Acerca dos terços pagos do período da Guerra da Restauração

caballerc3ada (post)

Os terços pagos de infantaria do período da Guerra da Restauração eram unidades permanentes, como já aqui foi referido em vários artigos. Ainda que não impossível, é tarefa difícil traçar a sua evolução, dada a natureza dispersa e incompleta das fontes primárias (por exemplo, os Livros de Registo e as Consultas e Decretos do Conselho de Guerra) e a imprecisão das referências a determinadas unidades nas narrativas avulsas de combates ou mesmo na História de Portugal Restaurado, fontes impressas nem sempre fiáveis. Gastão de Melo de Matos, no já longínquo ano de 1940, traçou um esboço de história orgânica para os terços da província de Entre-Douro-e-Minho, que no entanto não teve continuidade (veja-se a ligação para a referida obra aqui).

É possível seguir a evolução das unidades se a pesquisa for orientada para o nome dos respectivos mestres de campo, já que os terços eram habitualmente designados pelo nome dos comandantes. Contudo, mesmo a emissão de uma carta patente não garante que determinado oficial tenha ocupado o posto no terço para o qual fora nomeado. Sobretudo nos primeiros anos da guerra, é possível encontrar o registo de várias cartas patente (a segunda parte dos Livros de Registo do Conselho de Guerra era dedicada exclusivamente a este tipo de documentos) cujos postos os titulares nunca chegaram a exercer. Outra das dificuldades é a ocasional troca de unidades entre oficiais por mútuo acordo, depois de já terem estado no comando dos terços por um período mais ou menos longo de tempo. Não sendo muito comum, podia no entanto acontecer, como se encontra reportado pelo menos numa ocasião.

Na consulta do Conselho de Guerra de 22 de Abril de 1664 foi analisada uma petição do mestre de campo Manuel Lobato Pinto, no sentido de lhe ser atribuído o comando de outro terço. Manuel Lobato Pinto fora nomeado para o terço comandado anteriormente por D. Pedro, o Pecinga, mas não tinha patente daquele posto por ter estado na praça de Monforte a reparar as ruínas dela. Daí fora para Vila Viçosa, por necessidade de assistência na fortificação daquela localidade. Razão pela qual entendia que se lhe devia passar patente de mestre de campo do terço que ali estava, que fora de D. Diogo de Faro, ainda que naquela ocasião o comandante do terço fosse o mestre de campo D. Francisco Henriques. Este concordava em efectuar a troca. O Conselho de Guerra deu parecer favorável à pretensão, por estarem de acordo nisso os mestres de campo e por não prejudicar o serviço das armas reais. O próprio monarca deu o consentimento em 30 de Abril de 1664.

Deste modo, o terço que fora do napolitano D. Pedro, o Pecinga e que devia ter sido comandado por Manuel Lobato, passou a ter como comandante D. Francisco Henriques, e o que este comandava e que anteriormente tinha sido de D. Diogo de Faro, passou a ser comandado por Manuel Lobato Pinto. Estas pontuais alterações tornam por vezes difícil traçar com precisão o percurso de uma unidade no âmbito da história orgânica.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1664, mç. 24, consulta de 22 de Abril de 1664.

Imagem: Combate do período da Guerra dos 30 Anos, pormenor de um quadro de Pieter Post.

Os capitães-mores nas fronteiras de guerra em 1645 – parte 1, província do Alentejo

Sobre o tema desta pequena série de artigos, que será publicada em duas partes, já foi aqui feita uma primeira referência há cerca de dois anos e meio, a propósito do cargo de capitão-mor. Cronologicamente, esse artigo reporta-se ao ano imediato ao que aqui se traz, pelo que poderá ser consultado e comparado com este e o próximo.

Em 1645, ano marcado por uma série de reformas na estrutura do exército português, foi mandado fazer um levantamento dos titulares do cargo de capitão-mor nas diversas províncias do Reino, de forma a que se pudesse estabelecer os gastos com os soldos e a suprimir os que fossem considerados desnecessários. Foi esse o assunto de uma consulta do Conselho de Guerra de Junho de 1645. Anexa a esta consulta encontra-se uma relação extensa e minuciosa sobre os lugares de todas as províncias que tinham capitão-mor, cujo título, todavia, não é totalmente exacto, pois ao contrário do que enuncia, não inclui o Reino do Algarve (designação tradicional da província meridional de Portugal). Uma carta posterior, com assinatura do secretário Pedro da Silva, datada de 17 de Agosto, também se encontra com estes documentos, e traça as conclusões da análise à lista, fazendo ao mesmo tempo algumas propostas.

Recordava o secretário que na província do Alentejo fora ordenado pelo Rei que houvesse praças presidiais (ou seja, com guarnição permanente de tropas pagas), cada uma com sua dotação; e que a praça de armas estivesse em Estremoz, onde estaria o troço de exército que restasse depois de todas as praças se encontrarem dotadas (na verdade, só muito mais tarde, no decurso do conflito, seria aquela localidade elevada a praça principal da província, sede do governo militar, papel que durante grande parte da guerra seria desempenhado por Elvas); e que se tinha determinado que só nas vilas de Montalvão, Castelo de Vide, Alegrete, Ouguela, Juromenha, Mourão e Moura houvesse capitães-mores pagos, e em Vila Viçosa e na vila de Estremoz, havendo esta de ser praça de armas. Concluía que até à data não constava que se tivesse guardado o que se tinha disposto, nem depois que o Conde de Castelo Melhor passara a ser governador das armas chegara qualquer pé de lista à Contadoria.

Em relação aos capitães-mores pagos, o secretário propunha que se extinguissem os de Nisa, Veiros, Monforte e Cabeço de Vide – o que tinha ficado determinado quando se fez a dotação da província. Solicitava que o Rei fosse servido ordenar ao Conselho de Guerra que assim o fizesse, para evitar confusões, dando como exemplo o caso do capitão-mor de Veiros, que estava reformado, segundo a relação, mas ainda auferia o mesmo soldo, como se não o estivesse.

Fazia ainda dois reparos: o soldo do sargento-mor de Villanueva del Fresno, Francisco Pais, que vencia 26.000 réis, quando devia vencer apenas metade. E o soldo do capitão-mor de Mértola, que aparece na relação como sendo de 13.000 réis, quando devia ser apenas de 8.000. Quanto aos capitães-mores das outras províncias, não se podia na Contadoria saber quais os que eram necessários, por não estarem as praças dotadas.

O ficheiro com a lista dos capitães-mores encontra-se em PDF, bastando clicar com o rato sobre a ligação para o visualizar.

CM Província do Alentejo 1645

Fonte: Rellação das praças da Raya, das Prouincias de Alentejo. Beira. Tras os Montes. Entre Douro e Mynho, e do Reyno do Algarue, e nomes dos Capitães mores dellas, e os que uencem soldo e uencem a sua custa, proveniente da Contadoria Geral; e carta do secretário Pedro da Silva, de 17 de Agosto de 1645. ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1645, maço 5.

Imagem: “A emboscada”, pintura de Sebastian Vrancx.

Efectivos do exército da província do Alentejo em Setembro de 1661 (Parte 3 – a cavalaria estrangeira e os efectivos totais)

Conclui-se aqui a apresentação dos efectivos do exército da província do Alentejo com as listas da cavalaria estrangeira. Nesta época havia apenas dois regimentos de cavalaria francesa, um nominalmente sob o comando do Conde de Schomberg, que era ao tempo mestre de campo general do exército da província (daí que o título de coronel do regimento fosse honorífico; o comando no terreno era exercido pelo tenente-coronel Chavet); e o segundo era o muito reduzido regimento do coronel Monjorge, que sofrera com o assalto ocorrido durante a viagem para Portugal por parte da marinha de guerra espanhola. A captura de parte dos navios que transportavam o regimento significou o aprisionamento de muitos oficiais e soldados, incluindo o próprio Monjorge, de modo que o regimento era comandado pelo sargento-mor Sausé. Como era habitual na maioria dos documentos da época, os nomes próprios dos oficiais estrangeiros surgem em português.

[Abreviaturas: – Companhia; Cap – Capitão ; Of – Oficiais; Sold – Soldados]

Regimento das companhias francesas de que é coronel o Conde de Schomberg, mestre de campo general do Exército

Of

Sold

Todos

Cavalos

Cª do mestre de campo general

7

93

100

91

Cª do sargento-mor Bogni

1

43

44

47

Cª do tenente-coronel Jeremias Chavet

7

53

60

60

Cª do cap. João Salomon

4

54

58

51

Cª do cap. Bartolomeu de Brand

4

38

42

44

Cª do cap. João Morignac

2

47

49

21

TOTAL

25

328

353

314

Regimento do coronel Monsieur de Monjorge

Cª do sargento-mor M. de Sossé

4

30

34

14

Cª do cap.  Du Mortier

3

12

15

4

Cª do cap. Labotinière

1

24

25

0

TOTAL

8

66

74

18

TOTAIS

Of

Sold Todos Cavalos
Os terços da infantaria da guarnição deste Exército

867

5234

6101

60 companhias de cavalos portuguesas (incluso duas companhias soltas de cavalaria francesa)

283

2683

2966

2879

Regimento francês do Conde de Schomberg

25

328

353

314

Regimento francês de Monsieur Monjorge

8

66

74

18

TOTAL DA CAVALARIA

316

3077

3393

3211

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1661, maço 21, “Relação dos Officiais, e Soldados da Infantaria e Cauallaria deste Ex[érci]to que se acha effectiua, Conforme consta dos roes de Lista da ultima m[ost]ra, que se lhes passou na maneira seguinte”.

Imagem: Cena de batalha, pintura de Sebastian Vrancx.

Efectivos do exército da província do Alentejo em Setembro de 1661 (Parte 2 – a Cavalaria Portuguesa)

Continuando a apresentar a lista das unidades do exército do Alentejo em 9 de Setembro de 1661, cabe agora a vez às companhias da cavalaria portuguesa. A introdução da estrutura regimental começava por esta altura a ser aflorada no Conselho de Guerra, por sugestão do Conde de Schomberg, mas esse passo nunca seria dado no decurso do século XVII. Daí a inexistência de um escalão superior ao de companhia nesta lista, embora no terreno, por motivos tácticos, se constituíssem troços comandados pelos comissários gerais, agrupando várias companhias.

