O tercio “profetizado” – uma história com origem na campanha de 1663

ferrer-delmau, o último terçoUma das unidades do exército de D. Juan de Áustria que participou na conquista da cidade de Évora, vindo posteriormente a ser derrotada na batalha do Ameixial, foi um terço levantado em Madrid em 1661, com naturais da província de Toledo e designado como tercio de don Diego Fernando de Vera. Teve o baptismo de fogo nesse ano de 1661, no assédio a Arronches, em 15 de Junho, e no ano seguinte participou na campanha do Alentejo, integrado no exército de D. Juan de Áustria. Sob o comando do mesmo general, regressou ao Alentejo em 1663. Na batalha do Ameixial, sempre sob as ordens do mestre de campo D. Diego de Vera, o terço alinhou 5 companhias, com 38 oficiais e 206 soldados (António Álvares da Cunha, Campanha de Portugal…, pg. 89). Apesar da derrota e subsequente fuga do exército espanhol, o terço continuou a existir. Em 1664 fazia parte da guarnição de Badajoz, e em 1665 regressou ao Alentejo, para participar em mais uma derrota das armas de Filpe IV, desta vez na batalha de Montes Claros. Até ao final da Guerra da Restauração, o terço esteve estacionado em Olivença.

A unidade de infantaria continuou a existir, agora como regimento, durante os séculos XVIII, XIX e XX. A sua última designação foi Regimiento de Infantería de Defensa Contra Carros nº 35, tendo sido dissolvido em 1987. Mas por muito tempo foi conhecido como Regimiento de Infantería Toledo nº 35, com o cognome “El Profetizado”. Este cognome teve origem precisamente durante a campanha de 1663, na ocasião da tomada de Évora pelos espanhóis. O então terço de D. Diego de Vera ocupou o convento do Carmo, e durante um intervalo na peleja, o mestre de campo pôs-se à conversa com um religioso português, procurando convencê-lo de que estaria próxima a reconquista, para a Coroa espanhola, do Reino de Portugal. O religioso retorquiu aos argumentos de D. Diego, dizendo cautelosamente que nunca duvidara que Castela viesse a ser dona de Portugal, o que duvidava é que viesse a ser naquela ocasião. E acrescentou que um homem, que Portugal venerava como santo, tinha deixado muitas profecias e entre elas o que estava sucedendo naqueles tempos. Que seriam os castelhanos donos de Évora por três dias, e que entrariam por uma porta e sairiam por outra; que perderiam a batalha de O Cancho [note-se a semelhança com a designação Batalha d’O Cano, que durante muito tempo foi a mais conhecida denominação da batalha do Ameixial], e que um da Casa de Áustria iria fugir pelos montes. Ora a profecia viria a tornar-se realidade, o que levaria o Conde de Clonard a rematar, já no século XIX: casos son estos que antes de suceder causan risa, llanto después de sucedido.

Esta pequena história, cuja veracidade é impossível de comprovar, surge na obra do Conde de Clonard Historia orgánica de las Armas de Infantería y Caballería (Madrid, 1857, tomo IX, pg. 473), e é citada por Álvaro Meléndez Teodoro em Apuntes para la Historia Militar de Extremadura (Editorial 4 Gatos, Badajoz, 2008, pg. 322). Todavia, não deixa de ser curiosa a origem “portuguesa” do cognome de uma unidade militar com tão longa duração no exército de Espanha.

Imagem: “O último terço”, ilustração de Ferrer-Delmau.

De Juan Antonio Caro del Corral chegou este acrescento e correcção, que aqui fica, com os meus agradecimentos; entretanto, corrigi o nome do mestre de campo que surgia acima como “Fernández” em vez do correcto “Fernando”:

