Mendes de Vasconcelos. Desejava assim destacar a “fama, valor e sabedoria” daquele cabo de guerra, logo secundado, na admiração e devoção do autor, pela figura de André de Albuquerque Ribafria.

Olivença e Mourão caíram em poder dos espanhóis no decurso da campanha de 1657. Se a primeira daquelas praças, tomada em Maio, foi uma perda de monta, principalmente pelo impacto negativo no moral (era uma das principais da fronteira alentejana e um dos vértices do triângulo defensivo Elvas-Campo Maior-Olivença), já Mourão – perdida em Junho – se revelou um problema maior para os portugueses. A partir dali, o inimigo fazia incursões nos campos do termo de Monsaraz, rapinando lavouras e gado, aldeias e montes, o que levava muitos moradores a abandonarem os seus haveres e casas, não se sentindo seguros.

Entradas de maior envergadura e alcance levaram a cavalaria inimiga até demasiado perto de Évora. Daí as repetidas queixas e solicitações à Rainha regente, para que ordenasse a reconquista de Mourão e o fim dos sobressaltos. É que sendo a região em redor de Olivença pouco povoada, não dava a perda daquela praça tantas preocupações como Mourão, cuja posse abria caminho ao controlo ou saqueio de vastas e férteis terras.

A Rainha acabou por ordenar a Joane Mendes de Vasconcelos que preparasse uma campanha destinada a retomar a praça. Todo o processo foi mantido em segredo, para que não constasse o verdadeiro objectivo do exército a formar. A partir daqui, sigamos a narrativa de Mateus Rodrigues.

Junta a gente das províncias, como era um terço de infantaria do Algarve muito bom, mas pequeno; e os de Lisboa, um terço novo da Câmara, e o da Armada; e com as tropas da Beira e muita quantidade de auxiliares de todas as comarcas deste Reino, para ficarem de guarnição nas praças, se saiu na maneira seguinte:

Aos vinte e um dias de Outubro, ao domingo à tarde, saiu o senhor Joane Mendes e o senhor André de Albuquerque com a maior parte do exército e com toda a artilharia, que constava de seis meios-canhões de 24 libras e oito peças de 12 libras e trabucos e outros artifícios de fogo.

Chegaram a Vila Viçosa pela manhã, onde fizeram alto até à tarde, donde se puseram outra vez em marcha. E chegando no outro dia pela manhã a Terena, que são duas léguas, mas muito grandes e de muito mau caminho para a artilharia, (…) aí fizeram alto e por decurso da tarde começaram a marchar, chegando à quarta-feira a Monsaraz, que já não fica mais de uma légua de Mourão. E aí se fez alto até de noite, que começou a marchar a carriagem para Mourão.

Tornando agora (…) atrás, digo que Dom Sancho Manuel, mestre de campo general na província do Alentejo, que suposto governa o partido de Penamacor, foi feito por Sua Majestade, na ocasião desta campanha, mestre de campo general, e daí ficou para sempre, (…) que merece como todos o metam na conta, como é o general da artilharia Afonso Furtado de Mendonça, que obrou em seu cargo como adiante se verá.

Digo que Dom Sancho Manuel marchou diante do grosso do exército com seis terços de infantaria e um grosso de cavalaria de 600 cavalos com suas bagagens, e quando o nosso exército chegou a Monsaraz à quarta-feira, já Dom Sancho tinha amanhecido com o seu grosso à roda de Mourão, atacando a praça, de modo que nunca foi possível poder o inimigo lançar fora aviso algum, e alguns que botava, todos lhos apanhavam cá fora. E como o inimigo não via mais que aquele pouco grosso, fazia zombaria dos nossos. Começou a jogar com sua artilharia e mosquetaria, mas com pouco efeito, porquanto os nossos estavam encobertos e não recebiam dano do inimigo, nem o inimigo também recebia dos nossos, porque eles não podiam pelejar em forma até que não chegasse o nosso exército todo junto. (MMR, pgs. 427-429)

Imagem: Monsaraz. Fotografia de JPF.

 

O tercio “profetizado” – uma história com origem na campanha de 1663

ferrer-delmau, o último terçoUma das unidades do exército de D. Juan de Áustria que participou na conquista da cidade de Évora, vindo posteriormente a ser derrotada na batalha do Ameixial, foi um terço levantado em Madrid em 1661, com naturais da província de Toledo e designado como tercio de don Diego Fernando de Vera. Teve o baptismo de fogo nesse ano de 1661, no assédio a Arronches, em 15 de Junho, e no ano seguinte participou na campanha do Alentejo, integrado no exército de D. Juan de Áustria. Sob o comando do mesmo general, regressou ao Alentejo em 1663. Na batalha do Ameixial, sempre sob as ordens do mestre de campo D. Diego de Vera, o terço alinhou 5 companhias, com 38 oficiais e 206 soldados (António Álvares da Cunha, Campanha de Portugal…, pg. 89). Apesar da derrota e subsequente fuga do exército espanhol, o terço continuou a existir. Em 1664 fazia parte da guarnição de Badajoz, e em 1665 regressou ao Alentejo, para participar em mais uma derrota das armas de Filpe IV, desta vez na batalha de Montes Claros. Até ao final da Guerra da Restauração, o terço esteve estacionado em Olivença.

A unidade de infantaria continuou a existir, agora como regimento, durante os séculos XVIII, XIX e XX. A sua última designação foi Regimiento de Infantería de Defensa Contra Carros nº 35, tendo sido dissolvido em 1987. Mas por muito tempo foi conhecido como Regimiento de Infantería Toledo nº 35, com o cognome “El Profetizado”. Este cognome teve origem precisamente durante a campanha de 1663, na ocasião da tomada de Évora pelos espanhóis. O então terço de D. Diego de Vera ocupou o convento do Carmo, e durante um intervalo na peleja, o mestre de campo pôs-se à conversa com um religioso português, procurando convencê-lo de que estaria próxima a reconquista, para a Coroa espanhola, do Reino de Portugal. O religioso retorquiu aos argumentos de D. Diego, dizendo cautelosamente que nunca duvidara que Castela viesse a ser dona de Portugal, o que duvidava é que viesse a ser naquela ocasião. E acrescentou que um homem, que Portugal venerava como santo, tinha deixado muitas profecias e entre elas o que estava sucedendo naqueles tempos. Que seriam os castelhanos donos de Évora por três dias, e que entrariam por uma porta e sairiam por outra; que perderiam a batalha de O Cancho [note-se a semelhança com a designação Batalha d’O Cano, que durante muito tempo foi a mais conhecida denominação da batalha do Ameixial], e que um da Casa de Áustria iria fugir pelos montes. Ora a profecia viria a tornar-se realidade, o que levaria o Conde de Clonard a rematar, já no século XIX: casos son estos que antes de suceder causan risa, llanto después de sucedido.

Esta pequena história, cuja veracidade é impossível de comprovar, surge na obra do Conde de Clonard Historia orgánica de las Armas de Infantería y Caballería (Madrid, 1857, tomo IX, pg. 473), e é citada por Álvaro Meléndez Teodoro em Apuntes para la Historia Militar de Extremadura (Editorial 4 Gatos, Badajoz, 2008, pg. 322). Todavia, não deixa de ser curiosa a origem “portuguesa” do cognome de uma unidade militar com tão longa duração no exército de Espanha.

Imagem: “O último terço”, ilustração de Ferrer-Delmau.

De Juan Antonio Caro del Corral chegou este acrescento e correcção, que aqui fica, com os meus agradecimentos; entretanto, corrigi o nome do mestre de campo que surgia acima como “Fernández” em vez do correcto “Fernando”:

Se llamó realmente Diego Fernando de Vera y Vargas, correspondiéndole uno de los puestos de maestro de campo para gobernar los cinco tercios de infantería que, mediado el año 1665, se hallaban acuartelados en la plaza de Badajoz.
Poco antes de salir a la campaña militar, con dirección el sitio de Évora, el tercio de don Diego paso Muestra al objeto de conocer el número exacto de oficiales y soldados que lo integraban.
El viernes, 1 de mayo, se supo que la última recluta de hombres para reforzar dicho tercio, todos procedentes de la provincia de Toledo, no había logrado cumplir las expectativas. A pesar de ello, las diferencias entre lo solicitado y lo verdaderamente recibido fueron mínimas: sólo se echaron en falta 4 soldados, quienes habían desertado antes de llegar a su destino pacense. Por lo tanto, cinco jornadas antes de salir de Badajoz, el tercio de Vera estaba formado, al menos, por 165 infantes.
Peor estadística tuvieron los cuatro tercios restantes, pues uno de ellos alistó 50 soldados menos de lo esperado.
Aún con las faltas, el volumen total de nuevas incorporaciones para los cinco tercios de Badajoz sumaba 1.106 hombres, los cuáles se agregaron a las compañías de los maestros de campo Anielo de Guzmán “marqués de Castel Rodrigo”; Rodrigo de Mújica; Juan Barbosa; Luis Méndez de Haro “marqués del Carpio” y, por supuesto, nuestro Diego Fernando de Vera, líder de aquel tercio que, por caprichos del destino, se apodo “El Profetizado”.

Documentos relativos à defesa de Évora pelo Conde de Sartirana em 1663

Porta de Machede

Na manhã do dia 21 de Junho, quando o Conde de Vila Flor preparava o cerco para a reconquista de Évora, foram interceptados dois correios, um que vinha de Badajoz para a praça com cartas do Duque de San Germán para o Conde de Sartirana, e outro com cartas do dito Conde para o Duque. Na carta de Sartirana (11 de Junho de 1663), este mostrava-se confiante na defesa da cidade; que os seus soldados estavam com bastante ânimo e que o sítio dos portugueses seria a sua ruína. Refere também que expulsou todos os que podiam pegar em armas, os frades moços e os clérigos revoltosos, tanto para se aproveitar dos seus abastecimentos, como para que não gastassem os que o exército tinha. Dá conta da morte, por ferida, de D. Gonzalo de Cordoba. As justiças do povo, e alguns deste, andan finissimos. Refere ainda que corria um boato, ainda que em segredo, que o exército de D. Juan tinha sido derrotado, porém não acredita, seria talvez alguma refrega na retaguarda. Termina afirmando que está pronto a dar a vida para conservar a honra própria e a reputação das armas de Sua Majestade.

A resposta de San Germán, de 13 de Junho, dá conta de um infeliz sucesso que tiveram as armas de Sua Majestade perto de Estremoz, aunque perdimos el recuentro por poca subsistencia de alguna infanteria visoña, el gruesso de infanteria, y toda la caualleria se há retirado a esta plaça de Arronches com muy poca perdida. Sossega Sartirana dizendo que, com o que têm em Badajoz e Olivença juntarão um exército muy grande para avançar sobre o inimigo, pois têm bastante experiência da pouca assistência da infantaria inimiga, em particular neste tempo da ceifa. Incita Sartirana a defender a todo custo a praça, assegurando que D. Juan irá socorrer Évora. Logo a seguir manda o Conde precaver-se para um cerco de muitos meses, ordenando que minore a ração das tropas para somente uma libra de pão e onze onças de carne, e que se pague apenas um real por dia (e só aos que trabalham). Ordena também que se recolha todo o cereal dos arredores e se obrigue os paisanos dos lugares das redondezas a mandar todos os víveres para a cidade, caso contrário a cavalaria deverá destruir e incendiar os lugares. Que os habitantes da cidade sejam expulsos, em particular os que possam tomar armas, e que levem sua roupa, ou se não a puderem transportar, que a deixem em conventos. Só devem permanecer pedreiros, carpinteiros, ferreiros e gente de mesteres que possam servir: boticários, médicos e cirurgiões. Em cada convento só deverão ficar 6 padres com 2 criados, para que cuidem de suas casas e fazendas, devendo entregar todos os víveres excepto os necessários para o seu sustento. Só as monjas deveriam receber o mesmo sustento que os soldados, ficando na cidade apenas aquelas que não tivessem assistência de fora. Apesar de todas estas recomendações, a carta vai deixando transparecer as dificuldades, exortanto a dado passo que, se tudo sair dos limites do possível, passando a extremos de impossibilidade, se sacrifiquem as vidas para fazer um serviço tão grande a Sua Majestade, e adquirir triunfo e glória perpétua.

Fonte: António Álvares da Cunha, Campanha de Portugal pella provincia de Alemtejo, na Primavera do anno de 1663, Lisboa, Officina de Henrique Valente de Oliveira, 1663, pgs. 62-67.

Imagem: Évora – Porta de Machede na actualidade. Fotografia de JPF.

Há 350 anos… Notas sobre a campanha do Alentejo de 1663 – cerco e reconquista de Évora, de 24 a 26 de Junho

 

porta da LagoaNo dia e noite de 24 de Junho os combates foram particularmente violentos. Naquele dia cabiam as guardas pelo aproche de Sto. António, que ia à porta da Lagoa, e do qual aproche era engenheiro António Rodrigues, aos mestres de campo Martim Correia de Sá, Roque da Costa Barreto e Manuel de Sousa de Castro, que com a noite se preparavam para encostar à muralha 11 mantas (engenhos de cerco). Assim o fizeram, mas todas arderam pelos inumeráveis instrumentos de fogo de que dispunham os defensores. Mesmo sem nada que os cobrisse, os soldados não retiraram de junto da muralha, e quando nasceu o dia 25 ainda lá estavam.Da parte do quartel de Machede ganhou-se bastante terreno, mas saiu ferido o tenente-general da artilharia Fontenay, que guiava este aproche, e mataram os engenheiros Francisco Adão da Ponte e Bartolomeu Zenit. Os defensores, sob o comando dos mestres de campo Tristão da Cunha e Conde de Vilar Maior e do coronel James Apsley, repeliram uma sortida inimiga por aquele quartel.