De notar que algumas companhias apresentavam cavalos em número superior ao número de militares, enquanto em outras havia cavaleiros apeados por falta de montadas. Isto decorria do “Contrato com os capitães de cavalos”, de Abril de 1647, que continuava em vigor e que era visto por Schomberg como um entrave à eficaz administração, organização e disciplinação da cavalaria portuguesa.

Alguns oficiais cujos nomes surgem no quadro já foram aqui referidos em anteriores artigos, nomeadamente André Mendes Lobo e Pedro César de Meneses (basta fazer uma pequena pesquisa com o motor de busca do blog para encontrar os artigos onde são mencionados). Mas há outros cujas notas biográficas serão aqui trazidas a seu tempo – por exemplo, o capitão Jácome de Melo Pereira, fidalgo e membro da Ordem de Cristo, distinto capitão de cavalaria, com uma longa e brilhante folha de serviços, que seria preso pela Inquisição em 1665, acusado de judaísmo, e mais tarde executado na fogueira em Évora.

Companhias de Cavalaria

[Abreviaturas: TG – Tenente-General; CG – Comissário Geral; Of – Oficiais; Sold – Soldados]

[Nos casos em que nenhuma patente é indicada antes do nome (a maioria presente no quadro), o comandante é sempre capitão]

Companhias

Of

Sold

Todos

Cavalos

Guarda do Governador das Armas

6

38

44 49

General da Cavalaria

3

62

65

72

TG Dinis de Melo de Castro

4

102

106

106

TG João de Vanichelli [italiano]

4

39

43

48

TG D. João da Silva

4

70

74

75

CG D. Luís da Costa

6

70

76

77

Couraças, D. Manuel Luis de Ataíde

6

66

72

76

Couraças, João do Crato

7

77

84

87

Couraças, Duarte Fernandes Lobo

6

34

40

34

Couraças, Miguel Barbosa da Franca 6 32 38

37

Couraças, Gaspar de Paiva 5 33 38

37

Couraças, Manuel de Paiva Soares 4 44 48

44

Couraças, António Coelho de Góis 6 74 80

72

Couraças, Pedro César de Meneses 7 43 50

47

Companhia que foi de Frei Jorge de Melo [falecido] 4 41 45

32

João de Sainclá [francês] 6 37 43

37

Simão Borges da Costa 5 33 38

38

Manuel Mendes Mexia 7 46 53

47

António de Sequeira Pestana 5 31 36

39

Pedro Furtado de Mendonça 5 38 43

45

Manuel Rodrigues Adibe 4 23 27

28

Diogo de Mesquita 6 29 35

38

Bernardo de Faria 4 42 46

36

Gomes Freire de Andrade 6 44 50

46

Aires de Saldanha 6 37 43

44

André Mendes Lobo 5 141 146

135

Estêvão da Rocha 6 42 48

40

António Fernandes Marques 4 36 40

44

Bernardo de Miranda 2 34 36

31

João Furtado de Mendonça 5 47 52

54

Jácome de Melo Pereira 4 40 44

48

António Botelho 4 28 32

37

Ambrósio Pereira 6 59 65

60

Henrique Rozendo 5 33 38

43

Frei Rui Pereira 5 41 46

36

Jerónimo de Moura 4 46 50

47

Filipe Ferreira Ferrão 3 38 41

43

Francisco Cabral Barreto 4 41 45

48

Duarte Lobo da Gama 4 40 44

42

Henri de Lamoniére [francês] 3 34 37

28

Jorge Dufresne [francês] 2 38 40

40

Luís Gonçalves de Azevedo 6 33 39

39

Bartolomeu de Barros Caminha 4 47 51

49

D. Francisco Henriques 6 32 38

45

Barão de Sauserais [francês] 2 32 34

32

Roque da Costa Barreto 6 39 45

42

Filipe de Azevedo 3 43 46

44

José Pessanha de Castro 6 48 54

54

Matias da Cunha 6 34 40

36

D. Manuel Lobo 4 43 47

38

Luís de Saldanha 5 31 36

41

Herman Ricol [alemão] 5 30 35

30

João Vieira Mendes 6 44 50

44

La Richardière [francês] 5 52 57

49

D. Rafael de Aux [catalão] 3 24 27

28

Preboste geral João da Costa 5 49 54

49

Pilhantes de Marvão, cap. Manuel da Fonseca 3 33 36

36

Pilhantes de Nisa, cap. Francisco de Matos 4 39 43

43

Pilhantes de Montalvão, de que foi cap. Inácio Correia 3 56 59

59

Pilhantes de Alegrete, cap. Diogo Rodrigues Tourinho 3 51 54

54

TOTAIS

283 2683 2966

2879

 

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1661, maço 21, “Relação dos Officiais, e Soldados da Infantaria e Cauallaria deste Ex[érci]to que se acha effectiua, Conforme consta dos roes de Lista da ultima m[ost]ra, que se lhes passou na maneira seguinte”.

Imagem: Par de pistolas de cavalaria (com mecanismo de corda) e sela com coldres; equipamento sueco do período da Guerra dos 30 Anos (1618-1648), presente no Museu Militar de Estocolmo. Foto de JPF.

Efectivos do exército da província do Alentejo em Setembro de 1661 (Parte 1 – a Infantaria)

Em 9 de Setembro de 1661 foi passada uma mostra a todas as unidades pagas do exército da província do Alentejo (excluindo a artilharia, cuja especificidade não obrigava a participar nesta revista geral, como hoje se diria). São raros os documentos sobreviventes que nos permitem ter uma percepção detalhada das forças que compunham, a um dado momento, o exército de uma província.

Devido às características do WordPress, que torna difícil a apresentação de múltiplas tabelas pré-formatadas, o rol das forças será dividido em várias partes.

Algumas notas sobre os mestres de campo apresentados na lista: D. Luís de Meneses seria, como é sabido, o futuro 3º Conde de Ericeira; D. Pedro, o Pecinga (ou Opecinga como também surge em vários documentos) era um nobre napolitano que havia servido o rei Filipe IV de Espanha, mas que se encontrava homiziado em Portugal devido a um crime cometido no reino vizinho e servindo a monarquia portuguesa; e Francisco Pacheco Mascarenhas, que anteriormente fora capitão de cavalos, comandara a última companhia em que serviu o memorialista Mateus Rodrigues.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1661, maço 21, “Relação dos Officiais, e Soldados da Infantaria e Cauallaria deste Ex[érci]to que se acha effectiua, Conforme consta dos roes de Lista da ultima m[ost]ra, que se lhes passou na maneira seguinte”.

Imagem: Mais uma perspectiva da excelente maquete representando piqueiros e mosqueteiros suecos do período da Guerra dos 30 Anos (1618-1648), presente no Museu Militar de Estocolmo. Foto de JPF.

Terços de Infantaria

[Abreviaturas: MC – Mestre de Campo; Of – Oficiais; Sold – Soldados]

Terços

Of

Sold

Total

MC D. Luís de Meneses 90

880

970

MC D. Francisco Mascarenhas

103

737

840

MC D. Pedro, o Pecinga (ou Opecinga)

98

607

705

MC D. Jorge Henriques

82

366

448

MC João Leite de Oliveira

86

550

636

MC D. Pedro Mascarenhas

92

415

507

MC Agostinho de Andrade Freire

101

670

771

MC Pedro de Melo

71

361

432

MC Francisco Pacheco Mascarenhas

66

271

337

MC Fernão da Mesquita Pimentel

78

377

455

Totais

867

5234

6101

Infantaria do Exército da Província do Alentejo em Maio de 1663

Um dia depois de D. Juan de Áustria ter saído de Badajoz com o seu exército, abrindo a campanha do Alentejo de 1663, era remetida ao Conselho de Guerra em Lisboa a lista da infantaria de que dispunha o exército daquela província. Quase 13.000 homens repartidos por oito praças, efectivos cuja junção levaria vários dias a concretizar-se, impedindo assim que fosse barrada a marcha ao exército espanhol que rumava à conquista de Évora.

As praças e as unidades nelas estacionadas eram as seguintes:

Estremoz

Terço da Armada, do mestre de campo Simão de Vasconcelos e Sousa (irmão do 3º Conde de Castelo Melhor, o Escrivão da Puridade e valido do rei D. Afonso VI) – 825 homens, dos quais 87 de baixa por doença.

Terço do mestre de campo napolitano D. Pedro Opecinga476 homens, dos quais 52 de baixa por doença.

– Terço do mestre de campo Tristão da Cunha de Mendonça287 homens, dos quais 9 de baixa por doença.

– Terço do mestre de campo Roque da Costa Barreto418 homens, dos quais 40 de baixa por doença.

– Terço do mestre de campo Lourenço de Sousa508 homens.

– Terço pago de Trás-os-Montes310 homens.

– Terço pago do Algarve457 homens (faltavam ainda 3 companhias, que eram esperadas em Estremoz).

– Terço de Auxiliares de Santarém310 homens.

– Terço de Auxiliares de Vila Viçosa212 homens.

– Regimento de Ingleses do tenente-coronel Thomas Hunt694 homens, dos quais 45 de baixa por doença.

– Regimento de Ingleses do coronel James Apsley495 homens.

Companhias soltas de Italianos263 homens, dos quais 26 de baixa por doença.

Vila Viçosa

– Terço do mestre de campo D. Diogo de Faro279 homens.

– Terço do mestre de campo João Furtado de Mendonça543 homens.

Elvas

– Terço do mestre de campo Francisco da Silva de Moura734 homens.

– Terço do mestre de campo Fernando de Mascarenhas 550 homens.

Campo Maior

– Terço do mestre de campo Pedro César de Meneses462 homens.

– Terço do mestre de campo francês Jacques Alexandre de Tolon360 homens.

– Terço pago de Cascais532 homens.

– Terço de Auxiliares de Avis350 homens.

Portalegre

– Terço do mestre de campo Alexandre de Moura630 homens, dos quais 130 de baixa por doença.

– Terço de Auxiliares de Portalegre 400 homens.

(Na altura da elaboração da lista, tinha chegado a Portalegre o terço pago da Beira, cujo efectivo ainda não fora contabilizado.)

Mourão

– Terço do mestre de campo Martim Correia de Sá350 homens.

– Terço do mestre de campo Miguel Barbosa da Franca501 homens.

– Terço de Auxiliares de Évora541 homens.

Moura

– Terço de Auxiliares de Campo de Ourique600 homens.