Se llamó realmente Diego Fernando de Vera y Vargas, correspondiéndole uno de los puestos de maestro de campo para gobernar los cinco tercios de infantería que, mediado el año 1665, se hallaban acuartelados en la plaza de Badajoz.
Poco antes de salir a la campaña militar, con dirección el sitio de Évora, el tercio de don Diego paso Muestra al objeto de conocer el número exacto de oficiales y soldados que lo integraban.
El viernes, 1 de mayo, se supo que la última recluta de hombres para reforzar dicho tercio, todos procedentes de la provincia de Toledo, no había logrado cumplir las expectativas. A pesar de ello, las diferencias entre lo solicitado y lo verdaderamente recibido fueron mínimas: sólo se echaron en falta 4 soldados, quienes habían desertado antes de llegar a su destino pacense. Por lo tanto, cinco jornadas antes de salir de Badajoz, el tercio de Vera estaba formado, al menos, por 165 infantes.
Peor estadística tuvieron los cuatro tercios restantes, pues uno de ellos alistó 50 soldados menos de lo esperado.
Aún con las faltas, el volumen total de nuevas incorporaciones para los cinco tercios de Badajoz sumaba 1.106 hombres, los cuáles se agregaron a las compañías de los maestros de campo Anielo de Guzmán “marqués de Castel Rodrigo”; Rodrigo de Mújica; Juan Barbosa; Luis Méndez de Haro “marqués del Carpio” y, por supuesto, nuestro Diego Fernando de Vera, líder de aquel tercio que, por caprichos del destino, se apodo “El Profetizado”.

Estremadura espanhola, 1640-1668: concelhos e cargos concelhios face aos alojamentos militares – artigo online do Prof. Fernando Cortés Cortés

Um interessante artigo do Professor Fernando Cortés Cortés, originalmente publicado em 1993 na revista Penélope, está disponível online e pode ser descarregado aqui.

Imagem: “Cavaleiros abrigando-se da tempestade num estábulo”, pintura de Philips Wouwerman.

Postos do exército português (22) – o sargento-mor de batalha

O posto de sargento-mor de batalha foi criado, no exército português, nos inícios de 1663, por insistência de D. Sancho Manuel de Vilhena, Conde de Vila Flor. Foi introduzido desde logo no exército do Alentejo, e os primeiros oficiais que para aquele posto se nomearam foram Diogo Gomes de Figueiredo e Bobadilha (filho) e João da Silva de Sousa.

D. Sancho Manuel argumentou, junto do Conselho de Guerra, a favor da criação do novo posto. A primeira razão que expôs foi a existência daquele posto nos exércitos do Imperador do Sacro Império, a cuja imitação, por se acharem grandes conveniências nestes postos, se tem criado nos de Castela (ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1663, maço 23, carta anexa à consulta de 20 de Fevereiro). A este respeito, recorde-se que ainda antes de 1653 o Marquês de Aytona tinha proposto a introdução do posto de sargento-maior de batalha nos exércitos de Espanha, com autoridade sobre todos os mestres de campo, seguindo uma solução idealizada na Flandres (MOLINET, Diego Gómez, El Ejército de la Monarquía Hispánica a través de la Tratadística Militar, 1648-1700, Madrid, Ministerio de Defensa, 2007, pg.80; o tratado era o seguinte: Discurso Militar proponense algunos inconvenientes de la Milicia destos tiempos y su reparo al Rey nuestro señor por el Marques de Aytona, Valencia, Bernardino Noguès, 1653).

Os motivos para a introdução do posto, porém, eram diferentes. Enquanto o tratadista espanhol procurava solucionar o problema da hierarquia entre os vários mestres de campo envolvidos numa operação, não considerando satisfatória a solução de os submeter ao comando de um general da artilharia ad honorem, já no caso português a questão era mais complexa. Neste caso concreto, tratou-se de  um ataque pessoal ao Conde de Schomberg, que o Conde de Vila Flor receava viesse a ser nomeado mestre de campo general do exército do Alentejo (como efectivamente o foi, por carta régia de 15 de Março de 1663). Na mesma carta em que fundamentava a criação do novo posto, D. Sancho Manuel escrevia: com este posto se escusa o de mestre de campo general, como se vê nos exércitos do Imperador [do Sacro Império], onde o não há, porque servindo os sargentos maiores de batalha às semanas, exercitam o mesmo posto estando às ordens dos generais do exército. Vila Flor não desejava ver Schomberg como seu subordinado no exército do Alentejo. De uma penada, procurou afastá-lo, através da dispensa do mestre de campo general.