Na manhã de 25 fez-se segunda chamada para as capitulações, ficando como reféns da parte portuguesa o sargento-mor de batalha Diogo Gomes de Figueiredo (filho) e António Soares da Costa, o “Machuca”, mestre de campo na província de Entre-Douro-e-Minho que se achava no Alentejo servindo como particular, e o tenente de mestre de campo general Louis de Clairan. E pela parte de Espanha, o mestre de campo D. Pedro de Afonseca, o coronel D. Francisco Franque e o capitão de cavalos D. Pedro da Rocha.

Os principais pontos acordados nas capitulações foram os seguintes: o governador (Conde de Sartirana) e toda a guarnição, oficiais e soldados de toda a sorte, qualidade e nação, sairiam pela brecha com as honras habituais nestas ocasiões, com suas armas, corda acesa e bala em boca, tocando caixas de guerra (tambores), e com suas bandeiras, com 8 cargas de munição, e toda a cavalaria com oficiais e soldados armados e montados; seriam enviados para a parte de Portugal que se lhes indicar, onde permaneceriam até ao fim da campanha, que seria em 15 de Outubro, na forma que se praticou com a guarnição de Juromenha. Se algum soldado quisesse incorporar-se no exército português, não seria impedido, e se algum oficial não quisesse ficar com a sua companhia, poderia retirar-se para Badajoz com suas bagagens e cavalos, para o que se lhe daria escolta pelo caminho mais rápido. Deram-se 2 peças de artilharia, à escolha do governador. Os enfermos e feridos iriam em carretas, e se fossem necessárias mais, se lhes dariam. Arrieiros e vivandeiros e todas as pessoas com ou sem praça deveriam sair com suas bagagens e não seriam molestadas. Poderiam sair 8 embuçados, para que fossem para Badajoz (pessoas que quisessem manter secreta a sua identidade, por terem estado envolvidas na tomada de Évora ou por serem espiões, evitando assim sofrer represálias). A toda a guarnição se lhe daria o sustento necessário enquanto estivesse neste Reino, tal como se usou no caso da tomada de Juromenha. Entregar-se-iam todas as munições, apetrechos e mantimentos que houvesse à ordem dos vedores gerais do exército do Alentejo.

As capitulações ficaram concluídas nesse dia. A 26 de Junho saiu de Évora, pela brecha que se havia feito entre as portas da Lagoa e Avis, o Conde de Sartirana com 3.800 infantes e 812 cavalos (que foram entregues ao general da cavalaria Dinis de Melo de Castro), e foram todos para Badajoz.

No mesmo dia entraram os portugueses na cidade e tratou-se logo de reforçar as defesas: pôr em condições de defesa o forte de Sto. António, fazer uma estrela no sítio dos penedos, fazer voar o Convento dos Calçados, terminar o baluarte de S. Bartolomeu e o da porta de Machede, e fazer um forte no Rossio de S. Brás, cujo centro era a dita ermida.

Imagem: Évora. A Porta da Lagoa na actualidade (2010). Fotografia de JPF.

Há 350 anos… Notas sobre a campanha do Alentejo de 1663 – o cerco de Évora, 22 e 23 de Junho

557174Ao dia 22 de Junho, o aproche que se ia escavando nas imediações da porta de Avis chegou bem perto da muralha. E não muito mais afastados se encontravam os que se aproximavam pelo quartel de Machede. A praça estava a ficar em grande perigo, mas os defensores, esperançados no socorro prometido, batiam-se com determinação.

Novo correio de San Germán para Sartirana foi interceptado no mesmo dia. Dizia ter-se perdido a 1ª cifra e mandava a 2ª em envelope com 3 selos. De resto, a carta era um duplicado da 1ª e exortava o Conde a defender a praça até perder a vida, prometendo de novo socorro.

Os espanhóis fizeram nova sortida, quando estavam na cabeça das trincheiras os terços de D. Diogo de Faro, Fernando Mascarenhas e Febo Moniz de Sampaio. Fizeram-no com infantaria e cavalaria, sendo de novo rechaçados pelo tenente-general D. Manuel de Ataíde, com 4 batalhões de cavalos apoiados por infantaria. A todas as operações deste aproche assistia o engenheiro-mor Luís Serrão Pimentel, mostrando com a prática o que havia ensinado com a especulativa. (Cunha, p. 70)

Do forte de Santo António começou o terceiro aproche, em direcção à porta da Lagoa. No sítio do Carmo mandou D. Luís de Meneses colocar uma bateria de 3 peças, que disparava contra aquela porta. Os espanhóis já sabiam da derrota do seu exército no Ameixial (os rumores corriam entre os soldados). Era altura de propor capitulações. Saiu a pedi-las o coronel D. Francisco Franque, mas os termos propostos por Sartirana não foram aceites.

No dia 23, da sua tenda no quartel da Corte, o Conde de Vila Flor escreveu uma carta a D. Diogo de Lima, Visconde de Vila Nova de Cerveira:

Senhor meu, muito devo aos castelhanos que estão em Évora por me ocasionarem a dita de ter a Vossa Senhoria tão perto, e lograr suas novas tão amíude, porque este é o meu desejo, crédito tem esta dívida, eu me acho de cama a que me obrigava grande carga de gota, mas sempre mui são para me empregar no serviço de Vossa Senhoria.

Os inimigos que se acham em Évora resistem quanto podem. Nós os atacamos como mais nos é possível e anteontem lhe assaltámos um forte de 4 baluartes que haviam feito no convento de Santo António, com linha de comunicação à praça, e ainda que o defendiam 400 soldados, o ganhámos com boa fortuna, matando uns e aprisionando outros com o sargento-mor que o governava, com o que nos fica mais fácil a empresa, e espero em Deus se conseguirá em breves dias, para que Vossa Senhoria tenha o gosto de ver a relação do sucesso. Guarde Deus a Vossa Senhoria como desejo. Campo sobre Évora, a 23 de Junho 663. (Biblioteca da Ajuda, cód. 51-VII-46, fol. 199)

Imagem: Assalto à artilharia, óleo de Philips Wouwerman.

Há 350 anos… Notas sobre a campanha do Alentejo de 1663 – o cerco de Évora, 20 e 21 de Junho

16490911droghedaA 20 de Junho começaram a disparar as baterias e a avançar os aproches. Faziam os quartos por 3 repartições e em 3 terços cada quarto. Coube o 1º pelo quartel da Corte a Sebastião Correia de Lorvela, Lourenço de Sousa e Miguel Barbosa; o 2º aos mestres de campo D. Diogo de Faro, Fernão Mascarenhas e Febo Moniz de Sampaio; o 3º aos mestres de campo Martim Correia de Sá, Roque da Costa Barreto (ambos fazendo um esquadrão), Jacques Alexandre de Tolon, Manuel de Sousa de Castro e José Gomes da Silva (que faziam outro). No quartel de Pedro Jacques se fizeram os mesmos quartos, tocou o 1º aos terços dos mestres de campo Bernardo de Miranda, Manuel Ferreira Rebelo e Simão de Sousa de Vasconcelos; o 2º a Tristão da Cunha, Manuel Teles (Conde de Vilar Maior) e ao coronel James Apsley; e o 3º ao terço de Francisco da Silva de Moura, ao regimento do tenente-coronel Thomas Hunt e ao terço de Francisco de Barros de Almeida.

A 21, ao amanhecer, ambos os quartéis tinham avançado bastante. O da Corte sofria bastante com esta glória, porque fazia este caminho por entre duas fortificações guarnecidas: o forte de Santo António e o baluarte de S. Bartolomeu. Na cabeça da trincheira, que se tinha fabricado aquela noite, havia já D. Luís de Meneses mandado fazer a plataforma da sua artilharia num reduto, em sítio mais próximo à muralha e onde o dano era maior.

O Conde de Vila Flor não consentiu que se trabucasse a praça, que como este género de instrumentos se inventaram para ruína das cidades e assombro dos moradores, a cidade era nossa para a não destruírmos, e os moradores assombrados andavam com o tirano presídio. (Cunha, pág. 62)

Neste dia 21 de Junho, estando de guarda os primeiros terços, fez o inimigo uma sortida. A infantaria susteve a sortida e a cavalaria carregou o inimigo, sob o comando do tenente-general D. Luís da Costa (mas na qual ia sem posto o tenente-general D. Manuel de Ataíde, por dúvidas que tiveram na precedência do comando). Com o exemplo de ambos chegaram os soldados até à barbacã, e deste recontro trouxeram duas milagrosas balas os tenentes-generais, que passando-lhes as poucas armas que levavam, pararam onde as não havia, se seus peitos não são mais impenetrável aço. Na mesma manhã se tomaram dois correios, um que vinha de Badajoz à praça com cartas do Duque de S. German para o Conde de Sartirana, e outro com cartas do dito Conde para o Duque. (Cunha, pág. 62)

Na noite de 21 de Junho determinaram assaltar os portugueses o forte de Santo António. O assalto foi feito por 200 infantes ingleses do regimento de Apsley, com o seu major John Belasyze, e com os capitães Nathaniel Hill, John Smith e Charles Langley; e 200 portugueses, com o sargento-mor Luís de Azambuja, dos terços dos mestres de campo Sebastião Correia de Lorvela e Lourenço de Sousa de Meneses, com os capitães Luís Álvares Pereira de Lacerda, Domingos de Carrião, Manuel Beirão e João Freire Coelho. Uma hora depois da meia-noite, ao sinal de duas peças que se dispararam na primeira investida, assenhorearam-se do forte, matando e prendendo os 400 soldados que o defendiam. Libertaram Manuel Corte Real, Presidente da Inquisição daquela cidade, que o governador da praça tinha mandado prender.

Ao estrondo que se fez durante o assalto ao forte saiu a cavalaria da praça, mas encontrou a resistência de 8 batalhões comandados por D. Manuel de Ataíde, que saiu a cobrir a infantaria. O inimigo recolheu à praça.

O ataque e contra-ataque foi narrado por D. Jerónimo Mascarenhas em pormenor. Assim, foram os ingleses cumprir as ordens recebidas muito a seu gosto e puderam constatar que todos os defensores do forte dormiam, até as sentinelas. A este aviso se preparou o assalto, dando a vanguarda a umas mangas da mesma nação inglesa, com ordem de abrir o caminho e ocupar, por segunda operação, o convento de Santo António como o mais preciso da empresa, pois com ele se impediria aos de dentro a retirada (…). Acercaram-se sem ruído, às doze [horas], ao flanco que tinham reconhecido, e penetrando o fosso e a estacada com o mesmo sossego, subiram ao parapeito (…). Então, rompendo o silêncio com bárbaros gritos e repetidas salvas, foram seguidos dos portugueses, que logo acudiram por todas as partes com a mesma facilidade. Assim ficou a gente espanhola, parte morta antes que desperta, e a demais, passando do sono ao terror e à confusão, fugiu sem armas até à cidade, sem se deter até à praça maior, onde (…) chegaram oficiais, e entre eles capitães, sem suas espadas, que as tinham largado para consegui-lo com mais ligeireza. O inimigo, vendo-os desaparecer tão depressa, teve lugar de alternar os mosquetes com os piques e estacas que sacava do fosso do forte para fortificar-se lá dentro. e quedando o convento em seu poder, lhe faltou pouco que fazer para esperar em boa forma aos que quisessem contestar a sua conquista. O governador encontrava-se no baluarte de São Bartolomeu como no posto mais ameaçado, à primeira notícia que teve da desdita mandou sair imediatamente o batalhão de guarda da porta de Avis com 150 alemães a pé, a quem assistiam em pessoa o coronel Barão de Carondelet e o Barão de Prancq seu tenente-coronel, juntando-se-lhes uma manga de italianos (…) com o capitão Pra, todos sacados do posto de São Bartolomeu, onde trabalhavam no contra-aproche (…). Era a ordem que levavam de passar ao convento, onde se supunha haver-se acolhido parte dos defensores com o sargento-mor, que não aparecia entre os da fuga, e prosseguir em limpar o forte dos inimigos, enquanto (…) se lhes enviava reforço de cavalaria com o comissário geral dela, e outro número da melhor infantaria. Porém a velocidade do sucesso e a disposição ajustada com que o inimigo soube aproveitar-se dele, atalhou o efeito a todas estas diligências. Chegaram os da saída até às ruínas do convento do Carmo, que os cobriam, e vendo a alguma distância atrás infantaria dobrada, que não se movia nem disparava, enviaram batedores a perguntar “quem vive?”, ao qual responderam “viva Espanha!”, convidando-os com esta astúcia a aproximarem-se. Avançaram com efeito até ao princípio da trincheira e quase até aos piques, onde toparam com uma salva tão pronta e numerosa de mosquetaços, que foi milagre não estropiar-se a maior parte. Perdemos então o capitão de cavalos D. Juan de Zurita e outros muitos feridos, com o que pareceu preciso retirar-se a gente a seus primieros postos. (Mascarenhas, fls. 50 v-52)

Naquele mesmo dia 21, o capitão Manuel Rosado, do terço do mestre de campo Sebastião Correia de Lorvela, assenhoreou-se do posto do Carmo. E pelo aproche que ia à porta de Avis, na mesma noite se aproximou do baluarte de S. Bartolomeu, com 150 mosqueteiros, o sargento-mor Manuel da Silva de Orta, do terço do mestre de campo Fernando Mascarenhas, e nele persistiu toda a noite, contra a resistência da praça.