– Terço de Auxiliares de Beja350 homens.

Castelo de Vide

– Terço de Auxiliares do Priorado do Crato320 homens.

A distribuição dos militares por praças era a seguinte:

Estremoz – 5.469 (dos quais 1.259 doentes).

Vila Viçosa – 822.

Elvas – 1.284.

Campo Maior – 1.704.

Portalegre – 1.030 (dos quais 130 doentes).

Mourão – 1.392.

Moura – 950.

Castelo de Vide – 320.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1663, maço 23, “Lista da infantaria que se acha nas praças desta prouincia de Alentejo em 7 de Maio 663”.

Imagem: Mapa da Província do Alentejo, c. de 1700. Biblioteca Nacional.

Regimento do Vedor Geral (29 de Agosto de 1645) – parte 13 e última

Com esta parte encerra-se a publicação do Regimento do Vedor Geral de 29 de Agosto de 1645, que nos ocupou durante alguns meses. Espero que, a partir do próximo ano, possa voltar a ter mais tempo disponível para dedicar a este blogue.

83. E porque na Contadoria Geral de Guerra que está nesta Corte há-de haver a conta e razão do dinheiro, fazenda, provisões e mais coisas que se gastam e se distribuem de minha fazenda nos exércitos e fronteiras de meus Reinos, e nela se hão-de dar as certidões das contas que se tomarem ao pagador geral, pagadores, almoxarifes e mais pessoas em cujo poder haja entrado algumas das coisas sobreditas, para o que é necessário se remetam à dita Contadoria Geral as listas, livros relações e mais papéis que o superintendente da dita Contadoria vir serem necessários; assim para se tomarem as ditas contas, como para seus recenseamentos, ajustamentos e o mais que for necessário, tocante à boa arrecadação do que de minha fazenda se gasta nos ditos exércitos. Mando que o vedor geral, vedores, contadores, almoxarifes, seus escrivães e outras quaisquer pessoas que tenham a conta e razão da dita minha fazenda tocante aos ditos exércitos, ou que haja entrado alguma coisa dela em seu poder, mandem e remetam ao dito superintendente todos os livros, listas e mais papéis referidos só em virtude de suas ordens firmadas de sua mão, registados na dita Contadoria Geral de Guerra, porque é minha vontade se guardem as ditas ordens que neste particular der o dito superintendente como se fossem minhas próprias, que assim convém a meu serviço.

84. E neste Regimento, na forma que nele contém, mando que o vedor, contador e oficiais que hoje são, e ao diante forem de meus exércitos cumpram e guardem inteiramente, e os governadores das armas, mestres de campo generais e todos os mais oficiais da milícia [termo aqui entendido como exército] lho deixem cumprir e guardar, e lhe dêem para isso toda a ajuda e favor sem que algum deles, por mais supremo cargo e autoridade que tenha, possa ordenar que contra o disposto no dito regimento se altere coisa alguma, porque para este efeito desde logo o privo de toda a jurisdição e autoridade que tiverem, ou pretenderem ter para o fazerem, e se não poderão valer de estilo ou costume em contrário, porque todos e quaisquer que houver anulo e dou por nenhuma força e vigor. E quando, sem embargo disto, as ditas pessoas intentem mandar alguma coisa contra este regimento, seus mandados se não cumpram, nem por eles se fará obra alguma, por serem nesta caso de pessoas particulares, que não só obram sem jurisdição, mas contra minhas ordens e proibição, e sendo caso que se passe provisão ou carta minha por mim assinada contra o disposto neste Regimento se não guardará, salvo levar especial menção do capítulo ou parte que se derrogar, e sem ficar primeiro registada na Contadoria Geral, e para se evitarem confusões de diferentes ordens que pelo Conselho de Guerra, Junta dos Três Estados e Contadoria geral se podem passar, não tendo notícia do que neste Regimento é disposto, mando que em todos eles se registe. E quando me consultarem a petição de partes, ou de seu motu coisa alguma contrária ao que nele se dispõe, farão disso especial menção na Consulta e o vedor geral e contador, e mais oficiais que o contrário fizerem, ou cumprirem, perderão por isso o ofício e ficarão privados de toda a aução que podem ter por seus serviços, e além disso serão castigados como o caso o merecer; e todas as leis, regimentos e estilos que a este Regimento forem contrários, naquilo em que o encontrarem [ou seja, contrariarem] derrogo de minha certa ciência e poder real, e ainda que dele se requeira especial menção, este regimento valerá como carta feita em meu nome, posto que seu efeito haja de durar mais de um ano, e posto que não passe pela Chancelaria, sem embargo da Ordenação L[ivr]o 2º, títulos 39-40-44.

Francisco Mendes de Morais o fez em Lisboa a vinte nove de Agosto de seiscentos quarenta e cinco. Gaspar de Faria Severim o fiz escrever. Rei.

Fonte: Arquivo Histórico Militar, 1ª divisão, 2ª secção, caixa 3, nº 1.

Imagem: Oficial do Exército Sueco, séc. XVII. Museu Militar de Estocolmo. Fotografia de JPF.

Regimento do Vedor Geral (29 de Agosto de 1645) – parte 12

Aproximamo-nos do fim da transcrição do Regimento do Vedor Geral, que tem ocupado a quase totalidade da actualização do blogue nestes últimos meses, e que entra aqui na sua penúltima parte. Aproveito para informar que acrescentei à parte 11 mais uns capítulos que faltavam para a completar. Deste modo, a última parte é totalmente dedicada à legislação sobre as presas, num total de seis capítulos, que seriam revogados no decurso da guerra por um Regimento específico, o Regimento do Quinto das Presas, de 9 de Agosto de 1658.

Presas

79. De todas as presas que se fizerem me toca o quinto como a Rei e senhor natural, e para que elas se repartam com toda a igualdade e nenhum fique agravado nem agravado da parte que lhe toca, se fará sua repartição da maneira seguinte.

80. Logo que chegue a dita presa às praças de minhas fronteiras , entrará em poder do almoxarife de onde se houver de vender, e o auditor geral do exército tomará conhecimento dela, fazendo-a inventariar, e a sentenciará por boa, conhecendo não ser de meus vassalos, nem feita em terras de meus reinos, e sentenciada a fará vender em pública almoeda, com pregões lançados com tambores, sendo feita pela Infantaria, e sendo pela Cavalaria, com trombetas; e se algum ocultar alguma coisa, além de ser privado da parte que lhe toca, será gravemente castigado; e tanto que estiver vendida, mandará o dito auditor geral descontar primeiro do monte maior os gastos que se fizeram com a dita presa, e depois se tirará o meu quinto, que se carregará em receita ao pagador geral, e o mais se repartirá entre os oficiais e soldados que a fizeram, dando-se-lhes suas partes conforme a soldo que gozam, e a o cabo da dita presa em dobro, que será duas partes, e também ao governador das armas e mestre de campo general se lhe dará sua jóia em reconhecimento de serem superiores, e em que por suas ordens e disposição se hão-de fazer as ditas presas, mas pelo valor destas jóias que se lhe derem se há-de conhecer se dão mais por reconhecimento que por quantidade; e na mesma forma se dará outra jóia ao general da cavalaria, ou quem seu cargo servir, sendo feita pela cavalaria, e também terá sua parte o dito auditor geral pelo trabalho referido que será a parte de dois dos soldados que fizerem a dita presa. E os que morrerem na peleja em que se ganhar a presa, haverão sua partes como se ficaram vivos, a qual o vedor geral mandará depositar para se fazer bem por suas almas, e haverem seus herdeiros a parte que lhe tocar, conforme as Ordenanças deste Reino, como também terá cuidado que os ditos meus quintos se não descaminhem até entrarem em poder do dito pagador geral e se lhe faça receita deles.

81. E levando-se as ditas presas a parte e praças donde não assista o dito auditor geral, se venderão na conformidade referida com assistência do auditor da dita praça donde se vender, ou quem seu cargo servir, e pois cada mês se vai a passar mostra a todas as praças das ditas fronteiras, o comissário, ou comissários que as forem passar trarão consigo os autos e mais papéis que se causarem na venda e repartição das ditas presas, e os entregarão na Contadoria do Saldo para que nela em todo o tempo conste por eleso que renderam, e se possa dar, e se dê pela dita Contadoria relações a meus Conselhos e Contadoria Geral de Guerra, cada seis meses, do que renderam as ditas presas, e quintos.

82. Nenhum oficial da guerra, soldo e fazenda comprará por si, nem interposta pessoa, coisa alguma das presas que se tomarem, com pena de privação de seus cargos, e perderem em dobro para minha fazenda o que tiverem dado pelas tais presas, e para que isto se consiga como convém a meu serviço, mando que o auditor do dito Exército, na praça onde assistir, e os auditores, ou quem seus cargos servir das mais praças, tirarão devassa de três em três meses das pessoas que fizerem o contrário do disposto neste capítulo, e além das tais devassas, tendo notícia de que alguma das sobreditas pessoas incorreu nesta culpa, farão autos e perguntarão testemunhas, e tudo o que resultar remeterão à Contadoria Geral de Guerra, para ali se tratar da execução na parte que tocar a minha fazenda, e no que tocar ao crime procederá o auditor na forma de seu regimento; e o vedor geral terá particular cuidado de fazer dar à execução o conteúdo [contido] neste capítulo e o fará a saber ao governador das armas, para que faça lançar bandos para que venha à notícia de todos.

Fonte: Arquivo Histórico Militar, 1ª divisão, 2ª secção, caixa 3, nº 1.

Imagem: Comboio de munições, exército inglês, década de 1660. Gravura coeva.

Regimento do Vedor Geral (29 de Agosto de 1645) – parte 11

73. E pelo muito que convém a meu serviço e boa arrecadação do dinheiro que entrar em poder do pagador geral, haja conta e razão que convém: mando que na Vedoria Geral, e Contadoria, haja dois livros de receita, nos quais se carregará o dinheiro que entrar em seu poder, declarando quem o entrega, e por conta de quem o recebe, a quem pela dita Contadoria se lhe dará conhecimento em forma, em virtude da dita receita, firmado pelo dito contador, e pagador geral, e da despesa que se lhe der será da maneira seguinte.