Todavia, o resultado prático foi nulo e veio introduzir ainda maior complexidade na cadeia de comando. Não só continuou a existir o posto de mestre de campo general, como os sargentos-mores de batalha iriam ter funções semelhantes aos tenentes de mestre de campo general. Em teoria, um sargento-mor de batalha estaria directamente subordinado a um capitão-general ou tenente-general do exército, ou ao governador das armas – ou seja, ao comandante supremo de um exército provincial; mas na prática, acabava também por estar subordinado ao mestre de campo general.

Imagem: “A morte de Schomberg”. Gravura inglesa representando o fatídico episódio ocorrido na batalha de Boyne (12 de Julho de 1690), onde Schomberg, aos 75 anos, era o segundo-comandante do exército de Guilherme de Orange.

O Real Ejército de Extremadura em Julho de 1642

Mais uma vez estou em dívida para com o estimado amigo Juan Antonio Caro del Corral, que me fez recentemente chegar alguns documentos do Arquivo Geral de Simancas. Um deles diz respeito ao Real Ejército de Extremadura, que era oponente do Exército da Província do Alentejo no principal teatro de operações da Guerra da Restauração. Trata-se de uma listagem detalhada das unidades e respectivos efectivos, semelhante às que tenho divulgado para o lado português. Aqui o transcrevo, traduzido para português, deixando os meus agradecimentos ao Juan Antonio.

Relação dos oficiais e soldados que apareceram na mostra que em três do presente mês [de Julho] se fez ao quatros terços seguintes, nos quartéis de Valverde e Villar del Rey

a) INFANTARIA

Em Valverde

Terço da Nobreza

Companhia do mestre de campo: 6 oficiais, 10 soldados; total: 16 homens.

Companhia do capitão D. Cristoval Hortuño: 6 oficiais, 13 soldados; total: 19 homens.

Companhia do capitão D. Francisco Ortiz de Cayas: 7 oficiais, 18 soldados; total: 25 homens.

Companhia do capitão D. Fernando de Godoy: 7 oficiais, 24 soldados; total: 31 homens.

Companhia do capitão D. Alonso de Esquível: 6 oficiais, 47 soldados; total: 53 homens.

Companhia do capitão D. Cristoval de Vargas: 7 oficiais, 43 soldados; total: 50 homens.

Companhia do capitão D. Garcia Dávila: 6 oficiais, 44 soldados; total: 50 homens.

Companhia do capitão D. Juan de Villaverde: 7 oficiais, 18 soldados; total: 25 homens.

Companhia do capitão D. Pedro Tasso: 6 oficiais, 21 soldados; total: 27 homens.

Companhia do capitão D. Juan Antonio de Rojas: 7 oficiais, 18 soldados; total: 25 homens.

Companhia do capitão D. Lorenzo de Cevallos: 6 oficiais, 20 soldados; total: 26 homens.

Companhia do capitão D. Juan de Inegista: 5 oficiais, 5 soldados; total: 10 homens.

Companhia do capitão D. Suero Garcia Fuero de Valdés: 8 oficiais, 29 soldados; total: 37 homens.

Companhia do capitão D. Antonio Saens de la Peña: 8 oficiais, 33 soldados; total: 41 homens.

Companhia do capitão D. Antonio Juarez de Alarcon: 6 oficiais, 29 soldados; total: 35 homens.

Companhia do capitão D. Francisco Ortiz de Cayas: 7 oficiais, 18 soldados; total: 25 homens.

Companhia do capitão D. Alonso de Parada: 6 oficiais, 13 soldados; total: 19 homens.

Oficiais maiores do terço [primeira plana]: 13 oficiais.

TOTAL DO TERÇO: 123 oficiais, 464 soldados; total: 587 homens.

Terço do mestre de campo D. Francisco Xedler

Companhia do mestre de campo: 7 oficiais, 92 soldados; total: 99 homens.

Companhia do capitão D. Álvaro de Tomes [?]: 8 oficiais, 69 soldados; total: 77 homens.

Companhia do capitão D. Luis Manrique: 6 oficiais, 42 soldados; total: 48 homens.

Companhia do capitão D. Luis de Arrazola: 6 oficiais, 76 soldados; total: 82 homens.