Imagem: Infantaria inglesa em acção, 1649 (ilustração moderna, referente ao cerco de Drogheda, Irlanda).

Há 350 anos… Notas sobre a campanha do Alentejo de 1663 – de 17 a 19 de Junho

IMG_2822A 17 de Junho começou o Conde de Vila Flor a dividir o exército em dois quartéis para iniciar o sítio. O “quartel da Corte” (ou seja, o que compreendia o comando supremo) alojou em Valbom, quinta dos padres da Companhia de Jesus, pouco distante da muralha contra a porta de Avis. Tratava-se de um lugar coberto de algumas eminências. Neste quartel assistiam os oficiais superiores, com 1.200 cavalos à ordem do general da cavalaria Dinis de Melo de Castro e dos tenentes-generais D. Manuel de Ataíde, D. Luís da Costa e D. Martinho da Ribeira, e dos comissários gerais Duarte Fernandes Lobo e Matias da Cunha; e 5.100 infantes com os mestres de campo Sebastião Correia de Lorvela, Lourenço de Sousa de Meneses, Martim Correia de Sá, Roque da Costa Barreto, Manuel de Sousa de Castro, D. Diogo de Faro, Jacques Alexandre Tolon, Fernão Mascarenhas, Miguel Barbosa da Franca, Febo Moniz de Sampaio e José Gomes da Silva, e o sargento-mor Salvador Freire com o terço de Santarém.

O outro quartel ficou um quarto de légua contra a porta de Machede, numa colina que levanta ali o terreno, e este se entregou ao mestre de campo general da Beira, Pedro Jacques de Magalhães, com 1.100 cavalos à ordem do tenente-general D. João da Silva e dos comissários gerais João do Crato, D. António Maldonado e Gonçalo da Costa de Meneses; e 5.000 infantes dos regimentos ingleses e dos terços dos mestres de campo Manuel Ferreira Rebelo, Bernardo de Miranda, Manuel Teles da Silva (Conde de Vilar Maior), Tristão da Cunha, Francisco da Silva de Moura (comandado pelo seu sargento-mor Manuel de Sequeira Perdigão), Simão de Sousa de Vasconcelos (com o seu sargento-mor Simão de Miranda no comando) e Francisco de Barros de Almeida.

Os dias 18 e 19 foram passados a tratar da forma dos quartéis e disposição das baterias. Ganhou-se um casarão, perto da muralha, lugar capaz para uma bateria, pela acção do capitão João Porsenoost, do terço do mestre de campo Sebastião Correia de Lorvela, com 50 mosqueteiros a peito descoberto. Ganhou-o contra todas as defesas da praça e sustentou-o até se colocar a 1ª bateria, de 5 canhões, contra aquela cortina que compreende as portas de Avis e da Lagoa. Quatro peças disparavam do quartel de Pedro Jacques e batiam contra a muralha que está entre as portas de Machede e Avis.

Imagem: “O outro quartel ficou um quarto de légua contra a porta de Machede, numa colina que levanta ali o terreno (…)”. A fotografia mostra, ao fundo, a elevação a que se refere António Álvares da Cunha, observada a partir do edifício da Universidade de Évora. Foto de JPF.

Há 350 anos… Notas sobre a campanha do Alentejo de 1663 – de 12 a 16 de Junho

modern-impression-of-a-tercio-by-artist-cabrera-pec3b1a-source-magazine-desperta-ferroA 13 de Junho partiu de Estremoz o Conde de Vila Flor com 7.000 infantes, 2.000 cavaleiros e 18 peças de artilharia. Em relação ao exército que havia triunfado no Ameixial, a força que rumou a Évora estava diminuída em 5 terços e 5 companhias de cavalos, devido ao envio de tropas para guarnecer Campo Maior, Monsaraz e Portalegre e às que ficaram em Estremoz. Alojou na ribeira de Tera na noite de 13 e na Venda do Duque na noite seguinte.

A 12 de Junho tinha saído de Aldeia Galega (actual Montijo, na margem sul do Tejo) o Marquês de Marialva, pelo caminho de Évora. Comandava 3.500 infantes em 8 terços (dois deles comandados por sargentos-mores) e 300 cavalos em 4 companhias, além de 4 peças de artilharia. No dia 15 encontrou-se com o Conde de Vila Flor no rio Degebe. À chegada do Marquês fez o exército de Vila Flor as costumadas cortesias militares. Os dois exércitos, que tinham diferentes generais, passaram a formar apenas um, e o Marquês de Marialva cedeu o bastão de comando ao Conde de Vila Flor, que anos antes tinha sido seu subordinado. No final desse dia 15 acampou o exército nas cercanias do convento do Espinheiro, no mesmo local onde anteriormente ficara o exército de D. Juan de Áustria, na sua rota de retirada.

A 16 de Junho o exército português avistou Évora. Dinis de Melo de Castro conduziu toda a cavalaria à ocupação de postos no exterior da cidade, travando algumas escaramuças sem grande oposição por parte do inimigo. Este tratou só de defender o interior da cidade, cujas fortificações estavam todas defensáveis, pois tinham os ocupantes (e os moradores forçados) nelas trabalhado com bastante diligência.

O milanês Conde de Sartirana, apelidado de “Marte de Itália”, defendia Évora com 3.500 infantes em 8 terços, sendo que 4 eram espanhóis, 2 eram regimentos de alemães e 2 eram terços de italianos. O comissário geral do troço do Rossilhão, D. Carlos Tasso, comandava 800 cavalos. Havia 13 peças de artilharia.

A gente da cidade capaz de pegar em armas foi expulsa, incluindo os religiosos, de modo a fazer aumentar os abastecimentos disponíveis.

Imagem: Um terço espanhol em acção (anos 40 do século XVII). Desenho do ilustrador espanhol José Daniel Cabrera Peña.

Há 350 anos… Batalha do Ameixial, 8 de Junho de 1663

Não é este o espaço para tratar em profundidade uma das raras e mais importantes batalhas da Guerra da Restauração, sobre a qual decorrem hoje 350 anos. Continuo a trabalhar sobre a campanha de 1663, da qual a batalha do Canal ou do Ameixial (por vezes também recordada como batalha de Estremoz, sobretudo em documentos estrangeiros) constituiu o clímax, mas que não deve fazer esquecer a importância da tomada de Évora – então uma das principais cidades do Reino – por D. Juan de Áustria e a subsequente recuperação da urbe, após novo cerco, pelo exército português. Ao invés da repetição de narrativas de história-batalha respigadas das crónicas coevas, com pouca ou nenhuma investigação arquivística e nenhum esforço interpretativo, como infelizmente se pode encontrar em obras recentes, prefiro deixar maturar um trabalho que esteve para ir para o prelo há uns anos, continuando a ampliá-lo e a problematizá-lo com fontes nunca exploradas e bibliografia espanhola recente. A seu tempo voltarei a este assunto.

Será mais apropriado para o propósito de divulgação deixar aqui os escritos da época, pela pena de António Álvares da Cunha e D. Jerónimo Mascarenhas.

Começo pela narrativa de Cunha (pgs. 42-53, numa transcrição abreviada):

Era a campanha entre a vilas de Estremoz e a do Cano distante uma légua de ambas, não plana, porque quase toda por aquela parte é montanhosa. Ocupou o inimigo com a sua infantaria duas colinas e a pouca planície que havia entre uma e outra. Pelos costados estendeu a sua cavalaria, e a esta fomentavam alguns esquadrões de infantaria, que se formaram nas ladeiras das colinas que caíam para aqueles lados; entre esta infantaria acrescentava o número à vista, ainda que não ao proveito, um esquadrão na reserva, de três mil prisioneiros portugueses que saíram rendidos de Évora, os quais tiveram sempre metidos na Cartuxa, não curando mandá-los para Castela como eram as capitulações a respeito do nosso exercito vizinho.

O exército inimigo mudou a forma devido à falta da gente com que guarneceu Évora, e assim a 1ª linha da infantaria não tinha mais do que 7 esquadrões, o de D. Anielo de Gusmão e D. Luís de Frias tinha o corno direito, seguia-se-lhe o Conde de Escalante, a cujo cargo estava também o terço de D. Gonçalo de Córdova, morto no Degebe. O 3º era o de D. Rodrigo Moxica. O 4º de D. João Henriques e D. Lopo de Abreu. O 5º do Conde de Charni e do Conde de Losestain. O 6º do Marquês de Casin. O 7º de D. António Guindaço e D. Camilo de Dura.

Da cavalaria tinha a 1ª linha do corno direito da vanguarda 20 batalhões, os 4 das guardas dos generais e do tenente-general D. Diego Correa, 5 com o comissário geral D. Miguel Ramona, 5 com o comissário geral D. Luís de Sey e 5 com o comissário geral D. António Montenegro. A 2ª ala deste corno estava à ordem do tenente-general D. Belchior Porticarrero, tinha com a sua companhia 15 batalhões, porque 6 mandava o comissário geral D. João de Novales, 4 D. Josef de la Reatagui e 4 D. João de Ribera. A 1ª ala do corno esquerdo tinha o mesmo número que o direito, com o tenente-general D. António Moreira e os comissários gerais João Ângelo Valador e D. Francisco de Aguiar. A 2ª linha tinha a mesma igualdade que a do corno direito a que correspondia, a cargo do tenente-general D. Juan Jacome Mazacan e do comissário geral D. Hieronimo Garcia. Na reserva, que também tinha cuidado dos rendidos de Évora, estavam 12 batalhões com o comissário geral D. João Cortéz de Linhen.

Oito peças de artilharia em 4 postos coroavam as eminências; a retaguarda do exército cobria inumerável carriagem.

Imagem: Local onde se colocou, em formação de batalha, a maior parte da cavalaria de D. Juan de Áustria, na ala direita do exército, junto ao monte onde estava disposta a infantaria. A foto foi obtida no ponto por onde se estenderia a 1ª linha da cavalaria. As elevações eram, à época, totalmente desprovidas de arvoredo, como aliás ainda o eram no início do século XX. A densa vegetação que hoje cobre o terreno impede que se tenha uma percepção clara do espaço de cerca de 500 metros que separava os dois exércitos – a colina onde se formou em batalha a infantaria portuguesa mal é visível nesta foto, ao fundo, sobre o lado direito. Foto de JPF.

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Pouco diferente sítio coube ao nosso exército, pois sobre ganhar uma colina não eminente às do exército contrário, mas quase igual, se contendeu a maior parte da manhã, e à viva força chegaram a ocupá-la pelas 11.00 do dia o mestre de campo João Furtado de Mendonça com o seu terço, e o coronel James Apsley com o seu regimento. Nesta e nas planícies que se estendem por seus lados formámos o nosso exército sem mais alteração, que por ser a campanha pelo corno direito dele asperíssima, impossibilitando o manejo da cavalaria, se incorporou toda no corno esquerdo, ficando no direito só 5 batalhões à ordem do comissário geral Matias da Cunha. E porque se tinha tirado da 1ª linha para interpolar com a cavalaria o terço do mestre de campo Lourenço de Sousa, que depois ao dar da batalha tornou ao seu posto, puxaram da 2ª para aquele lugar com o seu terço ao mestre de campo D. Diogo de Faro e Sousa.

A mesma dificuldade de terreno achou o inimigo e usou da mesma união da cavalaria, deixando porém com menos número o seu corno esquerdo.

E por ser chegado ao exército o terço do mestre de campo Bernardo de Miranda, depois de o formar o reservou para a sua pessoa o Conde de Vila Flor, para o empregar aonde fosse maior a necessidade, e se incorporou na reserva. Era a crescença do dia, e a calma [grande calor] afadigava tanto aos soldados, que pareceu a todos não começar por então a atacar a batalha.

Estavam os exércitos propícios à contenda, quando D. João de Áustria mandou intimar por um papel aos seus cabos, e que eles o fizeram manifesto aos seus soldados, mostrando-lhe nele a razão que tinham pelejarem com aquela constância que esperava dos corações espanhóis, e como deviam entrar na contenda com as esperanças em Deus, e para que lhes fosse favorável encomendava a todos o interior arrependimento dos vícios, e a exterior satisfação deles, e como a causa era justa, assim esperava de justiça a vitória. Persuadia mais o papel a observância das ordens militares, e algumas não piedosas, pois ordenava se não desse quartel a ninguém na batalha, mais que ao general português [Conde de Vila Flor], dando sinais de sua pessoa, e prometendo premiosa sua prisão.

O que D. João de Áustria fez por um papel, obrou o Conde de Vila Flor por sua pessoa, e a esquadrão por esquadrão assegurou a todos a vitória, e animou à peleja, ainda que foi supérflua esta segunda persuasão, porque cada soldado se exortava a si próprio ao combate; mostrou-lhes a justiça que defendiam para ter propícia a vontade divina; a liberdade que nos usurpavam, para que fosse constante a peleja; os companheiros cativos, para que com ânsia os resgatassem; a campanha destruída, para que com raiva se satisfizesse; os despojos que levavam, para que o desejo os incitasse; as vezes que foram por nós vencidos, para que os desbaratassem com confiança. A estas razões exortatórias se seguiram as ordens militares, e dado o nome, que mais nos podia assegurar a vitória que muitas ordenanças, pois foi o da purissima Conceição da Virgem Santa, nossa padroeira e protectora deste Reino. Valorosa e porfiadamente esperavam todos o sinal da batalha.