74. Os oficiais que passarem as mostras, passarão ao dito pagador geral certidões do dinheiro que seus oficiais pagarem nas ditas mostras, em virtude do que importarem os pés de lista, que será o mesmo que pagarão e receberão os oficiais e soldados conteúdos [contidos] nas ditas mostras e pés de listas, para com estas certidões os ditos oficiais do pagador geral lhe darem a ele conta, e elas lhe sirvam de resguardo do dinheiro que despendeu, as quais, justificadas pelo contador com os ditos pés de listas, lhe passará um mandado de despesa, claro e com muita distinção, declarando por quantos dias se pagou aos oficiais da primeira plana da Corte, pondo seus nomes e o dinheiro que cada um recebeu, e logo começando pelos oficiais maiores de um terço, nome por nome, seguindo suas companhias com os nomes dos capitães, alferes, sargentos, tantos cabos e tantos soldados, seguindo-se logo os mais terços; e a cavalaria da mesma maneira, declarando os nomes de todos os das primeiras planas e seguindo-se os soldados; seguir-se-ão logo alguns mandados de compras, e de alguns se pagarão, depois de cerrados os pés de listas, soldados vindos de Castela que se mandam ajustar com suas companhias, correios e coisas semelhantes, tudo o que há de ser e há de concluir no dito mandado de despesa do dito mês que se pagou aos ditos soldados, para que por eles se saiba toda a despesa do gasto no dito mês, que para isso se manda no capº. 72 deste Regimento que nenhuma pessoa distribua, nem pague dinheiro senão o dito pagador geral, e feito este dito mandado de despesa pela dita Contadoria, com toda a distinção e clareza, por que tempo, e oficiais e soldados de Infantaria e Cavalaria portuguesa, francesa e holandesa, que pão, cevada e palha, e desconto da contribuição do Hospital, e este dito mandado virá ajustado, e justificado, e visto, e confrontado pelo oficial maior da Vedoria Geral e firmado pelo vedor geral e contador, deixando reservado o lugar que meus Conselheiros de Guerra em papéis reais para que eu o firme, no qual se declarará que tudo o pagado nele foi com ordem do governador das armas, no tocante a soldos, e no tocante a compras, e mais despesas com a do vedor geral, e tudo com sua intervenção, e sem outro despacho se levará em conta ao pagador geral, para o que se remeterá a esta Corte e Contadoria Geral de Guerra, para que nela se veja e se tome razão dele, o qual o superintendente da dita Contadoria terá cuidado depois de visto e confrontado, de mo apresentar para que eu o firme, e depois de firmado o remeterá às ditas fronteiras, ao dito contador, que o entregará ao dito pagador geral para sua despesa, cobrando primeiro dele um resguardo que lhe dará do dinheiro que importarão os papéis por onde se causou e fez o dito mandado de despesa, e o dito resguardo se romperá, e nesta forma se farão os ditos mandados de despesa do pagador geral de cada mês; e se adverte que todos os papéis que firmar o vedor geral, e fizer o contador, hão de ser vistos e ajustados pelo oficial maior da Vedoria Geral; porque não o sendo, será necessário os ajuste o dito vedor geral, para os firmar.

75. E para que os outros dois livros que há de haver na Vedoria Geral, e Contadoria, para a receita de cada almoxarife, do referidos no capº. 29 deste Regimento, se lhes façam a receita com a justificação necessária, ao bom cobro, e arrecadação de minha fazenda, mando se faça nesta forma. Os escrivães dos ditos almoxarifes terão seus livros, onde notem as praças que tem cada companhia, e não darão papel a nenhum sargento da dita infantaria, nema furriel da cavalaria para que recebam do assentista coisa alguma, sem que pelas mostras que lhes passarem os ditos oficiais das ditas Vedoria Geral e Contadoria lhes dêem certidões das praças que constar pelos pés de listas se apresentaram nas ditas mostras, os quais terão muito cuidado com as altas e baixas, em lhes fazer desconto delas, e os ditos almoxarifes, em virtude das ditas certidões, passarão os ditos papéis aos assentistas para ir socorrendo os ditos sargentos e furriéie com o pão, cevada e palha, que repartirão entre os soldados e oficiais das suas companhias até a mostra que se seguir, e nela se ajustará a passada, para tornar a dar nova certidão das praças que se achar nesta segunda, e assim se seguirá o mesmo nas demais; estes papéis que derem os ditos almoxarifes aos assentistas, eles os ajustarão cada mês, e do que importarem lhe passará um conhecimento em forma, feito pelo escrivão, de seu recebimento, assinado por ele e pelo dito almoxarife, o qual se dará em virtude da receita que lhe farão os ditos escrivães nos ditos livros; estes conhecimentos em forma não terão nenhum valor sem serem carregados nos ditos livros da receita da dita Vedoria Geral, e Contadoria, pondo os oficiais dos ditos ofícios despachos nos ditos conhecimentos, que declarem como lhe ficam carregadas as quantidades nos ditos livros, e desta mesma maneira se carregarão e farão as mais receitas aos ditos almoxarifes, procedidas das certidões ou outros quaisquer papeís destes ou outros géneros, e tudo o mais que houver entrado em seu poder.

76. E para suas despesas se lhe darão mandados de despesa ou certidões pela Contadoria, justificadas pela Vedoria Geral e firmadas por ambos no que toca a pão, cevada e palha que derem à Infantaria e Cavalaria, as quais se farão em virtude dos pés de lista, pois por eles se fez o desconto aos oficiais e soldados, ajustadas primeiro com os conhecimentos dos ditos almoxarifes para se lhes darem os tais mandados de despesa ou certidões, que serão do gasto de cada mês.

77. E quando se mandar pagar dinheiro do recebimento do pagador geral do exército de algum destes géneros, como se tem mandado pagar até hoje a palha, se lhe livrará o dinheiro que importar os ditos conhecimentos em forma, conforme os preços do assento que se tiver feito em livranças à parte, e não nos conhecimentos, declarando nelas as quantidades que contém os ditos conhecimentos, suas feitas, os preços, e de como lhe ficam carregados em receita aos almoxarifes pelos escrivães de seus recebimentos, e também nos livros da receita da Vedoria Geral e Contadoria, e que os ditos conhecimentos em forma ficam originais na dita Contadoria, para quando se lhes tome contas aos ditos almoxarifes (que será na Contadoria Geral de Guerra), se remeterão a ela os ditos conhecimentos originais, e todos os livros de receita e despesa, assim dos dos escrivães, como os da Vedoria Geral e Contadoria, para mais justificação da dita conta final, sem que penda  da do pagador geral nem de outra pessoa; e dos mais papéis de que pretendam despesa os ditos almoxarifes de algumas coisas que hajam entregado por ordem do vedor geral para os hospitais ou outras pessoas, os apresentarão ao contador para que, em virtude das ordens que houver dado o dito vedor geral para a entrega, e nelas seus recibos e cargas que terão nos ditos livros na forma declarada, para ue em virtude delas, declarando o vedor geral que se carregaram com sua ordem e intervenção, se lhe fará um mandado de despesa na dita Contadoria, o qual será justificado na dita Vedoria Geral, e com todos os requisitos que já vão declarados nos mandados retro e supra escritos, se lhe levarão em conta, e nesta forma se lhes darão as despesas aos ditos almoxarifes.

78. E porque se tem entendido que nas patentes, provisões, ordens, cartas e outros papéis que eu mando às ditas fronteiras firmados de minha mão se não tem até agora a forma em que se hão-de pôr os despachos para seu cumprimento; mando que nas ditas patentes, provisões e mais papéis que levarem a dita minha firma se não ponha na parte onde ela estiver  nenhum despacho, e para se darem à execução, o governador das armas, nas costas delas porá somente o cumpra-se, e mais abaixo se porão notas de como fica tomada a razão na Vedoria Geral e Contadoria em seu cumprimento, pelos oficiais dos ditos ofícios; e em fé delas os firmarão o dito vedor geral e contador em seus nomes inteiros, e desta maneira serão despachados, e não de outra.

Fonte: Arquivo Histórico Militar, 1ª divisão, 2ª secção, caixa 3, nº 1.

Imagem: Polvorinho e granada do período da Guerra da Restauração. Museu Militar de Estocolmo. Foto de JPF.

Regimento do Vedor Geral (29 de Agosto de 1645) – parte 10

65. Será o vedor geral sempre mui cuidadoso de ver ele mesmo se o pão de munição que se dá aos soldados é bom e bem pesado, conforme a obrigação dos assentistas, sem fiar esta diligência de outra pessoa alguma, e mandará fazer secretas informações nas azenhas onde se mói o trigo, se é bom, e se se mói alguma outra sorte de pão, e se onde se amassa e se coze, se faz algum engano em dano dos soldados, e remediá-lo-á, procedendo nisto com todo o rigor necessário, não admitindo pão que não seja da qualidade que se contratou, e as vezes que os assentistas nisto faltarem, mandará à sua custa fazer melhor pão para os soldados, por qualquer preço que custe, para que os assentistas saibam que nenhuma falta se lhes há-de dissimular nesta matéria, e assim o não ousem cometer.

66. E para q quando chegar o tempo de se fazerem estes assentos se saibam os preços em que se podem contratar, mandará fazer mui exactas informações do custo que pode fazer a manufactura do pão naquelas partes, para que quando se lhe peça esta notícia a possa dar ao certo.

67. E quando for tempo de fazer provisão de cevada e palha, não correndo por assentistas, se informará das partes donde há mais abundância, e donde a condução pode ser mais barata para que venha a custar menos. E saberá que pessoas há nas comarcas, que possam obrigar a dá-la, para que por todos os meios se consiga tê-la a cavalaria a bom preço.

68. Visitará muitas vezes os armazéns dos mantimentos, vendo se estão em boa forma e em partes onde se possam conservar sem corrupção, e fará que se gastem primeiro aqueles em que se pode temer a haja; e também visitará os armazéns das armas e munições (aonde não houver vedor da Artilharia), ordenando que a pólvora esteja com todo o resguardo necesário, e que as armas estejam limpas e bem tratadas, e que os piques se ponham em parte onde se não torçam, e que as ásteas deles se untem com óleo de linhaça ou com água de azevre [aloés], porque o bicho não entre com eles, e que as pistolas se repartam pela cavalaria de maneira que se não dêem a um mesmo soldado duas de diferente calibre, pelo embaraço que isto causa na ocasião de pelejar.