Companhia do capitão D. Cristoval Calvo de la Banda: 6 oficiais, 65 soldados; total: 71 homens.

Companhia do capitão D. Francisco Velasco y Latorre: 6 oficiais, 55 soldados; total: 61 homens.

Companhia do capitão D. Manuel de la Rua: 7 oficiais, 65 soldados; total: 72 homens.

Companhia do capitão D. Diego Cortazar: 7 oficiais, 98 soldados; total: 105 homens.

Companhia do capitão D. Manuel Moreno: 8 oficiais, 79 soldados; total: 87 homens.

Companhia do capitão D. José de Olivares: 7 oficiais, 18 soldados; total: 25 homens.

Companhia do capitão D. Alonso Velloso: 6 oficiais, 93 soldados; total: 99 homens.

Oficiais maiores do terço [primeira plana]: 7 oficiais.

TOTAL DO TERÇO: 81 oficiais, 806 soldados; total: 887 homens.

Terço do mestre de campo D. Patricio Geraldino, de nação irlandesa

Companhia do mestre de campo: 7 oficiais, 56 soldados; total: 63 homens.

Companhia do capitão D. Mauro Suyne: 6 oficiais, 41 soldados; total: 47 homens.

Companhia do capitão D. Diego Geraldino: 6 oficiais, 43 soldados; total: 49 homens.

Companhia do capitão D. Eduardo Butler: 7 oficiais, 57 soldados; total: 64 homens.

Companhia do capitão D. Edmundo de Burgo: 7 oficiais, 40 soldados; total: 47 homens.

Companhia do capitão D. Dionisio Cavanal: 6 oficiais, 47 soldados; total: 53 homens.

Companhia do capitão D. Raymundo Roch: 10 oficiais, 63 soldados; total: 73 homens.

Oficiais maiores do terço [primeira plana]: 15 oficiais.

TOTAL DO TERÇO: 64 oficiais, 347 soldados; total: 411 homens.


Em Villar del Rey

Terço do mestre de campo Marquês de Falies [?]

Companhia do mestre de campo: 4 oficiais, 28 soldados; total: 32 homens.

Companhia do capitão D. Nicolas de Arevalo: 6 oficiais, 68 soldados; total: 74 homens.

Companhia do capitão Matias Sanchez Murillo: 6 oficiais, 62 soldados; total: 68 homens.

Companhia do capitão D. José de Velasco: 6 oficiais, 61 soldados; total: 67 homens.

Companhia do capitão D. Juan Carrasco y Zambran: 6 oficiais, 58 soldados; total: 64 homens.

Companhia do capitão D. Rodrigo Murillo: 6 oficiais, 45 soldados; total: 51 homens.

Companhia do capitão D. Bernardo Piñan del Castillo: 6 oficiais, 62 soldados; total: 68 homens.

Companhia do capitão D. Pedro Ruiz de Prado: 6 oficiais, 30 soldados; total: 36 homens.

Companhia do capitão D. Pedro de Peralta: 6 oficiais, 49 soldados; total: 55 homens.

Companhia do capitão D. Fernando Varela: 6 oficiais, 25 soldados; total: 31 homens.

Companhia do capitão D. Heronimo de Arce: 7 oficiais, 12 soldados; total: 19 homens.

Companhia do capitão D. Martin de Viana: 4 oficiais, 22 soldados; total: 26 homens.

Companhia do capitão D. Celedon Dencisso [?]: 6 oficiais, 17 soldados; total: 23 homens.

Oficiais maiores do terço [primeira plana]: 5 oficiais.

TOTAL DO TERÇO: 80 oficiais, 539 soldados; total: 619 homens.

TOTAL DOS TERÇOS EM VALVERDE E VILLAR DEL REY: 348 0ficiais, 2156 soldados; TOTAL: 2504 homens.

b) CAVALARIA

Em Barcarrota

Companhia do governador da cavalaria: 3 oficiais, 49 soldados; total: 52 homens.

Companhia de D. Alonso Velez: 4 oficiais, 54 soldados; total: 58 homens.

Companhia de D. Pedro Gonzalez de Sepiclueda [?]: 4 oficiais, 23 soldados; total: 27 homens.