Às três da tarde começou o exército inimigo dar mostras de querer retirar-se, e o podia fazer pelo caminho de Veiros a Arronches, deixando o nosso exército pelo lado direito; mas o Conde de Vila Flor entendendo esta resolução, mandou aos generais da cavalaria Dinis de Melo e Manuel Freire, começassem a atacar a batalha, que recebiam mais a ordem como alvitre aos seus desejos, que preceito a suas obediências. Opôs-se o inimigo valorosamente à resistência, e passando os nossos uma pequena sanja, começaram a travar a peleja. Era dobrado o número da cavalaria inimiga, assim foi forçoso que os generais fossem o maior exemplo para os soldados. Assistiam nesta refrega todos os cabos da cavalaria e demais a pessoa do mestre de campo general Pedro Jacques de Magalhães, e todos eram necessários, porque se pelejava pessoa por pessoa, esquadrão por esquadrão, linha por linha.

Não sucedia o mesmo à cavalaria castelhana, porque lhe faltava a pessoa do seu general, que como temos dito, exercia juntamente o posto de mestre de campo general; e enquanto assistia por este ofício à ordem do exército, faltava ao outro no combate da cavalaria, e se quisesse acudir a esta, áquele poderia suceder se desordenasse. Não sei a que attribua isto que seguem os mais dos governos do mundo, julgando um sujeito capaz de muitos lugares e os mais deles encontrados [quer dizer: contrários, em contradição].

Intercalo aqui a narrativa de D. Jerónimo Mascarenhas, vertida para português (o original encontra-se em castelhano):

Marcharam contra os espanhóis, com muito sossego, os seis batalhões [de cavalaria inglesa e francesa, pois foram os primeiros a entrar em acção] referidos, e com a própria gravidade as duas linhas que os seguiam, talvez para não cansar com o trote os infantes das mangas [isto é, as mangas de mosqueteiros e arcabuzeiros que os portugueses intercalaram entre os seis batalhões de cavalaria da vanguarda], e atacando os primeiros a outros tantos batalhões espanhóis do corno direito, que era o mais luzido da primeira linha (pois entravam neles as guardas de couraças e arcabuzeiros do Senhor Don Juan, compostas na maior parte de reformados escolhidos e soldados de satisfação), ao passar das armas de fogo às espadas logo se descompuseram. Culparam alguns da desordem a pouca prática do Marquês de Espinardo, seu capitão, que ainda que procurou luzir os brios do seu sangue e a circunstância de haver começado a militar com aquele emprego, não o pôde lograr senão com feridas mortais e perda de seu cavalo, ficando desbaratadas as suas tropas.

Com a mesma fatalidade e exemplar ao momento que com bem breve intervalo carregou a primeira linha dos portugueses, que seguiam os seis batalhões, toda a dos espanhóis caiu posta em fuga sobre a segunda e a desbaratou completamente. O Duque de San Germán via atónito este mau princípio desde o alto da colina, detrás do esquadrão do mestre de campo Don Anielo de Guzmán, que era o primeiro da vanguarda do corno direito, e querendo-o remediar, despachou de imediato um tenente de mestre de campo general, mandando que um terço só da infantaria italiana, que ocupava a retaguarda, baixasse a deter o ímpeto dos vencedores. E como ele destacou um terço só de um esquadrão que se compunha de diferentes terços, era operação que requeria mais tempo do que o apresto necessitava, voltou o mesmo [Duque de San Germán] a todo o galope para ordená-lo com mais eficácia em pessoa. Mas persuadindo-o a confusão que via de caminho naquelas tropas, que o caso não tinha remédio, tomou sem parar (senão para perguntar por guias) o caminho de Arronches, acompanhando-o o tenente de mestre de campo general Don Luís de Venegas, e alcançando-o pouco depois um mestre de campo e outros oficiais de menor esfera.

Imagem: A mesma colina, vista da planície onde se deu o choque das cavalarias, olhando a partir da ala direita para o centro do dispositivo inicial do exército espanhol. Sobre a esquerda, no alto da colina, estava o Duque de San Germán. Foi por esta encosta que desceu, em confusão, o terço de italianos. Para o lado direito desta foto, numa outra colina, ficavam as posições iniciais da infantaria portuguesa. Foto de JPF.

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Voltando ao texto de António Álvares da Cunha:

Enquanto as cavalarias contendiam tão fortemente, não estava ociosa a infantaria, nem a artilharia que a fazia empregar com todo o excesso o seu general D. Luís de Meneses. Era a 1ª linha muito larga, pela qual razão necessitava de mais cabos que a levassem em ordem, e por isso se encomendou o corno direito dela ao Conde da Torre, que governava a segunda, ficando governando o esquerdo André Furtado, que aquela manhã tinha chegado de Estremoz, para onde o tinha mandado o general na noite de 5, quando o inimigo se alojou no Espinheiro depois do recontro do Degebe, persuadindo-se poderiam os castelhanos ir com algum troço áquela praça, que estava a seu cargo. Em ambas as jornadas o acompanharam o mestre de campo Manuel de Sousa de Castro e Jerónimo de Mendonça Furtado.

Com a sobredita ordem abalou o Conde Schomberg à 1ª linha, e se resolveram os esquadrões a trepar pelas ásperas colinas donde estava formado o inimigo, e começaram pica a pica e corpo a corpo os portugueses a investir, e os castelhanos a defender. E vendo que em largas horas de combate se não conhecia diferença de vitória a favorecer ambas as partes, se abalaram ambas as segundas linhas, e porque a campanha era asperíssima, não conservavam aquela primeira forma estas batalhas, porque chegavam a contender primeiro aqueles esquadrões que acharam menos impedimento nos penedos, para não o acharem nos combates, com o que os esquadrões que governavam o Conde da Torre, que eram dos mestres de campo Sebastião Correia, Lourenço de Sousa de Meneses, Miguel Barbosa da Franca e D. Diogo de Faro e Simão de Sousa. Começaram a coroar a colina em que estava a artilharia inimiga, sendo o mestre de campo Simão de Sousa o primeiro que lhe pôs as mãos, donde saiu ferido de uma rigorosa bala, que quis com o seu sangue este dia esmaltar este sucesso, assim como com o seu voto sempre motivar esta vitória. E porque a 2ª linha castelhana, que estava favorecendo aquela parte, poderia ocasionar algum destroço, a carregou os batalhões que comandava o comissário geral Matias da Cunha, e esta cavalaria, com a infantaria que o Conde da Torre governava, achando pouca resistência na cavalaria inimiga que cobria aquele lado, obrigou a voltar as espaldas aos castelhanos, que os rompeu até à última fileira da sua segunda linha, sem resistir a esta fúria a mesma pessoa do seu generalíssimo, que por vezes se pôs a pé a ser companheiro de seus soldados. Estavam os nossos por esta parte tão avançados, que se enganavam os oficiais castelhanos, e muitos se aprisionaram, mandando por suas as nossas mangas, e um deles se chegou tanto ao Conde da Torre, que desconhecendo-o, o mandava como soldado seu, mas a obediência que esperava, foi contenda em que perecera se se não valera mais dos pés do cavalo, que dos braços próprios. Foi conhecido, e confessado pelos seus por tão grande pessoa, que se dissera neste papel o seu nome, a não se haver já dito a retirada.

Seguiam ao Conde da Torre em todas estas árduas contendas D. Pedro Mascarenhas e o mestre de campo Roque da Costa, já convalescido, cujo terço foi rendido em Évora, e nelas mataram o cavalo a D. Pedro, que entre todo o risco recobrou outro para continuar nos progressos da vitória.

Achou mais resistência a parte que mandava Afonso Furtado, que como tinha o seu lado coberto com a sua cavalaria, só pela frente era o combate. Os mestres de campo que contendiam por aquela banda eram Fernão Macarenhas, Tristão da Cunha, Francisco da Silva de Moura, João Furtado de Mendonça e o coronel James Apsley, que com o seu regimento sofrendo uma carga de um terço de espanhóis, que lhe ficou por frente, com o calor [ou seja: apoio] que lhe dava o mestre de campo Paulo Freire de Andrade com o seu terço, que pela razão sobredita se tinha adiantado da reserva, o degolou todo, sem que nenhum pudesse dar conta do sucesso. Contendiam os demais porfiadamente, e com o favor da nossa segunda, e terceira linha, ganhadas ambas as colinas e a artilharia delas, a mandou logo voltar contra o inimigo o general D. Luís de Meneses, que em toda a parte estava, e começaram a sentir a sua perda dos mesmos instrumentos que traziam para suas vitórias.

Desbaratadas de todo as primeiras linhas da cavalaria com perda considerável do regimento inglês, e com a morte do seu tenente-coronel Michael Dongan, puxou o general Dinis de Melo (que bem mostrou na fúria do combate o valor com que defendia o seu parecer, que foi sempre de que se esse esta batalha, e o mestre de campo general Pedro Jacques de Magalhães, já ferido em uma mão) pelo restante dela, e com valor e constância os meteram na peleja. Estava já ferido mortalmente pela cabeça com uma bala o general Manuel Freire, que lhe havia tirado de todo a fala, e ainda assim com os acenos mandava, e morreu 3 dias depois da batalha em Estremoz (tendo estado na campanha os tendo dias necessários à segurança dela).

Não havia já corpo de cavalaria de uma e de outra parte formado, mais que os batalhões da reserva, que mandava o tenente-general D. Manuel de Ataíde e os comissários gerais João do Crato e Gonçalo da Costa de Meneses, que ficando muitas vezes entre o inimigo, não descompondo nunca a forma, foi sempre ganhando terreno.

As tropas inglesas e francesas, obrando maravilhas, se avantajavam às portuguesas, senão no excesso do combate, na razão da peleja, que se os portugueses pelejavam pela vitória, também defendiam a liberdade, e eles só pela vitória contendiam, e tão bizarramente com o exemplo do Barão de Schomberg e seu irmão [filhos do Conde de Schomberg], nos quais se verificou aquele provérbio, que as águias não produzem pombas.

Obrou esta cavalaria e estes cabos e os fidalgos portugueses que assistiam naquele exército acções nunca vistas em nenhuma batalha, pois repetidas vezes os soldados soltos e desbaratados os encorporavam diante da reserva, e tornavam á contenda; e esta é a razão porque tão pouco número prevaleceu contra quase dobrada gente, pois foi cada batalhão várias vezes novo com multiplicadas forças.

Estava já o dia nas últimas horas quando o general Dinis de Melo, que desde as primeiras da batalha até aquelas estvera sempre diante dos seus batalhões, fazendo pelejar a todos, para concluir de todo com a vitória, ordenou ao tenente-general D. Manuel de Ataíde cerrasse com os três batalhões que conservava, com sete que ainda o inimigo tinha formados. E vendo o Conde de Vila Flor a disparidade do número, mandou o mestre de campo Bernardo de Miranda com o seu terço, conduzido pelo sargento-mor de batalha Diogo Gomes de Figueiredo, a quem havia dito por vezes que aquele terço lhe havia de dar a vitória, que carregasse rijamente aquela cavalaria. O que fez a tão bom tempo e com tão bom sucesso, que as cargas do terço, e a fúria com que o tenente-general os carregou, os obrigou a deixar o campo e a declarar-se a vitória por Portugal, a qual por espaço de meia légua foi aclamando o tenente-general entre os mesmos inimigos. Esta foi a celebrada vitória do Canal, que assim se chamava o lugar donde se conseguiu, tanto antes esperada dos portugueses; na qual os castelhanos perderam toda a sua infantaria, bagagem e artilharia, quarenta bandeiras, vinte estandartes, entre eles o do generalíssimo [D. Juan de Áustria], que um francês valorosamente tomou, apesar de quem o defendia (costumada é esta nação a alcançar estes troféus).

Imagem: Vista para a retaguarda do exército espanhol, a partir da planície (ala direita do exército espanhol, esquerda do português). A extensa carriagem de D. Juan de Áustria seguia pela estrada que serpenteava por entre as elevações que se vêem ao fundo, bem como os prisioneiros portugueses trazidos de Évora, que acabariam por ser libertados na confusão da fuga do que restava das forças invasoras. Foto de JPF.

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Imagem final: O monumento que marca o local onde se travou a batalha, na planície onde chocaram as cavalarias de ambos os exércitos, tal como hoje se encontra. Estando grande parte do terreno de batalha preservado – ou seja, não urbanizado -, é lamentável que não exista sequer um núcleo museológico ou um centro de interpretação.

No entanto, é com imenso gosto que actualizo a informação aqui constante: graças ao empenho pessoal do Dr. Alexandre Patrício Gouveia, da Fundação Batalha de Aljubarrota, os campos de batalha do Ameixial, Montes Claros e Linhas de Elvas foram classificados oficialmente como Património Nacional. Está assegurada assim a sua preservação e decerto surgirão aí, no futuro, os núcleos museológicos a que acima me referi.

Foto de JPF.