69. E na mesma forma visitará as mais vezes que tiver lugar os hospitais, ao menos da praça principal onde se achar, procurando ver se aos enfermos que estiverem neles lhes falta a cura e regalo que eu tenho mandado se lhes dê, e que por falta dele não padeçam; e que as mezinhas e o mais que se lhe mandar dar pelos médicos ou cirurgiões se lhes dê no tempo, e quando for mandado e receitado por eles, e me darei por bem servido de que não haja neste particular falta alguma, e havendo-a avisará ao governador das armas para que o remedeie.

70. E nenhum assentista ou almoxarife poderá comprar pão de munição, cevada ou palha a nenhum oficial ou soldado do exército, nem por si, nem por interposta pessoa, nem por outra qualquer via, e o que fizer o contrário provado ou achado, será privado do cargo sendo almoxarife, para o não poder mais haver, e o assentista, seu feitor ou procurador serão condenados em dois anos de África; e o oficial ou soldado que se achar que vendeu a cevada que se lhe dá para ração do cavalo, será pela primeira vez castigado com quinze dias de prisão e com três tratos de corda, e pela segunda em dois anos de galés; e as pessoas particulares que comprarem a cevada a pagarão a noveada, e serão castigados a arbítrio do governador das armas, e nas mesmas penas encorrerão os que comprarem aos soldados vestidos de munição ou armas.

71. E nenhum almoxarife poderá vender nem contratar nenhum género de mantimentos, pois os tem de seu recebimento, pelos danos que se deixam considerar, como trocas de bom por mau para satisfazer sua receita, e por outros muitos inconvenientes que resultam disso à minha fazenda, e o que o fizer se farão autos dele pelo auditor geral e se remeterão à Contadoria Geral desta cidade, para nela se ver em quanto ao dano que minha fazenda recebeu, e se dar o remédio, e daí se remeterá ao Conselho da Fazenda para que diga ao Conselho de Guerra para se proceder em conformidade.

72. O vedor geral não livrará, nem consentirá que se livre, nem o pagador geral dará nem entregará dinheiro a nenhum almoxarife para nenhum efeito, e ele pois tem quatro oficiais, os quais correm todas as fronteiras, pague o dinheiro que se despender nelas de minha fazenda demais que como este dinheiro se há-de distribuir com intervenção do vedor geral, como está disposto neste Regimento; e as compras de bastimentos e as conduções deles e mais coisas hão-de ser justificadas por ele, não convém que os oficiais de recebimento dos bastimentos os comprem e façam os preços deles, e a receita e despesa deles juntamente, e mando ao superintendente da Contadoria,e  aos contadores ela não levem em conta ao dito pagador e almoxarife o que despenderem noutra forma.

Fonte: Arquivo Histórico Militar, 1ª divisão, 2ª secção, caixa 3, nº 1.

Imagem: “O fidalgo e a sua companhia” (detalhe), pintura de Simon Kick.

Regimento do Vedor Geral (29 de Agosto de 1645) – parte 9

60. E do dinheiro que se remeter à dita província de Alentejo se separará o que vir o governador das armas ser necessário para algumas provisões de mantimentos, suas conduções e outras coisas tocantes a coras, o qual se porá em caixa à parte, para que o vedor geral a distribua por suas livranças nas ditas compras como provedor, e com sua intervenção como vedor geral, as quais se farão na contadoria do soldo, mas por ele firmadas, e tomada razão em ambos ofícios na forma que adiante irá declarado nos capítulos da despesa do pagador geral, mas se desta sorte for algum já consignado, se não perverterá em outra coisa.

61. E enquanto não houver oficiais particulares do soldo e fazenda na Artilharia, servirá também nela o vedor geral; e procederá nas mostras  e gastos qu ali se fizerem na forma deste regimento.

62. E quando hajam os ditos oficiais, por eles correrá o dito gasto e pagas de soldos, mas o dinheiro que entrar em poder do pagador da Artilharia há-de sair da arca do pagador geral, para o que desta cidade [Lisboa] se mandará separado, do qual o contador dela lhe fará receita, em virtude do conhecimento em forma, pelo qual o dito pagador geral entregará o dinheiro deles ao pagador da Artilharia, e a ele lhe fará despesa do que lhe entregar, como também ao pagador da Artilharia lhe fará o seu vedor, e contador, e em seus livros e listas.

63. E porque convém ter grandíssimo cuidado com que se conservem as armas que se compraram para defensão do Reino, o terá o vedor geral mui grande, para o que na Contadoria do exército haverá um livro em que se carreguem ao almoxarife das armas todas as que se levarem ao exército, e outro em que se carreguem aos capitães todas as que receberem para as suas companhias, das quais hão-de dar satisfação por serem obrigados a recolhê-las por seus oficiais dos soldados que fugirem, para o que o dito vedor geral fará manifestar ao contador da Artilharia não dê livrança nem outro despacho, nem se entregue coisa da sua conta a nenhum capitão de cavalos, de infantaria, ou outro qualquer oficial que tenha seu assento na Vedoria Geral do Exército sem primeiro se lhe carregar o que houver de receber.

64. Fará o vedor geral todos os assentos e contratos que houver, na província onde ele residir, com as pessoas que se obrigarem a dar coisas para o provimento do exército e para obras tocantes a guerra; estes se hão-de fazer na Contadoria escrevendo-se nos livros dela, assistindo ele que aceitará os contratos e obrigações, e ele com o contador e as partes assinarão, e os treslados que daqueles registos se tirarem, e assinados pelo contador terão a mesma autoridade e crédito que têm as escrituras públicas que se fazem nestes meus Reinos, e os assentos que se fazem no meu Conselho da Fazenda, e da mesma maneira terão aparelhada a execução.

Fonte: Arquivo Histórico Militar, 1ª divisão, 2ª secção, caixa 3, nº 1.

Imagem: “Ataque à bateria”, pintura de Joseph Parrocel.

Regimento do Vedor Geral (29 de Agosto de 1645) – parte 8

56. E quando o exército, ou parte dele, saia a campear, por cuja causa a gente da Ordenança vem acudir a guarnecer as praças até que torne a entrar o dito exército: mando que a tal gente, os dias que estiver de guarnição se lhes dê somente aos infantes, a cada um seu pão de munição, e aos de cavalo a de mais do pão, meio alqueire de cevada, e duas joeiras de palha cada dia a cada um; e para que se tenha a conta e razão que convém com esta despesa, e que não fique ao alvedrio dos almoxarifes, se lhes formarão cadernos de listas pelos oficiais da Vedoria Geral e Contadoria, e se lhes passará mostra por eles nas praças onde assistirem os oficiais dos ditos ofícios; e nas praças onde não possam assistir, se farão os ditos cadernos pelos escrivães dos almoxarifes, resenhando a todos com seus nomes, pais, e terras, e se ajustarão pelos capitães-mores e escrivães da Câmara, os quais, quando os ditos oficiais forem a socorrer a gente paga pelos ditos cadernos, quando se despida [despeça] os da ordenança, se lhes darão certidões em os ditos almoxarifes com declaração das praças, o dia em que entraram nelas, e o [dia] em que se despediram, para que em virtude destas certidões o vedor geral, e contador, lhes dar seus mandados de despesa, e não se lhe dará em outra forma.

57. E porque se tem entendido que os comissários de mostras e mais oficiais, quando as vão passar não se lhes guarda o respeito devido como a pessoas que têm a conta e razão de minha fazenda, por cuja causa não conseguem o bom paradeiro que convém a ela, mando que qualquer oficial de soldo que disser ou fizer injúria ou ofensa aos ditos comissários quando vão passar as tais mostras sobre coisas tocantes a seus cargos, percam os postos que tiverem, e sejam castigados com as mais penas a arbítrio do governador das armas, e para que isto se consiga como convém, o auditor da gente de guerra donde o caso suceder fará logo autos, e os remeterá ao dito governador, e o vedor geral terá grande cuidado em procurar que o dito governador das armas mande proceder contra o culpado, e quando o não faça mandará logo conta por escrito, para que eu mande proceder.

Fazenda

58. Todas as obras e compras de bastimentos e suas conduções que se fizerem por razão da guerra, se farão com intervenção do vedor geral, e ele nomeará oficiais e olheiros para eles, reconhecendo sua bondade, e fazendo-lhe os preços, guardando em tudo o regimento que para este efeito lhe mandei passar, e com este lhe será entregue, e dará juramento sobre se estão feitas com verdade, e fará todas as diligências para averiguar, e achando que nelas houve engano, fará que o auditor geral faça disso os autos necessários para que as pessoas que delinquirem sejam castigadas como merecerem, não só pelo crime de furto, mas também pelo juramento falso; e o dito vedor geral dará despachos em forma para dele se fazer o mandado, e dos tais ficarão originais na Contadoria para se fazer a dita despesa, e para se dar dinheiro à conta delas; e por eles pagará o pagador; e quando o vedor geral mandar dar dinheiro, fará registar o que se der, para que lhe conste o que puder ir mandando dar mais.

59. E para que na distribuição do dinheiro que entrar em poder do pagador geral haja boa conta e razão que convém, terá em seu poder caixas em que esteja bem guardado o dito dinheiro, e cada uma com três chaves, um das quais terá o governador das armas, que poderá fiar de seu secretário; outra o vedor geral, que poderá entregar ao oficial maior da Vedoria Geral; e outra o dito pagador geral; e estas ditas caixas, do corpo da guarda principal se lhe darão os soldados de sentinela que parecer ao dito governador das armas.

Fonte: Arquivo Histórico Militar, 1ª divisão, 2ª secção, caixa 3, nº 1.

Imagem: “Batalha” (c. 1640), pintura de Sebastian Vranckx, Museo Bellas Artes de Sevilla.

Regimento do Vedor Geral (29 de Agosto de 1645) – parte 7

[Os capítulos do Regimento do Vedor Geral que a seguir se transcrevem serão melhor entendidos se se ler previamente o “Contrato com os capitães de cavalos”, de 1647, aqui publicado em três partes (1), (2) e (3); apesar do Regimento de 1642 mencionar a “arca”, para a qual era vertido o montante abatido aos soldos dos soldados de cavalos, a prática só foi devidamente regulamentada cinco anos mais tarde]

Cavalaria

46. Todos os cavalos da cavalaria portuguesa e estrangeira, e os que se comprarem do dinheiro da arca para as tropas, serão marcados com a marca real, e se lhe[s] cortará a orelha direita, salvo os que declarar o general e o tenente-general da cavalaria, e três do comissário geral, e dois de cada capitão de cavalaria que sejam seus, porque os mais que passarem nas mostras se não farão bons, e se o comissário, capitães ou tenentes tiverem mais cavalos dos sobreditos, se lhe[s] comprarão do dinheiro da arca para as tropas, e enquanto lhe[s] não forem comprados, se lhe[s] não dará palha, nem cevada por conta de minha fazenda.