Companhia de D. Alonso Velez: 4 oficiais, 54 soldados; total: 58 homens.

Companhia do Conde de Piñonrostro: 2 oficiais, 7 soldados; total: 9 homens.

Companhia de D. Francisco Sellan: 4 oficiais, 47 soldados; total: 51 homens.

Companhia de Pedro Pardo: 5 oficiais, 61 soldados; total: 66 homens.

Companhia de D. Gregorio Ortiz de Ibarra: 5 oficiais, 42 soldados; total: 47 homens.

Companhia de D. Juan Guerrero: 4 oficiais, 26 soldados; total: 30 homens.

Companhia que foi do capitão D. Juan Daza, que por sua morte se deu ao capitão D. Dionizio Ornahuno, que é formada de soldados de nações [ou seja, estrangeiros] que do Reino de Portugal se têm vindo a render a este exército: 2 oficiais, 64 soldados; total: 66 homens.

No Almendral

Companhia do Príncipe de Esquilache: 4 oficiais, 46 soldados; total: 50 homens.

Na Torre

Companhia do capitão D. Rodrigo de Cantos: 3 oficiais, 41 soldados; total: 44 homens.

Em Valverde

Companhia de Jaime Belmar: 5 oficiais, 19 soldados; total: 24 homens.

Companhia de D. Francisco Pacheco: 4 oficiais, 44 soldados; total: 48 homens.

Companhia de D. Juan de Inzueta: 4 oficiais, 29 soldados; total: 33 homens.

Companhia de D. Lucas de Ruezga: 3 oficiais, 18 soldados; total: 21 homens.

TOTAL DAS COMPANHIAS DE CAVALARIA EM BARCARROTA, ALMENDRAL, TORRE E VALVERDE: 56 0ficiais, 570 soldados; TOTAL: 626 homens.

A partir desta relação constata-se que o Real Exército de Extremadura contava com um total de 3.130 homens, dos quais  2.504 eram de infantaria (80%) e 626 de cavalaria (20%). De notar o elevado número de companhias (17) do terço da nobreza, bem como o rácio entre oficiais e soldados (mais de 1 oficial para 5 soldados) dessa unidade, o que, considerando o reduzido efectivo total, a tornaria pouco eficaz como unidade operacional. No entanto, neste segundo ano do conflito, a guerra fronteiriça ainda só conhecera pequenas operações de saque e pilhagem, e a situação do lado português era também de alguma ineficácia organizativa – algo que só começaria a ser mudado nos inícios de 1643, mas muito lentamente.

Fonte: Arquivo General de Simancas, Guerra y Marina, Legajo 1460, “Relación detallada del número de infantería y caballería que forma parte del denominado Real Ejército de Extremadura, acuartelado en la ciudad de Badajoz y villas circunvecinas. Julio de 1642″.

Imagem: Tropas holandesas desarmando-se (c. 1631). Pintura de Joost Cornelisz (1586-1666), Rijksmuseum, Amesterdão.

O Marquês de Torrecuso – por Juan Antonio Caro del Corral

No seguimento da listagem dos capitães-generais da província de Extremadura (Espanha), Juan Antonio Caro del Corral fez um longo comentário a propósito do Marquês de Torrecuso que, pelo seu interesse, é aqui destacado em artigo próprio. No final, acrescentei uma pequena transcrição do Manuscrito de Matheus Roiz a respeito do mesmo general.

Muy eficaz el listado de Capitanes Generales de Extremadura. A fin de profundizar algo más en la figura de aquellos soldados, sirva este ligero apunte sobre el Marqués de Torrecuso.

MARQUES DE TORRECUSO, CAPITAN GENERAL DE EXTREMADURA

Gerolamo Maria Caracciolo, III marqués de Torrecuso. Natural del Reino de Nápoles, fue un afamado militar que estuvo a las órdenes de la monarquía castellana, ocupando puestos de responsabilidad al frente del ejército imperial. Antes de llegar a Extremadura, destaco en la Guerra de Cataluña, dónde perdió a uno de sus hijos. También estuvo presente en el conflicto de los Treinta Años, llegando a vencer a las tropas francesas en la batalla de Fuenterrabía, librada en 1638.