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Há 350 anos… Notas sobre a campanha do Alentejo de 1663 – de 5 a 8 de Junho

 

Aelbert_Cuyp_Descanso no acampamento, c1660 Musée des Beaux Arts, Rennes_X

Na noite de 5 para 6 de Junho alojou o exército português sobre as vinhas junto ao Degebe, começando a fortificar a posição, com a intenção de esperar naquele sítio todos os movimentos do inimigo, até chegar a ocasião da contenda. Porém, na manhã de 6 de Junho verificou-se que o inimigo se tinha posto em marcha.

Com toda a rapidez ordenaram Vila Flor e Schomberg que o exército marchasse, cortando pela estrada de Évoramonte, caminhando toda a noite, e a 7 de Junho se alojou diante do inimigo com as costas no rio Tera, que também o exército de D. Juan atingiu. Na manhã de 8 de Junho avistaram-se os dois exércitos.

Imagem: “Descanso no acampamento”, óleo de Aelbert Cuyp, c. 1660, Museé des Beaux Arts, Rennes.

Há 350 anos… Notas sobre a campanha do Alentejo de 1663 – 5 de Junho

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Às 5 da madrugada do dia 5 de Junho, coberto pelo fogo da sua artilharia, começou o exército de D. Juan de Áustria a baixar das colinas contra o exército português, para intentar a passagem do ribeiro, o qual, ainda que não levasse água, tinha algumas dificultosas abertas. (Cunha, pg. 39)

De acordo com D. Jerónimo Mascarenhas, o português havia gastado toda a noite a fortificar as margens mais expostas ao acometimento, e ocupado pela manhã cedo as passagens mais oportunas para embaraçá-lo e reprimir a vivacidade dos que o fossem atacar. O Senhor Don Juan, que bem supunha esta diligência nos contrários, fez avançar de manhã cedo as tropas em parte de onde não estivessem descobertas (…). Dali passou a dar vista sobre a mão esquerda ao rio, donde mais provavelmente julgava poder obrar, não o permitindo pelos bordos altos ocupados em frente pela artilharia e tropas inimigas, que a todo transe trabalhavam na sua trincheira, dominando o terreno oposto, onde precisamente haviam de dobrar os espanhóis, se queriam intentar passagem por aquele costado. Porém durante este intervalo (ainda que menos de meia hora) que passou este Príncipe naquele reconhecimento, acompanhado do Duque de San Germán, quis supri-lo cegamente o ardor do corno direito [da cavalaria], que não conhecendo a importância da dilação, se moveram os primeiros batalhões, sem que se haja podido averiguar depois com qual ordem, até à margem da ribeira, expondo-se ao fogo das peças e mosquetaria inimiga. Acudiu logo Sua Alteza ao ruído, sem poder remediá-lo antes que os tiros portugueses estropiassem até sessenta homens, e entre eles ao mestre de campo Dom Gonzalo de Cordoba, irmão do Duque de Sessa, e a outros três oficiais de suposição, que depois morreram em Évora de seus ferimentos. (Mascarenhas, fl. 28v)

A artilharia portuguesa fora colocada por D. Luís de Meneses em tão proveitoso sítio que não havia peça que jogasse tiro em vão (Cunha, pg. 39). Mesmo assim, apesar de considerável dano, continuaram a avançar os espanhóis. Travando-se a escaramuça, encontraram tão rija resistência pelo corno esquerdo da 1ª linha portuguesa, à ordem do mestre de campo general Pedro Jacques de Magalhães, que foram obrigados a desistir da empresa, recolhendo-se com perda até à margem do ribeiro.

Tentando outra passagem menos defendida, resolveu a cavalaria inimiga passar uma sanja não muito profunda, quando carregou contra ela o genera da cavalaria Dinis de Melo de Castro. Tocava aquela parte por aquele dia a Jorge Furtado de Mendonça, capitão de uma companhia de cavalos da província da Estremadura, que se bateu muito bem. (Cunha, pg. 40)

Avisado da determinação do inimigo, desfilou o Conde de Schomberg o exército pela outra margem do Degebe a impedir o posto que se imaginava ser investido. Já nele tinha plantado D. Luís de Meneses 5 meios-canhões. O inimigo sofreu ainda mais nesta segunda investida do que na primeira, e foi aqui que, segundo Álvares da Cunha, perdeu pessoas de conta como  o mestre de campo D. Gonçalo de Córdova, que o autor português identifica erradamente como filho do Duque de Sessa.

Frustrados por repetidas vezes estes intentos, o exército espanhol foi alojar na planície que domina o convento do Espinheiro. Dali foram enviados a guarnecer Évora 3.000 infantes e 800 cavaleiros. Ao amanhecer começou a abalar a sua retaguarda para a parte da Venda do Duque. A sua carriagem tinha marchado por toda aquela noite, com a vanguarda e a batalha, pelo mesmo caminho que havia trazido.

Imagem: Zona nas imediações do convento do Espinheiro, onde alojou o exército de D. Juan de Áustria na sua retirada de Badajoz. Foto de JPF.

Há 350 anos… Notas sobre a campanha do Alentejo de 1663 – 4 de Junho

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No dia 4 de Junho, Vila Flor e Schomberg ficaram a saber que as tropas enviadas a Alcácer eram já recolhidas e as outras vinham pelo caminho de Montemor, a fim de se desviarem do exército, sendo impossível interceptá-las. Assim, nesse dia foi o exército português tomar quartel a Vale de Gramaxo, da outra parte do rio Degebe, contra Montoito, a 1 légua de Évora, sítio com comodidades para dispor um exército.

 Na tarde de 4 de Junho saiu de Évora o exército inimigo em batalha, nesta forma:

Vanguarda, 9 esquadrões, o 1º a cargo dos mestres de campo D. Anielo de Guzmán e D. Luís de Frias; o 2º a cargo de D. Gonzalo de Córdova e do Conde de Escalante; o 3º ao de D. Pedro da Fonseca e D. Juan Barbosa; o 4º ao de D. Rodrigo Moxica; o 5º ao de D. Ignacio de Alatriva, Rui Pires da Veiga e D. Joseph de Pinóz; o 6º ao Conde de Charni e D. Francisco Franqui; o 7º ao Barão de Carandolet e ao Conde de Losestain; o 8º ao Conde de Sartirana e D. Fabrizio Rosin; o 9º ao de D. Camilo de Dura e D. Márcio Origlia.

A 2ª linha repartia-se em 8 esquadrões. Destes, os comandantes eram: o 1º, os mestres de campo D. Lopo Gomes de Abreu e D. João Henriques; o 2º, D. Diego de Alvarado e Bracamonte e o terço de D. Francisco Tello, que não veio nesta campanha; o 3º de D. Juan de la Carrera; o 4º, D. Baltazar de Orbina e D. Diego Fernandez de Vera; o 5º de D. Francisco de Araújo, D. Gil de Villalva e os franceses de D. Jacques de Gomin; o 6º, Barão de Casestain; e por fim, o do Marquês de Cazin (um dos esquadrões é omitido). Total da infantaria: 15.612 oficiais e soldados.

 Os lados desta infantaria cobriam 20 batalhões por cada costado da 1ª linha, e 19 da segunda. A reserva constava de 12, quatro por cada lado e quatro atrás da bagagem. As companhias das guardas estavam entre as alas da infantaria. No corno direito as de D. Juan de Áustria, no esquerdo as do Duque de S. German. Governava a cavalaria da 1ª ala do corno direito o general D. Diego Caballero de Velásquez, o tenente-general da cavalaria D. Diego Correa e os comissários gerais D. Miguel Ramona, D. Luís de Sey e D. António Montenegro. O corno esquerdo da 1ª linha estava a cargo dos comissários gerais Juan Angelo Valador e D. Francisco de Aguiar, à ordem do tenente-general da cavalaria D. Alexandre Moreira. À 2ª ala do corno direito assistia o tenente-general da cavalaria D. Belchior Portocarrero, com os comissários gerais D. Juan de Novales, D. Joseph de la Reatagui e D. Juan de Ribera. A 2ª ala do corno esquerdo tinha a seu cargo o tenente-general da cavalaria D. Juan Jacome Mazacan e o comissário geral D. Hierónimo Garcia. As reservas estavam a cargo dos comissários gerais D. Carlos Tasso e D. Juan Cortés de Liña. Eram 94 batalhões com 6.300 cavalos. Havia 15 peças de artilharia.

O exército espanhol não fez mais do que avistar o português nos altos do Degebe, em cujas colinas colocou a sua artilharia e quebrou o sossego da noite com os seus tiros.

Fonte: António Álvares da Cunha, Campanha de Portugal pella provincia de Alemtejo, na Primavera do anno de 1663, Lisboa, Officina de Henrique Valente de Oliveira, 1663, pgs. 36-39.

Imagem: “Escaramuça de cavalaria”, óleo de Pieter Meulener.

Há 350 anos… Notas sobre a campanha do Alentejo de 1663 – de 1 a 3 de Junho

 

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O Conde de Vila Flor permaneceu no Alandroal de 25 de Maio até 1 de Junho, tendo incorporado os socorros de Lisboa (sob o comando do comissário geral Gonçalo da Costa de Meneses) e da Beira (comandados pelo general da cavalaria Manuel Freire de Andrade). Foi no Alandroal que tomou conhecimento da força de cavalaria e infantaria enviada por D. Juan de Áustria para Alcácer do Sal. Por isso decidiu partir apressadamemte rumo a Évora, procurando apanhar o inimigo dividido. Segundo a narrativa de António Álvares da Cunha (Campanha de Portugal pella provincia de Alemtejo, na Primavera do anno de 1663, Lisboa, Officina de Henrique Valente de Oliveira, 1663), como a campanha do Alandroal a Évora é capacíssima, marchou sempre o exército em batalha, na forma seguinte; a qual se guardou em todas as marchas, e sò no dia da batalha do Canal [nome pelo qual foi inicialmente conhecida a batalha do Ameixial] se alterou, como referiremos (p. 33).

O exército dividia-se em 20 esquadrões de infantaria e 64 batalhões de cavalaria. Na vanguarda marchavam 18 peças de artilharia de vários calibres com o general D. Luís de Meneses. A 1ª linha constava de 5.000 infantes em 9 esquadrões, que governavam os mestres de campo Sebastião Correia de Lorvela, Lourenço de Sousa de Meneses (Aposentador Mor de Sua Majestade), Miguel Barbosa da Franca, Fernão Mascarenhas, Simão de Sousa de Vasconcelos, Tristão da Cunha, Francisco da Silva de Moura, João Furtado de Mendonça e James Apsley, coronel de um regimento inglês. Esta linha ficou a cargo de Afonso Furtado de Mendonça.

A 2ª linha constava de 3.500 infantes em 8 esquadrões, comandados pelos mestres de campo Pedro César de Meneses, D. Diogo de Faro e Sousa, Jacques Alexandre Tolon (francês), Martim Correia de Sá, Alexandre de Moura, João da Costa de Brito, Manuel Ferreira Rebelo e Thomas Hunt (tenente-coronel do outro regimento inglês). Esta linha ficou sob o comando de D. João Mascarenhas, Conde da Torre e futuro Marquês de Fronteira.

A reserva constava de 1.500 infantes em 3 esquadrões a cargo dos mestres de campo Paulo de Andrade Freire, Lourenço Garcês Palha, Luís da Silva e António da Silva de Almeida.

Cobriam os lados da 1ª linha de infantaria 1.500 cavalos em 30 batalhões, 15 por cada parte. No corno direito estava o general da cavalaria Dinis de Melo de Castro com os seus tenentes-generais D. João da Silva e D. Luís da Costa e o comissário geral Duarte Fernandes Lobo. O corno esquerdo da cavalaria desta linha era comandado pelo general da cavalaria da Beira Manuel Freire de Andrade, com o seu tenente-general D. Martinho de Ribeira e o comissário geral Gomes Freire de Andrade.

A 2ª linha guarnecia o mesmo número, com a mesma ordem. Regia o corno direito o tenente-general da cavalaria D. Manuel de Ataíde e os comissários gerais João do Crato e Gonçalo da Costa de Meneses; e o esquerdo o comissário geral D. António Maldonado.

A reserva era coberta por 300 cavalos em 4 batalhões, comandados pelo comissário geral Matias da Cunha.

 A disposição de tudo estava à ordem do Conde de Schomberg, a quem assistia o sargento-mor de batalha João da Silva de Sousa e os tenentes de mestre de campo general António Tavares de Pina, Pedro Craveiro de Campos e Fernão Martins de Seixas, e reformados do mesmo posto os franceses Clairan e Balandrin.

O Conde de Vila Flor, como cabeça daquele corpo, acudia a toda a parte, assistido pelo sargento-mor de batalha Diogo Gomes de Figueiredo. No mesmo exército iam particulares, como Jerónimo de Mendonça Furtado, D. Pedro Mascarenhas e António Jacques de Paiva, este destinado ao governo de Monsaraz, mas que preferiu seguir com o exército, ajudando aqueles de quem tantas vezes fora companheiro em outras contendas.