47. E além da dita marca para maior segurança de que os tais cavalos se não vendam, troquem, e passem duas vezes e três uma mostra, por se tomarem em diferentes partes, se mandarão ferros por conta de minha fazenda, de diferentes números, a saber: número um, número dois, número três, e tantos destes quantas forem as tropas, e a cada uma delas porão o número diferente, pondo na mais antiga o número um, em que se seguirá o número dois, e nesta forma se seguirá a mesma ordem em as mais tropas; e se nas mostras passar algum cavalo com número diferente da tropa que a passa se prenderá logo o soldado, e se farão autos, e será castigado com a pena do bando [isto é, do que for decretado em edital para o efeito].

48. E quando alguma companhia se reformar, ou por outra causa necessária que suceda, houverem de passar os soldados com seus cavalos de uma companhia a outra, se terá na Vedoria e Contadoria muito cuidado em que nos assentos que se fizerem aos tais soldados que houverem de passar para diferentes companhias, se note da companhia que passaram o número com que vão marcados os tais cavalos, e a companhia a que passam, para que em todo o tempo se conheça e se possa saber na mostra a causa que houve para na mesma tropa haver cavalos com números diferentes.

49. E porque alguns soldados usam de confecções com que fazem cobrir de cabelo a marca real, e lhe põem outra para dizerem que os tais cavalos não são os mesmos que lhe[s] entregaram, o general da cavalaria mandará ter grande cuidado que isto se não faça, e mandará reformar as marcas todas as vezes que lhe parecer necessário. E o oficial ou soldado que usar de meios para cobrir ou mudar as marcas reais, ainda que em efeito o não consiga, será preso e perderá todos os seus serviços pela primeira vez, e pela segunda será degredado cinco anos para África, e nesta mesma incorrerá o que mudar a dita marca.

50. Por se ter conhecido o dano que resulta a minha fazenda em se conceder licença para se venderem os cavalos que não fossem de nenhum serviço nem préstimo às tropas, mando que os tais cavalos se não vendam, e se entreguem em Vila Viçosa à pessoa que ali servir para tratar deles, e o capitão, tenente, ou qualquer outro oficial de soldo ou fazenda que vender algum cavalo que estiver marcado com a marca real, pagará em dobro o dinheiro por que o vender, e será preso. E o vedor geral terá cuidado de se fazerem autos pelo auditor, os quais me remeterá ao Conselho de Guerra, para se proceder contra o culpado conforme a culpa, e o comprador dos ditos cavalos pagará em dobro o dinheiro que por eles der, e para que tudo se consiga o vedor geral o fará notar ao governador das armas, general da cavalaria, e o dito governador das armas mandará lançar bando em todas as praças, em que declare o que está disposto e ordenado neste capítulo.

51. E por evitar o dano que pode resultar a minha fazenda de se admitirem as baixas que os soldados dão dos cavalos, dizendo que lhe morreram sem preceder justificação da causa, a saber, se morreram pelo mau trato, correndo-os em suas grangearias, se lhe não deram o sustento que está assentado se lhes dê, se lho furtaram, ou venderam, mando que se não admitam, nem notem nos assentos dos tais soldados as baixas que derem, sem que primeiro justifiquem ante os oficiais que lhe tomarem as baixas como os cavalos lhe não morreram por sua culpa, apresentando juntamente em companhia de seus furriéis a marca do cavalo morto e o cabo com o sabugo. E nas ocasiões em que o inimigo lhes matar os cavalos, não será necessário mais justificação que a certidão do cabo das tropas, em que o certifique, e justificado na forma sobredita se porão as ditas notas para que com certidões que se darão na Vedoria Geral, e Contadoria, aos capitães, se lhe[s] leve em conta na que hão-de dar dos cavalos de suas tropas de que estão [en]carregados.

52. E porque o intento com que se tira aos oficiais e soldados da cavalaria o dinheiro para a contribuição da arca para compra de cavalos é para que as tropas andem cheias e os soldados estejam montados, mando que o dito dinheiro se gaste em benefício das ditas companhias a que se tirou, para o que haverá em cada uma delas caixa de três chaves, uma das quais terá o capitão, e as outras duas dois soldados eleitos a votos de todos os da dita companhia; e um deles servirá de escrivão da dita caixa, e escreverá em um livro que haverá dentro dela todo o dinheiro que se tirar à tropa e entrar na dita arca, com distinção de cada mostra e dias dela, de que se farão termos assinados pelo dito capitão e escrivão, como também do que se distribuir na compra dos ditos cavalos; fazendo no dito livro também outros termos das compras, que assinarão os vendedores dos ditos cavalos com os sobreditos, declarando a quantidade de dinheiro, quem os vendeu, em que dia, e que se compraram com parecer dos ditos dois soldados, que têm as duas chaves da dita arca com vista do ferrador da dita tropa, e para que se lhes dê, aos ditos cavalos, o sustento como aos mais, se apresentarão montados neles os soldados a quem se entregaram na Vedoria Geral, e Contadoria, para que em seus assentos se note como estão montados, desde que dia, os sinais dos cavalos, e de como se compraram com o dinheiro da dita arca. E no montar destes cavalos hão-de preceder os soldados a quem lhe mataram os seus na guerra. E deste capitulo dará o vedor geral um treslado ao governador das armas, para que disponha seu cumprimento.

53. Todos os cavalos que nesta corte e noutras partes se comprarem por conta de minha fazenda e se remeterem às fronteiras se hão-de carregar ao almoxarife de onde estiver a Vedoria Geral, e Contadoria, ao qual se fará receita deles, assim pelo escrivão de seu cargo no livro de sua receita, como nas ditas Vedoria Geral, e Contadoria, em livros que para isso se farão; e estando feita a receita em uns e outros livros, passará o escrivão do Almoxarifado conhecimentos em forma à pessoa que lhos entregar, os quais, para que tenham crédito e efeito, se tomará à razão deles na dita Vedoria Geral, e Contadoria, para que nos ditos ofícios se tenha a conta da entrega [e] repartição dos ditos cavalos.

54. E para que se tenha a conta e razão que convenham na repartição destes ditos cavalos, depois de entregues ao dito almoxarife como no capítulo antecedente vai declarado, e que o governador das armas, pela proeminência de seu cargo tenha notícia de todos os que se remetem às ditas fronteiras, mando se faça nesta forma: o dito governador das armas dará ordem por escrito ao dito almoxarife para que entregue os ditos cavalos, em virtude das que lhe der o general da cavalaria (ou quem seu cargo servir), que serão também por escrito, e nestas os ditos capitães que os receberem darão seus recibos, os quais se não levarão em conta sem que neles declare na Vedoria Geral, e Contadoria, em como lhes fica feito receita dos ditos cavalos aos ditos capitães, e nesta forma terá o dito almoxarife despesa dos ditos cavalos, e não de outra maneira, e depois de entregues, e feita receita dos cavalos aos ditos capitães na dita forma, se entregarão aos soldados de mais estimação que estiverem desmontados, antepondo os que lhos mataram na guerra, aos quais, ainda que em seus assentos se há-de notar o dia em que montam e sinais dos cavalos, sempre os capitães ficarão obrigados a dar conta deles, e para ela por seus oficiais darão as baixas dos que lhe morrerem ou matarem, na conformidade que se declara no capítulo 51 deste regimento, e não de outra maneira.

55. E porque a cavalaria francesa serve em forma e com a mesma estimação que a portuguesa: quero e mando que os pagamentos que lhes fizerem seja a cada um em mão própria. [Este capítulo resultou do facto de, ao longo dos dois primeiros anos da guerra, os coronéis e capitães dos regimentos franceses ficarem com o dinheiro que lhes era entregue para pagamento dos soldados, o que ocasionou alguns motins entre as tropas estrangeiras, principalmente no Alentejo.]

Fonte: Arquivo Histórico Militar, 1ª divisão, 2ª secção, caixa 3, nº 1.

Imagem: “Escaramuça de cavalaria à beira de um rio”, pintura de Abraham van Calraet.

Regimento do Vedor Geral (29 de Agosto de 1645) – parte 6

40. E quando alguns soldados adoecerem e forem ao hospital, os sargentos da infantaria e furriéis da cavalaria darão aos almoxarifes as baixas, para que se não lhes continue com o pão de munição, e estas se notarão depois em seus assentos na Vedoria Geral, e Contadoria, para que também desde o dito dia até que saiam e se lhe aclarem as praças, não vençam soldo; mas porque tem a experiência mostrado o dano que resulta de serem despedidos dos hospitais, tanto que estão para convalescer, mando que neles haja lugar para os convalescentes, e que enquanto o médico ou cirurgião que os curar não disser por certidão que estão capazes de sair, se lhe dê todo o necessário, e dando-lhe as tais certidões, lhe dará o administrador nelas as altas do dia em que saírem, para que na Vedoria Geral, e Contadoria lhes aclarem as praças e continuem com o socorro, mas enquanto estiverem no hospital o não vencerão, porque por conta de minha fazenda hão-de ser curados e convalescentes até saírem.

41. E porque nas praças de Olivença, Campo Maior e as mais fora de Elvas não assistem os comissários [de mostras], nem [] listas, senão quando se passam, por cuja causa dão os sargentos e furriéis as baixas e altas dos que se ausentam aos almoxarifes; e estes, por seus escrivães, as notam quando lhe parece em seus cadernos o que pede remédio, se fará nesta forma: os ditos sargentos e furriéis as darão aos seus sargentos-mores, e eles as firmarão e mandarão pelos ditos sargentos e furriéis a quem governar as praças, para que tenham notícia dos que se ausentam delas. E rubricadas as levarão aos almoxarifes, as quais terão originais até as entregar ao comissário de mostras ou oficial que as for passar, que as notará nos assentos que tiverem nas listas, e notadas as romperá, e dos ditos almoxarifes, nem de seus escrivães, se não receberão as ditas altas e baixas que não forem nesta forma. E na cavalaria, nas praças onde houver ajudantes dela, farão o mesmo que se diz dos sargentos, e não os havendo, o furriel dará as altas e baixas, cada um as de sua companhia formadas por eles, e rubricadas dos ditos governadores das praças, porque não é justo que os que têm de dar conta de bastimentos façam eles mesmos a despesa como lhes parecer, sendo juízes de suas causas.