Dada su condición italiana, no es de extrañar que junto a Torrecuso, llegaran muchos soldados de la misma nacionalidad. Entre estos cabe citar a Giovanni Giacomo Mazzacani-Maza, más conocido entre la tropa con el nombre castellanizado de Mazacan. Fue destinado al distrito cacereño de Alcántara-Sierra de Gata, tomando bajo su mando directo la guarnición existente en Zarza la Mayor.

Volviendo a los rasgos biográficos de nuestro personaje principal, fue el 8 de marzo de 1644 cuando Torrecuso hizo entrada en la ciudad de Badajoz, para hacerse cargo, con el pomposo título de Capitán General, de la defensa de toda la frontera extremeña.

Sustituyó al odiado Marqués de Santisteban, cuyo gobierno había provocado gran rechazo no sólo entre la tropa, sino en los propios habitantes de la región.

Torrecuso venía precedido de una aureola de gran militar y estratega, siendo su nombramiento del agrado de la mayoría de oficiales del ejército, el cual se encontraba en una situación bastante penosa, pues sus anteriores responsables se habían ocupado más de enriquecerse personalmente que de dirigir a la soldada.

Por el motivo anterior, el primer empeño del Marqués fue realizar una reforma general con la cual buscaba organizar adecuadamente a sus subordinados. En este sentido fue el primero que incluyo compañías de infantería a caballo, creando también el puesto de sargentía menor en cada uno de los tercios que componían el llamado Ejército de Extremadura.

Con estas labores pronto se gano la simpatía general y, en comparación con su predecesor, se llegó a decir “… i quanto a su antecesor el Conde de Santisteban desestimauan por su facilidad, tamto al Torrecuxo temian i respetauan por su entereça i valor…”.

Fue mucho el trabajo que el nuevo gobernador militar tuvo en su tiempo de mandato. La guerra en 1644 se recrudeció bastante, y las noticias de escaramuzas portuguesas en tierras extremeñas no dejaron de llegar, día a día, a la sede central de Badajoz.

Ejemplo de aquellos sucesos cotidianos para la gente de frontera los encontramos en la zona norte de la Raya, colindante con la Beira Baixa. Fue aquí dónde poblaciones como Membrío y Zarza la Mayor conocieron la crudeza de la guerra, al ser atacados en los meses de abril y mayo respectivamente.

Las armas castellanas de Torrecuso respondieron a aquellas y otras agresiones, con entradas en territorio lusitano, siendo la frontera pacense el escenario elegido para ello. Así, sitios como Ouguela vieron correr por sus campos a la caballería extremeña en más de una ocasión.

Sin duda alguna el momento álgido del gobierno de Torrecuso acaeció el día del Corpús, 26 de mayo, junto a las llanuras de la localidad de Montijo, muy cerca de Badajoz, lugar en el que se libró la que se considera primera batalla de la Guerra de Restauración.

El resultado del combate fue ambiguo, pues los dos bandos enfrentados se apropiaron de la victoria final. En todo caso parece que la batalla tuvo dos momentos clave, dominados cada uno de ellos, respectivamente, por sendas facciones. De hay la eterna duda de quien fue vencedor general.

Torrecuso no estuvo presente en el famoso lance, enviando en su lugar, como máxima autoridad de la tropa castellana, al Barón de Molinghem.

El año siguiente, 1645, continuo la misma tónica. Constantes alarmas y salidas cuyo fin básico era el ganado, realizar rapiña, incendiar poblados, desabastecer al contrario… En definitiva, la forma usual de realizar la guerra en una frontera muy extensa, defendida por un ejército poco profesional, pese a la laboriosidad de Torrecuso por mantener siempre el buen orden y disciplina.

Elvas, Campo-Maior, Jérez de los Caballeros y otros tantos lugares del sur, de nuevo se tornaron en escenario de encuentros campales entre fuerzas portuguesas y castellanas. Mientras tanto al norte, los vecinos de Zarza la Mayor, para vengar el ataque sufrido el año anterior, organizaron un nutrido grupo de jinetes voluntarios, los llamados Montados, semejantes a las compañías pilhantes de Portugal, con el cual batieron varias veces la comarca de Castelo Branco, quemando aldeas como Sao Miguel D´Acha, Ladoeiro, Alcafozes, Zebreira…

Debido a un permanente estado de tensión militar y la noticia de varias derrotas, la buena estrella de Torrecuso se fue apagando. También tuvo buena parte de culpa las rencillas internas, pues entre sus propios oficiales surgieron voces en contra, muy críticas con la forma de dirigir el ejército utilizada por el Marqués.