Sexta-feira, 1 de Junho: o exército acampa a 2 léguas do quartel do Alandroal, contra o Redondo. Sábado, 2 de Junho: aquartelou no ribeiro de Pardielas, 3 léguas de Évora. Domingo, 3 de Junho: apresentou-se no decantado rego da Várzea em forma de batalha, já à vista da cidade de Évora. Neste ponto se incorporou o mestre de campo general Pedro Jacques de Magalhães, deixando em Campo Maior o terço do mestre de campo Bernardo de Miranda Henriques, que trazia consigo do partido de Penamacor. E porque a este posto se chegou tarde, não pôde o exército passar ao Azambujal do Conde, onde queria alojar naquela noite para cortar a gente que havia de vir de Alcácer, mandada regressar por D. Juan. Houve escaramuças, nas quais carregou com a sua companhia o Barão de Schomberg (filho do Conde de Schomberg), a quem tocava a guarda naquele dia, os batedores contrários, pondo-os em fuga. Toda aquela noite foi rigorosíssima de água, conservando o exército a mesma forma e o mesmo posto (Cunha, pgs. 33-36)

Por seu lado, D. Jerónimo de Mascarenhas refere que D. Juan, antecipando a chegada do exército português, mandara chamar a toda a pressa a Alcácer as tropas de Juan Jacome Mazacan. Porém, por causa da falta de disciplina e dos maus caminhos, não lhe foi possível chegar senão no domingo, bastante diminuída, cansada e dispersa por via da recolha dos despojos dos saques.

Imagem: “A emboscada”, óleo de Philips Wouwerman, in http://www.wouwerman.org

Há 350 anos… Notas sobre a campanha do Alentejo de 1663 – 28 a 31 de Maio

The-Stable-of-a-Dilapidated-House,-c.1640-largeCom míngua de abastecimentos em Évora e também para aumentar as preocupações em Lisboa, D. Juan de Áustria tomou a resolução de enviar outra expedição, esta de 3.000 cavaleiros e 500 infantes sob o comando do tenente-general da cavalaria Juan Jacome Mazacán, até Alcácer do Sal. Foram os moradores desta localidade apanhados de surpresa, tendo a infantaria espanhola tomado os postos que podiam causar embaraço à sua cavalaria. Entrados em Alcácer, pilharam as casas e cometeram violências e excessos sobre os moradores, conforme reconheceu o insuspeito D. Jerónimo de Mascarenhas na sua extensa relação. Mais adianta o partidário de Filipe IV:

(…) voltou aquela cavalaria tão maltratada, que (…) foi desde então agoiro patente das desgraças que se seguiram, e que ocasionou em grande parte a sua pouca disciplina, para cujo remédio não bastou (…) a autoridade de quem a comandava (…). Pois sendo assim que na boa ordem das marchas consiste o seu melhor acerto, apartaram-se sem embargo muitos desta tão distantes do seu grosso, até Setúbal e Aldeia Galega [actualmente: Montijo, na margem sul do Tejo] (…).

O regresso a Évora, porém, ocorreria somente em princípios de Junho, conforme adiante se verá.

Imagem: “Soldados num estábulo”, óleo de Philips Wouwerman, in http://www.wouwerman.org

Há 350 anos… Notas sobre a campanha do Alentejo de 1663 – 26 e 27 de Maio

The-Sacking-of-a-Village-largeNo dia 26 de Maio, na sua tenda de campanha, o Conde de Vila Flor escrevia ao Rei D. Afonso VI:

Por carta de vinte e quatro do corrente é Vossa Majestade servido de me ordenar que com o exército de Vossa Majestade tome tal posto junto do inimigo, que com toda a certeza lhe impidamos [impeçamos] os comboios e a retirada, e oferece-me responder a Vossa Majestade sobre este particular, que assim como Vossa Majestade mo ordena acho que convém, acrescento que também é muito conveniente segurar do mesmo posto Vila Viçosa e Estremoz, e que o sítio seja tal que a inclemência do tempo não ocasione fugirem os soldados, e assim me é preciso para conservar o exército arrimar-me [aproximar-me] às praças, tendo sobre o inimigo de dia e de noite partidas de cavalaria para que de todos os seus movimentos me dêem conta, e juntamente as tenho sobre Olivença, que é a praça de donde lhe hão-de vir os seus comboios (se os mandar vir), para que com aviso de uma ou outra parte eu possa pôr-me diante a impedir-lhe uma ou outra coisa, e assim hoje elegerei com parecer de todos os cabos a parte mais conveniente, assim para estorvar os socorros do inimigo e a sua retirada, como para cobrir as praças e assegurar o melhor possível que os soldados não fujam. E perto do inimigo não será possível fazer a eleição do tal sítio, porque seria deixar as praças expostas a que o inimigo pudesse qualquer dela uma noite, levando co  a metade da sua cavalaria três mil infantes à garupa sem disso ter notícia, e seria dar ocasião a fugirem os soldados com os ter ao terreiro do sol, e poderia o inimigo sitiar-me tirando-me os comboios de mantimentos, sem ser obrigado a pelejar comigo, se o não quisesse fazer, porque, ou eu havia de fazer os comboios com todo o exército, ou eles mos romperiam com a sua muita cavalaria. E assim, Senhor, que o que convém é cobrir as praças e conservar os soldados e estorvar os socorros ao inimigo, e levantando-se de Évora pelejar com ele, e tudo isto se procurará fazer do posto que se eleger, para o que deve Vossa Majestade ser servido mandar logo engrossar este exército, com que se supra a falta de cavalaria e infantaria que se perdeu em Évora, pois é infalível que estorvando ao inimigo os comboios, haja de se pôr em marcha (…).

D. Sancho Manuel justificava a sua prudência na condução do exército (e aparente falta de espírito ofensivo) com a necessidade de obter reforços, em particular de cavalaria, em que o exército de D. Juan de Áustria tinha superioridade. Todavia, a estratégia seguida estava correcta, como em breve se veria.

Em 27 de Maio chegaram a Évora as obediências de Arraiolos, Redondo e Viana do Alentejo. Primeiro que estas localidades, veio a de Montemor-o-Novo, o que não obstou a que tivesse sido saqueada. Conforme narrou D. Jerónimo de Mascarenhas, o clérigo que se manteve fiel a Filipe IV de Espanha, na sua obra De la Guerra de Portugal, Sucessos del año MDCLXIII  (aqui vertido para português a partir da versão manuscrita do Arquivo Histórico Provincial de Badajoz, cuja cópia me foi gentilmente enviada pelo amigo Julián García Blanco, a quem aproveito para agradecer mais uma vez):

Por Montemor, vila considerável, e de território igualmente abundante e ameno, se começou a executar esta resolução, facilitando-a a sua distância de apenas quatro léguas de Évora. Havia assistido no seu castelo, durante o sítio daquela cidade, a companhia da dotação da mesma vila, que ocasionou nos moradores o descuido de enviar a tempo os seus deputados ao senhor Don Juan. Porém, depois de rendida Évora, teve a companhia ordem de passar a juntar-se com o exército português, deixando a sua pátria [no sentido de localidade] ao arbítrio de quem era dono da campanha. Marcharam 1.500 cavalos e algumas mangas de infantaria para dar-lhe a paga da sua necessidade, quando os vizinhos, avisados do seu movimento, despacharam pessoas com poderes e instruções para implorar o perdão. Mas apesar de que se vieram de caminho com o comissário geral Dom Miguel Ramona, comandante daquelas tropas, não puderam evitar a perda do seu gado, que consistia em mais de 4.000 cabeças (…). Aproveitou-se a Provedoria da maior parte do gado, que se passou durante alguns dias a dar ração de carne aos trabalhadores das fortificações (…).

Fontes: ANTT, Conselho de Guerra, 1663, Consultas, maço 23; AHPB,  D. Jerónimo de Mascarenhas, De la Guerra de Portugal, Sucessos del año MDCLXIII.

Imagem: “O saque de uma cidade”, óleo de Philips Wouwerman, in http://www.wouwerman.org

Há 350 anos… Notas sobre a campanha do Alentejo de 1663 – 25 de Maio

IMG_2753Neste dia, o exército português comandado pelo Conde de Vila Flor e pelo mestre de campo general Conde de Schomberg encontrava-se no Alandroal. Em conselho, ficou decidido que, enquanto se aguardava pelos reforços enviados de outras províncias, o exército do Alentejo devia limitar-se a cortar as comunicações e os abastecimentos entre a cidade de Évora e a fronteira.

Entretanto, na cidade recentemente conquistada, D. Juan de Áustria tomou conhecimento do dinheiro e material de guerra capturados ao exército português. Pouco antes de se iniciar o sítio de Évora, dera entrada naquela praça o numerário para o pagamento dos soldos do exército, num montante que ascendia a 45.000 escudos (um escudo correspondia a 16 reais de prata, ou 32 de bulhão, em moeda espanhola). Todo este dinheiro caiu nas mãos do exército invasor. Quanto ao material de guerra capturado, a relação dá conta de quatro peças de bronze, mil quintais de pólvora, alguma corda (morrão), duas mil balas para canhão, muito madeiramento e outros apetrechos menores para a artilharia, bem como quantidade de trigo e cevada.

(Uma relação bibliográfica será publicada no final desta série dedicada aos 350 anos da campanha de 1663, que por motivos de força maior não pôde ser iniciada no início deste mês, como eu pretendia).

Imagem: Évora – largo fronteiro à porta de Avis, por onde entrou triunfalmente D. Juan de Áustria em 22 de Maio de 1663. Ao fundo, o aqueduto. Para a direita deste fica o forte de Santo António. Foto de JPF.

Há 350 anos… Notas sobre a campanha do Alentejo de 1663 – de 14 a 24 de Maio

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Chegado às imediações de Évora em 14 de Maio de 1663, o exército comandado por D. Juan de Áustria iniciou as operações de cerco à cidade no dia 17, após se ter apossado do forte de Santo António na véspera. O convento do Espinheiro servia de quartel-general a D. Juan. Évora caiu em poder dos espanhóis em 22 de Maio.

Assinadas as capitulações, D. Agnelo de Guzmán, filho do Duque de Medina de la Torre, foi tomar posse da cidade. Entrou pela porta de Avis e aí, no largo, esperou por D. Juan de Áustria, que ficara no forte de Santo António. O senado, os prelados e os juízes da cidade também ali foram receber o príncipe. Faltou apenas o reitor do colégio, mas instado por dois padres espanhóis, acabou mais tarde por ir ter à presença de D. Juan. De resto, os novos senhores de Évora fizeram os possíveis por cativar as boas graças dos vencidos. O Duque de Eliche presenteou o mestre de campo do terço do Algarve, Manuel de Sousa de Castro, com um riquíssimo telim, pela maneira como defendera o convento do Carmo.

No dia 23, D. Juan de Áustria foi ouvir missa à Sé, tendo sido recebido com toda a solenidade. Terminado o ofício, recolheu-se ao palácio dos Condes de Basto. O exército português encontrava-se em Évoramonte. Foi aí que D. Sancho Manuel, Conde de Vila Flor, e o mestre de campo general Conde de Schomberg tomaram conhecimento da rendição de Évora. No dia 24, enquanto Vila Flor e Schomberg entravam no Redondo com o exército português, D. Juan acompanhava em Évora a procissão do Corpo de Deus.Todos os oficiais do seu exército, bem como os soldados, se apresentaram cuidadosamente vestidos e equipados. Mas o povo da cidade, por temor ou em sinal de resistência, não compareceu nem enfeitou as janelas. Nesse mesmo dia começaram os trabalhos de fortificação da cidade, antecipando um cerco por parte dos portugueses.

Imagem: Forte de Santo António (Évora). Foto de JPF.

As relações entre militares e civis e um caso de justiça em 1645

Não era somente devido às acções de guerra e depredação efectuadas pelos exércitos inimigos que as populações civis das fronteiras sofriam. Os próprios exércitos provinciais, em particular no Alentejo (por ser a província mais devastada pelas operações militares e aquela onde estacionaram mais efectivos durante o conflito) eram uma constante fonte de preocupações para as populações que tinham de aboletar e sustentar os oficiais e soldados. Aliás, as tensas relações entre civis e militares durante os conflitos da Era Moderna eram uma constante e o assunto foi abordado, para o caso português, num capítulo d’O Combatente durante a Guerra da Restauração.

No caso concreto da mulher, cujo estatuto era inferior ao do homem em qualquer estrato social, a fragilidade da sua segurança era evidenciada, por vezes de forma brutal, na forma como era tratada pelos militares, qualquer que fosse a patente destes. Se a justiça régia procurava pôr cobro aos abusos mais evidentes ou mais “escandalosos” (isto é, que eram mais notórios), a verdade é que não era fácil romper as barreiras impostas por interesses e privilégios particulares, nem lidar com o usual fechar de olhos a certos excessos da soldadesca. O caso que se passou em 1645 em Évora e que foi exposto ao Conselho de Guerra é um dos vários exemplos de abusos sofridos pelas mulheres e da dificuldade das queixosas em conseguirem aceder à justiça.

A transcrição que aqui se faz da consulta de Junho de 1645 ilustra o que acima fica referido.

Helena da Cruz e sua filha Mariana Correia, moradoras na cidade de Évora fizeram petição neste Conselho, relatando que por decreto de Vossa Majestade acusam a Rodrigo Franco, soldado pago, por haver desonrado a ela, Mariana Correia, e lhes haver levado sua fazenda, e se deu sentença pelo corregedor da dita cidade de Évora, a qual veio por apelação, e estando distribuída ao desembargador Francisco de Leão de Macedo, ouvidor das apelações crimes, se passou carta pelo desembargador conservador do Estanco das cartas de jogar, por o pai do delinquente ser requerente do contrato do Estanco. Pelo que as suplicantes recorreram a Vossa Majestade, que remeteu a causa a este Conselho de Guerra, e nele se pôs despacho, requeresse ao desembargador João Pinheiro, que conhecendo da causa, mandou passar duas cartas para se lhe remeterem os autos a que o conservador não deu cumprimento, sendo que ela, Helena da Cruz, anda nesta corte passando muitos trabalhos, e gastando seu remédio, e pedem a Vossa Majestade lhe faça mercê mandar, que o conservador do Estanco se não intrometa na causa, e remeta os autos ao Conselho de Guerra em comprimento das cartas que se lhe passaram.