42. E quando aos soldados se derem vestidos de munição [camisa, casaca, calças e meias] se notarão os que se derem em seus assentos avaliados, para que depois no remate de contas se possa ter notícia de tudo o que tem recebido, e os tais vestidos se repartirão na mostra, para [o] que o vedor geral, o dia antes dela, mandará avisar ao almoxarife [para que] leve os que parecer ao vedor geral [que] são necessários, e assim como se vai fazendo relação na mostra do pão, cevada, e palha, e hospital, se vão fazendo também outra por letra, e não por algarismo, que diga no princípio dela: Relação dos vestidos de munição que em presença do vedor geral se deram à Infantaria, das companhias abaixo declaradas nesta maneira; e logo assim como se derem, que será conforme a necessidade do soldado, não dando a nenhum mais de um [vestido] em cada ano, se irá pondo na relação as peças que se derem, e logo na mesma mostra se irão carregando em seus assentos pelos oficiais que as tomarem, e na dita mostra e relação se dará despesa ao almoxarife; e se não dê a nenhuma pessoa vestidos de outra maneira, porque é contra meu serviço, e porque os soldados da Cavalaria se lhe socorre com o seu soldo por inteiro, se lhe não fará a nenhum os tais vestidos.

43. E porque o exército em Alentejo está o mais do ano de presídio nas praças dele, e os comissários de mostras e oficiais as vão socorrer todos os meses, não se necessita de que se façam livranças de soldo, que seria coisa de que os soldados se lhes dê pouco de acudir às mostras, e se desencaminhar minha fazenda. Pelo que mando ao governador das armas, que é a quem toca livrar os soldos do dito exército, não livre, nem ordene se pague a nenhuma pessoa que não esteja presente nas mostras o mês que se for pagar, salvo aos prisioneiros que hajam sido do inimigo, que os mandará igualar com suas companhias, quando o que elas houverem recebido não exceder o pagamento de três meses, e para o mais que houverem vencido no tempo da prisão me poderão requerer, e aos correios que despachar em coisas de meu serviço, e terá muito cuidado de saber que os que têm suas praças assentadas na primeira plana da corte estejam servindo actualmente; e aos que o não forem, lhes não livrará seus socorros, e ao vedor geral encarrego muito que em caso que o governador das armas quiser livrar alguma coisa em contrário deste capítulo lhe replique por escrito, e se o quiser violentar me dará parte logo para que trate de pôr o remédio que convém, e não o fazendo assim pagará o dito vedor geral em tresdobro o dinheiro que se despender, e me haverei por mal servido dele, e o contador do exército não fará, nem despachará tais livranças sob a mesma pena, e na Contadoria Geral de Guerra nesta cidade se não levará a tal despesa em conta, e o superintendente da dita Contadoria Geral terá obrigação de mo fazer a saber, vindo os mandados de despesa do pagador geral.

44. E por que se tem entendido se admitem alguns soldados inúteis, e que outros que o não são procuram por particulares respeitos escusar-se, mando que quando os comissários de mostras e oficiais da fazenda admitirem a meu soldo alguns terços de infantaria, não admitam nenhum soldado de sessenta anos para cima, nem de dezasseis para baixo, nem o que for aleijado e enfermo me não possa servir, e depois de admitidos e assentados praças nas listas, poderá o vedor geral nasmostras despedir aos inábeis; e aos que fora das mostras pretenderem escusar-se por serem mancos, aleijados e velhos, ou que tenham enfermidade contagiosa, ou outra causa, só os governadores das armasos poderão escusar, precedendo primeiro informações de seus oficiais, e de médicos e cirurgiões, e declaro que os que pedirem e pretenderem ser escusos na forma dita, se lhe não dará soldo nem vantagem, mas quando constar por fés de ofícios que os tais se fizeram inábeis em meu serviço, vindo com licença do governador das armas, lhe serão admitidos seus papéis, para se lhe deferir a seus despachos como merecem.

45. Nenhum oficial maior nem capitão de infantaria ou cavalaria se sirva de soldado que tenha assentado praça, nem a façam assentar, a criado que actualmente o servir, e o vedor geral, contador e oficiais de mostras não assentem, nem consintam se assentem as tais praças, e tenham cuidado de procurar se alguns as têm assentadas, e lhe porão logo notas para se lhe não correr mais com soldo, e fazendo o contrário me haverei por mal servido deles, e lho mandarei estranhar, além de pagarem o que se pagar aos tais soldados. [Apesar do disposto neste capítulo, era frequente haver criados de oficiais fidalgos servindo como soldados, ou até ocupando postos de oficialidade; a necessidade de manter as unidades com efectivos capazes de assegurar um grau mínimo de operacionalidade fazia com se fechassem os olhos aos atropelos da ordenação contida neste capítulo.]

Fonte: Arquivo Histórico Militar, 1ª divisão, 2ª secção, caixa 3, nº 1.

Imagem: “A sala da guarda”, pintura de Jacob Duck.

Regimento do Vedor Geral (29 de Agosto de 1645) – parte 5

Livros

29. Haverá na Vedoria Geral dois livros da receita e despesa para o pagador geral, e outros de cada almoxarife, para que se tenha conta e razão na Vedoria Geral, e Contadoria do que receber e despender para poder dar certidões a meus Conselhos de Guerra, Junta dos Três Estados, e Contadoria Geral desta cidade de todo o recebido, ou despendido, e o que tiverem em ser os ditos almoxarifes sem que se valha dos livros de seus escrivães, que hão-de confrontar uns com os outros, e para dar a clareza necessária da receita a quem lhes tomar as contas.

Mostras

30. O vedor geral procurará achar-se presente a todas as mostras que lhe for possível, para que assim se tome com maior satisfação, e quando não puder assistir mandará que assistam seus comissários. E o dia antes que a mostra se houver de tomar, dará conta ao governador das armas para que mande lançar os bandos [editais], nos quais se diga a parte e o lugar onde os terços e as companhias hão-de acudir, e que venham todos com suas armas, e que ninguém se atreva a passar mostra por outrem, sob pena de quatro anos de galés.

31. E quando a mostra se tomar, estarão os soldados recolhidos em algum pátio, ou parte que não tenha mais saída que uma porta, aonde estará a mesa. Estarão os oficiais, a saber, o vedor geral com os seus, que para aquele acto forem necessários, o contador com os seus, e o pagador geral com os seus, e com o dinheiro para ir logo fazendo os pagamentos; e um dos oficiais lerá as listas, e começando primeiro pelos oficiais maiores do terço, os irá nomeando um por um, e eles irão acudindo assim como forem chamados, e reconhecendo que são aqueles pelo sinal do assento, lhe porão em cima dele uma letra do A.B.C. somente, que será uma mesma a todos em cada mostra, começando na primeira mostra pelo A. e continuando nas mostras seguintes com as outras.

32. E o mestre de campo, ou pelo menos o sargento-mor assistirão presentes à mostra do seu terço para a infantaria, e para a cavalaria o tenente-general, ou ao menos o comissário geral, porque tem maior razão de conhecer os seus soldados, e estando eles presentes não é de crer algum se atreva a passar mostra por outro, porque descrédito grande seu fazer isto em suas presenças; e da mesma maneira cada capitão assistirá à mostra da sua companhia, porque também conheça os soldados dela, e neles se castigará com grande culpa deixar de conhecer aos seus soldados. E sucedendo nisto algum engano a que o capitão não acuda, se lhe dará em culpa, e constando que a teve, e que conhecia o soldado que se chamava pela lista, e que não declarou ser aquele que se [a]presentou falsamente, será privado da companhia, para nunca mais a haver.

33. E quando, sem embargo de todas estas diligências, algum se atreva a passar mostra por outro em presença do seu capitão, e não acudindo ele a atalhar este engano, o vedor geral, ou quem por ele assistir, fará logo aí prender o tal soldado, e lhe formarão a culpa para executar nele a pena do bando, e ao capitão se riscará a praça, e nem poderá o vedor geral nem o contador por si, comissários de mostras, nem seus oficiais em seus livros assentar-lhe mais paga alguma de soldo sem nova ordem minha assinada de minha mão, porque isto quero se guarde inviolavelmente; e a nenhum general concedo autoridade de poder dispensar nesta matéria, em caso que o intente fazer, não poderá o vedor geral, nem o contador assentar em livros os ditos soldados, com pena de perdimento de seus ofícios, e de pagarem em tresdobro o que assim assentar, e no assento do capitão, cuja praça se riscar, se declarará a causa porque se riscou, fazendo-se disto nota, porque a todo o tempo conste, e far-se-á informação se nesta matéria houve induzidores, para que também sejam castigados com a mesma pena, provando-se-lhe a culpa.

34. E porque as mostras se fazem não só para se pagar aos soldados com boa ordem e sem engano, mas para tomar notícia de como está o exército, e que gente há nele, e como está armada e aparelhada, mando que os oficiais que assistirem às mostras, que serão os de que faz menção o capítulo 31, terão particular cuidado se os infantes trazem as armas bem limpas e consertadas, e se os de cavalo trazem as suas como convém, e os cavalos bem pensados, e as selas bem consertadas, e vendo que nisto há falta os castiguem conforme a culpa que tiverem, logo por conta de seus soldos fará rebater o vedor geral o que for necessário para conserto às armas e selas; e feitas estas diligências, e as conteúdas nos capítulos antecedentes, e achando-se que o soldado é aquele, e a arma boa para servir e havendo-se assinalado com a letra que passou a mostra, lhe contará o pagador sobre a mesa o dinheiro que se montar nos dias que se der socorro.

35. E quando suceda querendo-se tomar mostra para se dar algum socorro, se entenda que o dinheiro que há não bastará para todo o exército, se começará pelos soldados, para que quando falte seja aos capitães e oficiais de mais possibilidade, pois se podem estes sempre valer de alguns meios que faltam aos soldados [na prática, esta disposição régia era sistematicamente desobedecida pelos oficiais da administração (vedor geral, contador, etc) e pelos oficiais superiores do exército provincial, os quais, usando do privilégio “da primeira plana” que urdiam à margem da lei, repartiam primeiro entre si o dinheiro da mesada, deixando para pagamento dos soldados o que sobrava, se sobrasse algum].