Él noble napolitano comprendió lo difícil de su situación, y no queriendo perder más crédito en la frontera extremeña, solicitó ser relevado de su cargo, cosa que ocurrió rápido, pues también en la corte de Madrid deseaban ver lejos al italiano.

Para sustituirle entró al mando el Marqués de Leganés, dº Diego Mesia Felipez de Guzmán. Las cosas con él tampoco cambiaron en exceso. Buena prueba es que, a poco de llegar al mando, se produjo el choque llamado posteriormente Ventas de Alcarabica.
Pero eso es otra historia.

Juan Antonio Caro del Corral

(Sobre o combate de Alcaraviça, veja-se o artigo gentilmente enviado pelo Sr. Santos Manoel, publicado aqui e aqui – com um acrescento de minha parte aqui).

A propósito do Marquês de Torrecuso, escreveu nas suas memórias o soldado de cavalos Mateus Rodrigues:

Agora falarei do grande soldado que era o Torrecruz [Torrecuso], que não havia em Espanha soldado como ele. Que a sua guerra foi a mais limpa que nenhum até hoje fez, porque nunca jamais quis que a cavalaria fosse às pilhagens, que as podia fazer mui boas, e também nunca quis derrubar os arcos da Amoreira [referia-se ao aqueduto que abastecia a cidade de Elvas], por onde ia a água à cidade, coisa que [a] havia de pôr em grande aperto, mas dizia ele que esas cosas no las hasian sino picaros. (MMR, pg. 91)

Mateus Rodrigues terá escrito esta passagem por volta de 1657. Se a sua memória em relação ao general espanhol não é muito exacta no que toca às operações de pilhagem, já o respeito que demonstra pelo comandante inimigo revela o legado de fama que Torrecuso deixou entre os soldados portugueses.

Imagem: “Soldados equipando-se”, pintura de Jacob Duck, Minneapolis Institute of Arts. Um detalhe deste quadro já foi incluído num artigo anterior. Note-se o equipamento dos soldados de infantaria (e do dragão que coloca a bandola com os “12 apóstolos” – veja-se as esporas, o que demonstra tratar-se de infantaria montada) e, como curiosidade, o modo de acordar o soldado adormecido, fazendo cócegas com uma espiga no nariz; um pormenor que é possível encontrar noutra pintura do mesmo autor.

Capitães-Generais – Espanha – Província de Extremadura

À semelhança do que foi aqui publicado a respeito dos Governadores das Armas das diversas províncias do Reino de Portugal, apresento agora a lista das personalidades que ocuparam o posto equivalente – Capitão-General – na província de Extremadura.

1641 – Manuel de Acevedo y Zúñiga, Conde de Monterrey.

1641-1643 – Juan de Garay Otañez y Rada.

1643-1644 – Conde de Santiesteban.

1644-1645 – Gerolamo Maria Caracciolo, Marquês de Torrecuso (napolitano; aparece referido em alguns documentos portugueses como “Marquês de Torrecusa”).

1645-1647 – Diego Mesía Felipez de Guzmán, Marquês de Leganés.

1647-1648 – Enrique Pimentel, Marquês de Tavara.

1648-1650 – Diego Mesía Felipez de Guzmán, Marquês de Leganés.

1650-1661 – Francisco de Tutavila y del Tuffo, Duque de San Germán.

1661-1664 – D. Juan José de Áustria.

1665-1667 – Luis de Benavides y Carrillo, Marquês de Caracena.

Bibliografia: TEODORO, Álvaro Meléndez – Apuntes para la Historia Militar de Extremadura, Badajoz, Editorial 4 Gatos, 2008, pgs. 105-123.