Pela Informação que se houve do desembargador João Pinheiro constou que o conservador do Estanco não deu cumprimento às duas cartas, que como juiz dado por Vossa Majestade para as causas dos soldados pagos, lhe passou, deprecando-lhe as cumprisse, e remetesse as culpas para em seu juízo se dar livramento e satisfação à justiça, por ser só o competente por comissão e regimento de Vossa Majestade. E não somente não deu cumprimento a tais cartas, mas nem despacho pôs em que desse a razão de as não cumprir, em grande moléstia e opressão das suplicantes que requerem justiça, pois sendo o culpado soldado pago como se relata, a este Conselho de Guerra privativamente compete o conhecimento desta apelação; maiormente quando se relata que o réu não é o requerente do contrato do Estanco das cartas, senão seu pai, por cuja cabeça quer participar do privilégio do Estanco das cartas, sendo que ele por si é soldado pago, e assim por sua cabeça sujeito a este juízo da guerra, de que se não pode, nem deve isentar pela comunicação e participação do privilégio de seu pai, quando ele por si, e por sua cabeça, como soldado pago tem seu juiz privativo, que é este Conselho, e toda a contraria pretensão não pode ser justificada

E assim pareceu representar a Vossa Majestade a queixa das suplicantes para que seja servido ordenar ao conservador do Estanco dê cumprimento às cartas precatórias que se lhe passaram, ou de a razão por que as não cumpre, para Vossa Majestade mandar o que mais houver por seu Real serviço e satisfação da justiça.

Lisboa, 14 de Junho de 1645

Do seguimento desta consulta apenas se conhece o decreto régio, dado em 30 de Julho de 1645, que manda proceder “como parece” ao Conselho de Guerra.

Deve esclarecer-se que o contrato de Estanco das cartas de jogar concedia o monopólio da emissão das cartas de jogar (detido pela Coroa) a um particular – no caso, o pai do soldado prevaricador. Apesar das leis que proibiam o jogos de cartas (entre outros jogos de azar), na realidade aqueles eram tolerados dentro de certas condições, e eram muito populares entre oficiais e soldados, que jogavam cartas e dados a dinheiro.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1645, maço 5, consulta de 14 de Junho de 1645.

Imagem: “Jogadores de cartas”, de Gerard Terborch.

Uma incursão no termo de Monsaraz (28 e 29 de Setembro de 1645) – O rebate em Évora

Conforme tinha sido referido na primeira parte desta série, um dos documentos inéditos acerca desta operação reporta-se ao sucedido em Évora, quando aí chegaram as notícias da entrada da força espanhola no termo de Monsaraz. É esse documento que a seguir se transcreve:

Sexta-feira, 29 de Setembro de 645, dia de S. Miguel, pouco depois do meio dia, chegou recado ao capitão-mor Luís de Miranda de João de Mira, lavrador, capitão do campo da freguesia de S. Vicente, que aquela manhã vinha entrando grande poder de gente castelhana, tanto avante que entendeu que marchava para esta cidade. Mandou logo o capitão-mor chamar o sargento-mor, que viesse correndo a casa do chantre para que mandasse picar o relógio a rebate e fizesse fechar todas as portas da cidade, tirando a de Alconchel, e tocarem caixa todas as companhias; fosse tudo com muita diligência, cerrando-se as portas das estacadas, que algumas estavam no chão. Acudiram a casa do capitão-mor todos os oficiais, e o capitão Luís da Silva Vasconcelos ia correndo pela cidade a cavalo dizendo “Arma, senhores, arma”, o que causou grande perturbação nas mulheres, levantando a esta voz seus choros e gritos. Levou-se o recado ao Cabido, porquanto o senhor chantre estava de cama sangrando daquela manhã, presidindo o tesoureiro-mor Dom Veríssimo, e se mandou logo a todos os clérigos da cidade que tomassem armas, e mandaram recado a todos os conventos de religiosos para que estivessem prestes. O primeiro de todos que se foi oferecer ao capitão-mor foi Dom Rodrigo de Melo, arcediago e cónego da sé, com 24 criados armados; o mesmo fez Dom Teotónio Manuel e Dom Veríssimo, a que se seguiu uma numerosa companhia de clérigos, que levavam por capitão o mestre-escola Duarte de Vasconcelos com um arcabuz às costas, e os mais todos armados com mosquetes e espingardas. O mesmo fizeram todos os fidalgos da terra, como foram Fernão Martins Freire, seu filho Luís Freire, Henrique de Melo de Azambuja, Manuel de Mendo, Martim Ferreira da Câmara, Jorge da Silva Velho, Rui de Brito, Dom João Solis, Vasco de Melo e toda a nobreza da cidade. Foi a gente tanta que se puderam coroar os muros, porém contentou-se o capitão-mor em mandar ocupar a praça com um grande corpo de guarda, e em cada porta da cidade outro, e pelos muros, em cada ponta do lenço, um soldado de vigia.  Com o repique do relógio acudiu muita parte da gente que andava na vindima ao longo da cidade, e trouxeram consigo o gado que tinham. A gente de cavalo se ajuntou também na praça com seu capitão João de Macedo, não chegavam a cento, deles escolheu o capitão-mor uma tropa de vinte e cinco, que com o mesmo João de Macedo mandou que fossem pelo caminho de Montoito, por onde diziam que o inimigo vinha, até achar língua, e que não passasse de Montoito. Estando todas as coisas neste estado, chegou um correio de Elvas, que mandava o Conde general ao capitão-mor, pedindo-lhe cavalgaduras de carga para a bagagem do nosso exército, em caso que o inimigo saísse de Badajoz, donde até então não tinha partido. Veio este correio por Vila Viçosa e pelo Redondo e chegou à cidade às quatro horas, sem em todo o caminho se achar nova, nem rumor algum da entrada dos inimigos, por onde se entendeu que o lavrador João de Mira se enganou em cuidar que marchavam os castelhanos pela terra dentro. A certeza deste discurso se confirmou logo, porque pouco depois chegou recado de João de Mira que os castelhanos, chegando a algumas herdades, tomavam o gado e roubavam as casas e se tornavam. Mandou logo o capitão-mor este recado ao senhor chantre, com o qual se recolheram os eclesiásticos e fidalgos, mas a cidade ainda se ficou guardando pela gente da ordenança. O capitão João de Macedo passou a noite em Montoito, onde se ouviram muitas peças de artilharia e muitos mosquetes. E ao outro dia se soube como saindo alguma gente daquelas freguesias a esperar os inimigos no vau por onde dizem que entraram, lhe deram algumas cargas, com que lhe fizeram deixar todo o gado que levavam, com morte de cinco castelhanos, fugindo os outros todos, muitos deles feridos, deixando alguns cavalos. O padre regedor da Universidade mandou repicar o sino do colégio, e como eram férias e não vindos ainda os estudantes de fora, acudiram somente alguns da cidade, que não chegaram a fazer número de trinta, mas esses armados, e mandando-lhe o reitor dar sua bandeira e tambor, saíram pela cidade até casa do capitão-mor, e tornando ao colégio ficaram toda a noite guardando a trincheira da cerca.

Os castelhanos dizem que eram sete tropas, e segundo isto não podiam chegar a duzentos e cinquenta, ainda que ao outro lhe pareceu que eram quinhentos. O guia desta gente era um negro escravo de um fidalgo de Monsaraz que tinha fugido para Castela, este, como conhecia todos os lavradores daquele território e os portos por donde se podia passar o Guadiana, os devia persuadir a fazerem esta entrada, ou com esta ocasião a tomaram eles, por onde parece isto era gente solta de Xerês e Ensinasola e Aroche. O negro os trouxe pelas herdades dos mais ricos, ou dos menos amigos, mas como pela artilharia de Mourão viram que eram sentidos, procuraram logo voltar, e nas herdades onde achavam resistência passavam por se não deter.

Fonte: Entrada de Castelhanos no campo de Monçaràs e rebate de Évora (Biblioteca Nacional de Madrid, ms. 8187, fls. 41 v-42 v)

Imagem: Évora. A Porta de Alconchel na actualidade. Foto de JPF.

Comarca de Santarém (e parte das comarcas de Tomar, Leiria, Setúbal e Évora), cerca de 1640

A propósito do pequeno artigo sobre a recondução de soldados pagos às fronteiras de guerra, aqui fica um mapa atribuído a João Teixeira Albernaz, mostrando a correição (zona de acção do corregedor, magistrado administrativo e judicial representante do Rei na respectiva comarca) de Santarém e parte das comarcas de Tomar, Leiria, Setúbal, Évora e Alenquer. São visíveis algumas localidades mencionadas no referido artigo, como Tancos, Punhete, Abrantes e Torres Novas.

Imagem: Biblioteca Nacional, Iconografia, D96R.

O capitão de cavalos André Mendes Lobo – breve retrato de um fiel servidor da Casa de Bragança

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André Mendes Lobo foi um capitão de cavalaria diferente dos demais. Sem nunca ter atingido maior projecção na hierarquia militar, foi durante alguns anos um dos mais importantes elementos na estrutura do exército da província do Alentejo, se não na tomada de decisões ao nível da condução das operações, pelo menos para o funcionamento daquele exército enquanto força militar. De origem plebeia, embora abastado (um vilão muito rico do Alentejo, como refere Felgueiras Gayo), arriscou a sua vida e empenhou a sua fortuna na defesa dos Bragança – talvez mais do que fizeram alguns nobres de sangue que colheram benefícios com a separação de Portugal da Monarquia Hispânica.

A preocupação de André Mendes Lobo era, também, defender o património próprio. As suas terras espalhavam-se pelas zonas que serviam de palcos de combate, de Elvas a Juromenha, passando por Borba, de onde era natural, e Vila Viçosa, onde residia.  A sua ligação à Casa de Bragança era muito forte. A ela devia a sua ascensão social, anterior ainda à Aclamação: por serviços prestados ao Duque D. João, fora elevado à fidalguia. Para mais, André Mendes Lobo integrara o grupo restrito dos que tinham um contacto bem próximo com o futuro monarca, pois fora Guarda-Roupa do Duque, ou seja, responsável pela câmara que antecedia o quarto de D. João, no Paço de Vila Viçosa. Tremenda carreira ascensional para um plebeu que, em 1625, quase fora assassinado por parentes da sua esposa, a fidalga D. Leonor da Silveira, indignados com o matrimónio do vilão com alguém que lhe era socialmente superior.

Também D. Leonor da Silveira privara com a família ducal, tendo sido ama de leite do Príncipe D. Teodósio. Mais do que isso, privara intimamente com o próprio D. João em manobras de Eros e Afrodite. Mancebia à qual Felgueiras Gayo atribui os favorecimentos feitos a André Mendes Lobo já depois do Duque cingir a coroa de Rei.

Após a Aclamação, André Mendes Lobo quedou-se pelo Alentejo. As suas acções como capitão de cavalos surgem em algumas relações e documentos oficiais, em nada sendo deslustrosas, mas também sem lhe valerem avanço na carreira das armas – não seria essa, de resto, a sua ambição. Embora continuasse a servir, era também pagador geral do exército do Alentejo, tendo chegado a desembolsar a soma de 18.000 cruzados (7.200.000 réis) para financiar os custos de uma campanha militar no Alentejo. Fazia questão de mostrar a sua riqueza e empenho no serviço através da dimensão da sua companhia de cavalos: na década de 50 e inícios da de 60, tanto a sua unidade como a do seu genro Dinis de Melo de Castro (futuro Conde de Galveias) ultrapassavam a centena de cavalos, quando a média das demais não ia além das 46 montadas; em 1661 chegaram a corresponder, no seu conjunto, a mais de 12% dos efectivos de cavalaria do exército do Alentejo.

Ia o ano de 1661 avançado quando André Mendes Lobo deixou o serviço na cavalaria. Tão grande era a sua companhia, que foi ordenado fosse repartida e dela se formassem duas. André Mendes Lobo faleceu no final de 1661. Uma carta do Conde de Atouguia, de 3 de Janeiro de 1662, ao Conselho de Guerra (ANTT, CG, 1662, maço 22, consulta de 14 de Janeiro) refere a petição feita por D. Leonor da Silveira, mulher que foi do pagador geral deste exército, e capitão de cavalos André Mendes Lobo, em que a viúva declara desejar continuar a servir a Coroa com o zelo que o fazia seu marido defunto, pedindo que, após a divisão da companhia que fora do seu marido, se desse uma companhia a D. António de Almeida e que outra, com mais cavalos que ela determinava comprar, ficasse assistindo no forte com capitão por ela nomeado, ou que então os cavalos se dessem ao genro, Dinis de Melo de Castro. O Conde de Atouguia refere que mandou o vedor geral do exército do Alentejo fazer proporcionalmente a partilha: achando-se 86 cavalos, deu para duas companhias de 43, e os 110 soldados também se repartiram com igualdade. As companhias foram entregues aos capitães D. António de Almeida (carta patente de 8 de Novembro de 1661) e Philipe Suel (francês, carta patente de 21 de Outubro de 1661). Sobre o pedido de D. Leonor para poder prover o capitão que melhor achar para a companhia que ela queria refazer, o Conde foi de opinião que assim lhe fosse concedido, em graça pelos muitos serviços que o seu marido prestara. Realçou as vantagens tácticas  da companhia assistir no forte – mesmo que ela não o pedisse, seria necessidade fazê-lo, pois ficava acudindo a Elvas, Juromenha, Vila Viçosa e lugares que se seguem Guadiana abaixo, cobrindo muitas herdades, assim das que ficaram de André Mendes como de muitos outros donos, impedindo as partidas que de Arronches (então na posse dos espanhóis) pretendessem passar a Olivença; e assim ficavam os soldados com melhor comodidade de quartel e os cavalos com mais erva. O Conde mostrou-se contra a proposta para que os cavalos se incluíssem na companhia de Dinis de Melo de Castro, pois na mostra de 29 de Dezembro de 1661 havia 117 cavalos naquela companhia.