Imagem: D. Juan José de Áustria, filho ilegítimo de Filipe IV. Comandou o exército espanhol nas bem sucedidas campanhas do Alentejo de 1661 e 1662. Chegou a conquistar Évora em Maio de 1663, mas acabou por ser derrotado na batalha do Ameixial, em 8 de Junho do mesmo ano. Retrato de 1655-1660, Museu do Prado, Madrid.

Postos do exército português (9) – o capitão de cavalaria

De todos os postos militares, aquele que maior peso tinha no imaginário seiscentista era o de capitão de cavalos. Associado aos valores herdados da nobreza medieval, do capitão de cavalos se esperava, no mínimo, que servisse com a honradez que os ancestrais pergaminhos exigiam. E por isso, a ideia de que o posto devia ser confiado apenas a pessoas de nobre nascimento ainda prevaleceu nas mentes mais conservadoras de alguns, pelo menos nos anos iniciais do conflito. A realidade, todavia, encarregar-se-ia de demonstrar que era preciso muito mais do que uma ascendência fidalga para encabeçar uma companhia de cavalos. A evolução dos modos de fazer a guerra não se compadecia com alguns arcaísmos que teimavam em subsistir. Mas num aspecto o mundo material não desenganava a concepção imaginada das qualidades do posto: os capitães de cavalos eram responsáveis pelas suas companhias ao ponto de garantirem, do seu próprio bolso, a aquisição e manutenção das montadas. A Coroa nunca conseguiu cumprir pontualmente as suas obrigações com os soldos e outras despesas necessárias à manutenção das companhias de cavaria. Isto explica, em parte, o grau de autonomia dos capitães de cavalos e a não introdução do sistema de regimentos no exército português (aliás, também não o havia no exército espanhol).

Em Portugal, as companhias de cavalos do exército pago ou das milícias da ordenança, auxiliares, pilhantes ou moradores eram sempre comandadas por capitães. Exceptuavam-se as companhias dos oficiais superiores, que na prática estavam a cargo dos respectivos tenentes. Havia, no entanto, uma distinção entre os capitães de couraças e os capitães de cavalos arcabuzeiros. As disputas quanto à primazia de uns sobre outros foram motivo para quezílias e mal-entendidos. Só em 1651 ficou assente que os capitães de couraças seriam considerados superiores, na hierarquia militar, aos de cavalos arcabuzeiros, pois até essa data valia a antiguidade das cartas de patente de cada um, o que causava ressentimentos entre os capitães de couraças, cujas companhias eram mais prestigiadas.

Mas o que seria de esperar de um capitão de cavalos? Alguém que passou pelo posto sem grande experiência prévia, nem brilhantismo no desempenho, apesar de possuir a qualidade da nobreza associada à condução de uma companhia, deixou assim escrito no seu esboço de tratado:

O posto de capitão de cavalos, por ser de tanta autoridade e reputação em Espanha, foi sempre pretendido e requisitado de Príncipes e Senhores grandes, em que ainda ordinariamente e assim se devia sempre de prover, não deixando contudo de fora aos soldados de nome e de merecimentos, entendendo-se que na guerra o valor se iguala à melhor nobreza, que só por si não basta para fazer a um capitão perfeito sem ser acompanhada com alguma prática e experiência das armas (…).

Pelo que o capitão que não tiver de guerra muita experiência procurará trazer junto a si algum bom oficial ou soldado velho de suficiência, para que faça menos faltas ou lhe encubra algumas (…).

(…) Os capitães são todos livres administradores de suas companhias e provêem os cargos delas como lhes parece absolutamente, como é tenente, alferes e os outros todos, podendo-os dispor e despedir na mesma forma, dando conta ao general ou ao seu lugar-tenente em sua ausência, que devem deixar aos capitães em sua liberdade, por ser esta a sua preeminência.

Uma visão que reflecte uma noção mais assente na realidade da guerra no terreno. Foi D. João de Azevedo de Ataíde que assim escreveu, a páginas 34 até 37 do seu tratado de cavalaria, entre os anos de 1644 e 1647.

Imagem: Oficiais de cavalaria. Pormenor do painel de azulejos relativo ao último combate da Guerra da Restauração na fronteira de Trás-os-Montes. “Sala das Batalhas”, Palácio dos Marqueses de Fronteira.