A que forte se referia D. Leonor da Silveira, não esclarece o documento. No entanto, pode ser o que refere esta passagem da História de Portugal Restaurado: quando, em 1662, D. João José de Áustria invadiu Portugal de novo pela fronteira do Alentejo e marchou sobre Juromenha, (…) na marcha rendeu o exército uma casa-forte do capitão de cavalos André Mendes Lobo, situada entre Vila Viçosa e Juromenha, e guarnecida com uma companhia de infantaria. Mandou D. João de Áustria arrasá-la (…) (ERICEIRA, Conde de, História de Portugal Restaurado, edição on-line, Parte II, Livro VI, pg. 473). Por essa altura já a companhia a que D. Leonor da Silveira pretendera destinar o comandante estava incapaz de operar, pois segundo uma carta do Marquês de Marialva (13 de Junho de 1662, anexa à consulta de 19 de Junho), houvera ordens régias para que nela não fosse provido qualquer capitão e as deserções e incúria tinham-na deixado de todo perdida.

Bibliografia: além dos meus livros O Combatente durante a Guerra da Restauração… e A Cavalaria na Guerra da Restauração…, onde são tratados vários aspectos da carreira militar de André Mendes Lobo e Dinis de Melo de Castro, veja-se também:

COSTA, Leonor Freire; CUNHA, Mafalda Soares da, D. João IV, s.l., Temas e Debates, 2008, pgs. 84-85.

CUNHA, Mafalda Soares da, A Casa de Bragança 1560-1640. Práticas senhoriais e redes clientelares, Lisboa, Editorial Estampa, pgs. 569 e 588.

FELGUEIRAS GAYO, Manuel José da Costa, Nobiliário de Famílias de Portugal, Braga, Carvalhos de Basto, 1989, vol. IV, t. XI, pgs. 247-248, e vol. VI, t. XVII, pg. 428.

Imagem: “Um combate de cavalaria”, Adam Frans van der Meulen (2ª metade do séc. XVII), Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque.

Regresso à “Passagem de Alcaraviça”

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A rematar o seu excelente artigo, o Sr. Santos Manoel interrogava-se sobre o destino do desafortunado sargento-mor da ordenança de Évora, João da Fonseca Barreto. Este oficial sobreviveu ao desaire, mas foi preso e julgado, tendo sido sentenciado em perda do cargo (note-se que, na ordenança, sargento-mor era um cargo que podia ser desempenhado por um militar com outra patente; o mesmo não se passava, contudo, entre as tropas pagas, onde sargento-mor era um posto). João da Fonseca Barreto foi substituído no cargo por João de Mesquita Pimentel, que era capitão-mor de Marvão, em 18 de Abril de 1648. (ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1650, maço 10, consulta de 2 de Agosto, confirmando a situação de João de Mesquita Pimentel.)

Imagem: Philips Wouwerman, “Ataque a um comboio”, meados do séc. XVII, Kunsthistorische Museum, Viena. Uma situação comum na fronteira durante a Guerra da Restauração, onde os comboios de carros e carroças transportando víveres, munições ou até dinheiro eram um alvo apetecido para os beligerantes de ambos os lados.

O episódio da «Passagem de Alcaraviça» – 2ª parte; artigo do Sr. Santos Manoel

Conclui-se hoje o interessante artigo artigo do Sr. Santos Manoel, cuja publicação foi iniciada no último post. Renovo aqui o meus agradecimentos pela permissão concedida pelo Autor para a publicação desta peça de investigação.

Os documentos

Como já foi dito atrás, as notícias de Cádis somadas à movimentação e entradas de Legañes, das quais a de Alcaraviça foi de particular gravidade, fizeram Rei e Conselho pensarem no pior, e o pior era a invasão estar iminente. D João decreta que a Rainha ficaria em Lisboa e passaria a despachar na sua ausência, enquanto ele passaria a Aldeia Galega do Ribatejo (o antigo nome do Montijo), uma posição bem estudada, suficientemente próxima de Lisboa mas dando-lhe campo aberto para começar de imediato a movimentar-se no interior do país caso a invasão começasse.

O trajecto de D João IV durante as operações nesse último trimestre de 1645, tendo por base os locais de emissão das suas cartas e Decretos, foi aproximadamente o seguinte:

– em 20 de Outubro ainda estava em Lisboa;

– a 27 atravessa o Tejo e parte para Aldeia Galega onde permanece pelo menos até 10 de Novembro;

– a 19 já escreve de Montemor-o-novo onde permanece pelo menos até 7 de Dezembro;

– em 11 já está em Setúbal inspeccionando arranjos de defesa;

– em 30 estava de regresso a Lisboa.

Quando passa o Tejo a 27 de Outubro, o episódio de Alcaraviça ainda não se teria dado, nem saberia nada das operações de Legañes em Olivença e da tomada da ponte uma vez que estavam a dar-se precisamente nesse dia. Nessa mesma data, quando escreve a Martim Afonso de Melo fá-lo como um alerta porque, segundo as informações de que podia dispor até esse dia, o inimigo depois de ter chegado a Badajoz inesperadamente parou, não avançou mais. Esse facto continha para D João, e na sua própria expressão, ‘algum mistério’, parecia ser um indício sério de que Legañes apenas fazia um compasso de espera para se retemperar enquanto a armada não se deslocasse. Estaria em marcha a mais ou menos esperada invasão do reino, qualquer coisa parecida com o que se deu em 1580: por terra, pelo Alentejo até Lisboa; por mar, a armada que estava em Puerto Santa Maria e Cádis – cujas manobras e exercícios já lhe tinham sido notificadas, como prova uma carta sua à vereação da Câmara de Lisboa de três dias depois, 30 de Outubro – avançando até à barra do Tejo. Aldeia Galega era um bom local para se aquartelar em caso de uma súbita ocupação naval de Lisboa, contra o quê pouco se podia fazer. A resistência, a confirmar-se o ataque, dar-se-ia no Alentejo.

Avaliando o Rei este estado de coisas, a 4 de Novembro, ainda em Aldeia Galega, escreve a Castelo Melhor aparentemente apenas por ter sido informado de um caso de má liderança de um capitão de uma praça de primeira linha. Pede-lhe que apure responsabilidades e aja em conformidade em relação ao que se passou perto de Vila Viçosa no dia 31 de Outubro, no que parece ter sido um recontro onde a absoluta falta de comando fez com que o capitão mandasse infantaria sem ao menos um cabo, pelo meio das vinhas, contra cavaleiros espanhóis que exploravam os arrabaldes em ‘Fradaga’, ‘Pexinhos’ e a N. Sª da Luz. Essa operação pífia causou a morte de 15 soldados, a captura de mais alguns e a perda de gado. Mas pior que isso, revelou que havia movimentações bem no interior do nosso território, que havia falhas graves de comandantes de praças onde essas falhas não podia ocorrer, e que o facto provocou um sentimento de insegurança em Estremoz, praça que sabia que estava no caminho do invasor para a capital. D João queria simultaneamente sondar o que realmente se estaria a passar na fronteira, que Castelo Melhor fizesse alguma coisa em relação aos comandos e que isso tivesse um efeito benéfico no moral de Estremoz. Nessa carta D João dá o primeiro sinal de foi informado de Alcaraviça: fala de outra desordem de que também foi informado.

A outra desordem é seguramente o desastre da passagem de Alcaraviça, muito pior e mais grave, mas difícil para nós de saber se foi anterior ou posterior ao de Vila Viçosa. Por isso situarmo-lo vagamente na semana entre 27 de Outubro, dia do ataque à ponte e forte de Olivença, e cerca de dois a três dias antes de D João ter escrito a carta de dia 4 de Novembro, tempo mínimo para que a notícia chegasse a Aldeia Galega.

No mesmo dia 4, quando pelos vistos já sabendo da dimensão do que se passou nas Vendas de Alcaraviça, faz Conselho de Estado onde decide e envia ordem a 8 para Pedro Vieira da Silva mandar duas pessoas de qualidade às localidades de onde eram os soldados. A missão era apoiar com ânimo e consolo, mas também com dinheiro as famílias dos que faleceram e foram capturados, bem como com cirurgiões os feridos que necessitassem de cuidados. Ficamos assim a saber que a tropa da Ordenança da Comarca de Évora destroçada pelos espanhóis, contava com um bom número de filhos de Évora, mas também de outra localidade importante a seguir a Estremoz no caminho para Lisboa: da Vila de Arraiolos. Ficamos a saber também que se houve feridos a precisar ser tratados, houve quem escapasse ao massacre. Um deles não foi infelizmente Francisco Gomes de Araújo. Filho de João Gomes de Araújo e de Catarina Jorge de Sousa (ela de Alcácer do Sal), Francisco era um alferes de Évora que morreu no comando de uma companhia ‘na rota de Alcaraviça’, abraçado à bandeira nacional. O alferes e o episódio da sua morte são citados nos ‘Sanches de Vila Viçosa’, que se deu sem margem para dúvidas no episódio de que trata nesta memória.

No dia 10 de Novembro, dois dias após a carta que ordena a transmissão dos sentimentos reais e as ajudas materiais às vítimas e famílias, D João escreve aos juízes, procuradores e vereadores da Câmara de Arraiolos. Alude a uma carta que estes lhe tinham escrito no dia 4 falando do sofrimento que por ali corria pelo que já sabiam ter acontecido à sua gente em Alcaraviça. Esta carta traz um elemento de confirmação dos relatos históricos: o corpo de infantaria era de facto um reforço enviado de Estremoz para Elvas. Assim, acentua-se a impressão de que o corpo de infantaria seguia pela estrada em rota batida e pode ter sido simplesmente emboscado pelo corpo a cavalo espanhol, não tendo tido tempo de se defender ou fortificar-se numa tapada como rezam os cronistas.

Quase um mês depois, a 7 de Dezembro, já em Montemor-o-novo, feitas as diligências junto das famílias e recebendo D João o retorno de informações que entretanto foram colhidas, escreve a Castelo Melhor enviando-lhe petições de familiares dos cativos na refrega e pede-lhe que tente obter as suas libertações pelos meios mais convenientes. As peticionárias que solicitavam prisioneiros espanhóis para troca e eram: D Juliana de Salgado, mulher do Capitão Manuel da Cunha, Antónia de Azevedo, mulher do Alferes Sebastião Rodrigues Francisco e Paula Rodrigues, de Domingos Fernandes, trabalhador. A referência ao estatuto social do preso seria relevante para a escolha dos prisioneiros a trocar.

A 11, D João já está em Setúbal e a 30 de Dezembro de 1645 em Lisboa. Não se encontram mais referências ao caso até 11 de Janeiro de 46. Ignora-se que fim teve a diligência para a troca de presos, mas nessa última data são remetidos ao Dr. João Pinheiro uma carta de Castelo Melhor e outra do Auditor Geral do Exército a acompanhar o dossier da investigação que se fez ao procedimento do Sargento-mor João da Fonseca Barreto ‘quando a gente de Évora e Arraiolos foi morta e aprisionada em Alcaraviça’. O Rei pede que lhe seja enviado o processo para que se formule (ou não, presumo) uma acusação e que se leve a Conselho para se sentenciar.

Ignora-se o teor da relação apresentada, o que se sentenciou sobre o caso e o que se passou a seguir relacionado com ele. Ignora-se mesmo de João da Fonseca Barreto pereceu com os seus ou se sobreviveu. A documentação tem os seus limites. O investigador amador também.

Conclusão

Este episódio de guerra, triste sem dúvida pelas vítimas a lamentar como em todos os episódios de qualquer guerra, se à partida mais utilidade não teria senão permitir que D João regozijasse per opositum com a notícia do feito dos 16 da Atalaia da Terrinha, serviu pelo menos para que o Rei mandasse Joane Mendes de Vasconcelos como Mestre de Campo General para Estremoz, onde segundo os documentos do Conselho chegou de facto a 14 de Novembro. As suas atribuições já previamente definidas tiveram uma adição explícita: receber, treinar e exercitar as levas novas de tropas e conduzi-las a Elvas em segurança. Não se podia repetir o que, certa ou erradamente, ficou na memória da época como um exemplo evitável e absolutamente dispensável de imprudência suicida, explicada pelos dois cronistas por outro problema crónico a somar à escassez de abastecimentos: a inexperiência ou falta de preparação dos comandos.

Imagem: Infantaria do período da Guerra dos 30 Anos (1618-1648). Gravura de Jacques Callot.