36. E quando algum soldado não aparecer na mostra, se o capitão disser que foi a alguma parte muito perto, que logo virá, lhe não porá nota de como não apareceu, mas se se não apresentar logo antes de estar cerrado o pé de lista, se lhe porá a dita nota, e se faltar em duas mostras, havendo-se-lhe posto nota, e faltar também na terceira se porá que não apareceu em três mostras, e ficará por isso escuso de toda a aução que pode ter por seus serviços, e se procederá contra ele como os que fogem da guerra.

37. E se o capitão disser que o soldado não aparece, que está doente em alguma casa particular, em caso que não pudesse ir ao hospital, o vedor geral o mandará ver por um comissário, ou oficial, e achando-se que é aquele, e que verdadeiramente está doente, se notará na mostra com a letra dela, como se aparecera em pessoa, e se lhe levará e dará o seu socorro.

38. E se o soldado que não aparecer na mostra, e de que o seu capitão disser que lhe deu licença para alguma breve ausência, se apresentar depois de o pé de lista cerrado, se notará o dia em que se apresentou, e na primeira e segunda falta ficarão estas notas servindo de não perder a aução de seus serviços, mas sem embargo disso se lhe não pagará o soldo que houverem de pagar naquelas mostras em que não apareceu, e a nenhum oficial, ainda que seja mestre de campo, se pagará os seus soldos não aparecendo nas mostras, porque pelas razões que ficam ditas quero e ordeno que todos apareçam nas mostras.

39. E acabada de tomar a mostra e feitos os pagamentos em mão própria, logo sem dilação alguma nas mesmas listas no papel que ficar em branco depois dos assentos dos soldados se farão e encerrarão os pés de listas, dizendo-se que em tal parte, a tantos de tal mês, se tomou a mostra a tal companhia, e que se acharam nela tantos oficiais da primeira plana, e declarando-se o soldo de cada um se sairá com ele por algarismo à margem, e depois se dirá que se acharam tantas praças ordinárias [ou seja, soldados] de mosqueteiros, e tantas de cassoletes [ou seja, piqueiros – o termo cassolete aplicado ao soldado que combatia com pique começava a cair em desuso na época, tal como a couraça que lhe dera origem e que cada vez menos piqueiros usavam], e arcabuzeiros, que todos fazem número de tantas praças, e desde tantos de tal mês até tantos de que naquela mostra se deu socorro, e que todos os que apareceram na dita mostra ficam em seus assentos assinados com tal letra, e havendo vantagens ordinárias ou particulares por provisões minhas, se declarará que apareceram tantos avantajados com elas, e nesta forma se encerrarão os pés das listas, e o assinará o oficial que o fizer, e o capitão de cada companhia no da sua, e do mesmo modo se fará em todos.

Fonte: Arquivo Histórico Militar, 1ª divisão, 2ª secção, caixa 3, nº 1.

Imagem: De novo a maquete presente no Armémuseum de Estocolmo, retratando uma pequena parte de uma formação de piqueiros e mosqueteiros (seria de um regimento, no exército sueco, ou de um terço, no exército português). Note-se a variedade de vestuário dos mosqueteiros em primeiro plano. Um mosqueteiro calça botas de cavalaria, enquanto outro enverga um colete ricamente debruado, cujo anterior dono teria sido um oficial – peças certamente roubadas a prisioneiros inimigos ou pilhadas aos mortos. Foto de JPF.

O Regimento do Vedor Geral (29 de Agosto de 1645) – parte 4

22. E quando se fizer reformação de algumas companhias, se lançarão os soldados que se reformarem nas listas daqueles a que se agregarem, declarando-se em seus assentos as companhias reformadas de que passaram a elas, e nas listas das companhias reformadas se porão notas em que declare que se reformaram, por que ordem, e que as praças delas passaram a tais companhias, e guardar-se-ão estas listas das companhias reformadas para que se achem quando por elas se queira ajustar alguma coisa, ou passar-se alguma certidão.

23. E porque convém muito que as companhias não andem notavelmente diminutas por muitas causas, tanto que uma não chegar a ter oitenta soldados, e houver outras também diminutas, lembre logo o vedor geral ao governador reforme das mais modernas as que bastem para inteirar o número das mais antigas, e não o fazendo ele pontualmente, me avisará com relação das praças que têm as companhias diminutas, e de quais são as mais modernas para que eu as mande reformar; e se o vedor o não fizer, me darei por mal servido dele, e mandarei proceder contra ele como me parecer.

24. E feita a reformação, se não dará vantagem nem entertenimento a nenhum dos oficiais reformados sem que primeiro assentem praça singela na infantaria, e com certidões dos oficiais de como o têm feito, e informação dos governadores das armas com ela. Requererão provisões minhas das vantagens que como a reformados lhe toca, e levando-as, se notarão as vantagens em seus assentos para as ficarem vencendo, porque sem as tais provisões as não poderão vencer, e tornarão a vagar estas vantagens quando os tais capitães e oficiais tornarem a servir em outras companhias os postos que tiveram nas que se reformaram, ou outros, e nem eles gozando desta vantagem poderão gozar de outra alguma, nem outra pessoa alguma poderá ter duas vantagens.

25. E porque convém que o número dos reformados não cresça, terá o vedor geral muito particular cuidado de lembrar ao governador das armas os reformados que houve nas ocasiões dos provimentos para que cessem os soldos que gozam com a ocupação que se lhe[s] der.

26. E porque todos os soldados e mais pessoas que servirem na guerra possam requerer seus melhoramentos ou satisfação dos serviços que houverem feito, se lhes darão pelo contador do exército suas fés de ofícios assinadas por ele, e rubricadas pelo vedor geral, as quais serão tiradas das listas de todo o tempo que houverem servido, e nelas se declararão as companhias e terços em que serviram, desde quando assentaram praça, que cargos ocuparam, quando entraram nelas [companhias] e quando as largaram, as ausências que fizeram e com que licença, e porque causa; e também se pelos livros constar que cometeram alguns crimes, se lhes declararão nas mesmas fés de ofícios para que quando eles se apresentem no Conselho aonde se houver de tratar do despacho de quem o pretender, conste ao certo de tudo o que se deve saber para se lhe deferir, e se não passe fé de ofícios a nenhuma pessoa que se ausentar da guerra sem licença do governador das armas; e aqueles que as pedirem para seus requerimentos, ficando actualmente no serviço, se lhe poderão passar com despacho do governador das armas, e aos que dentro de seis meses depois da licença não tirarem as fés de ofícios se lhe não poderão dar sem nova licença.

27. E por que não tenham necessidade de vir a esta corte a pretender suas provisões de vantagens, deixando meu serviço, e embaraçando com estes e outros requerimentos os conselhos, depois de regulados os papéis mos remeterá o governador das armas com carta sua ao Conselho de Guerra para lhe mandar deferir, e o vedor geral e contador que assentarem vantagem alguma a algum reformado sem concorrerem nele os requisitos referidos, e sem provisão minha assinada por minha mão, incorrerão em perdimento de ofício para nunca mais entrar nele, e pagarão em dobro à minha fazenda tudo o que tiverem pago aos tais reformados.

28. E a quaisquer pessoas destes Reinos que me forem servir às fronteiras à sua custa, se assentará a sua praça na companhia em que servirem, declarando-se-lhes no seu assento que servem sem soldo, e da mesma maneira se porão nas folhas que me vierem assinar para que eu veja o como me servem as tais pessoas, e tenha lembrança de as premiar a seu tempo, e quando fizerem ausência com licença se notarão em seus assentos da mesma maneira que se faz aos que servem com soldo, para quando for tempo se passem suas fés de ofícios ajustadas com o tempo que serviram.

Fonte: Arquivo Histórico Militar, 1ª divisão, 2ª secção, caixa 3, nº 1.

Imagem: Piqueiros e mosqueteiros franceses do período da Guerra dos 30 Anos (1618-1648). Gravura de 1635.

Regimento do Vedor Geral (29 de Agosto de 1645) – parte 3

16. O que houver de ser eleito para alferes seja pessoa que tenha partes para o poder ser, e terá servido quatro anos efectivos, de que há-de constar por certidões  de meus oficiais de soldo das partes aonde tiver servido, sem que nisto possam dispensar os governadores das armas, nem o Conselho de Guerra, porque só para mim reservo esse suprimento; e os ditos governadores não deixarão prover as bandeiras em quem não concorrerem estas qualidades com declaração que se assim o não fizerem, não hão-de ser tidos nem tratados os providos como alferes, nem admitidos com esse nome em tribunal algum, nem os oficiais de soldo os assentarão por tais nos livros de seus ofícios. E mando que se não admita nos Conselhos de Estado, e Guerra, ou outro tribunal algum, apresentação alguma de serviços a alferes que haja servido debaixo de seus cargos, que além da licença ordinária não trouxer fés de ofícios do soldo dos anos de serviço, e requisitos que mando tenham para serem providos em bandeiras, e que esta fé não seja geral, senão particular das companhias em que serviu, que tempo em cada uma, e de que quando se lhe deu a bandeira concorriam nele as qualidades referidas, porque de outra maneira quero que não seja havido, nem tratado por alferes, nem recebidos seus papéis em que assim se intitular.

17. Os que houverem de ser elegidos por sargentos hão-de ter os mesmos anos de serviços que os alferes, de que há-de constar na mesma forma, com as circunstâncias e particularidades que no capítulo antecedente se refere, e devem ser diligentes, porque são o governo ordinário das companhias [todo o trabalho de adestramento dos soldados com as armas individuais cabia aos sargentos].

18. Aos capitães de infantaria toca nomear os alferes e sargentos para suas companhias, e não devem escolher pessoas em que não concorram as qualidades que ficam referidas, e para que o provimento dos tais ofícios se faça como convém a meu serviço, com a conta e consideração que se deve ter com os que servindo fazem o que devem, e se lhes não prefiram os indignos, de que resultam graves inconvenientes, mando que os oficiais de soldo não assentem praça de alferes ou sargento, ainda que tenham os anos de serviço que se requer, sem levarem aprovação do seu mestre de campo firmada por ele, em que declarem concorrerem no nomeado as qualidades da reputação e valor que convêm; e aos mestres de campo encarrego e mando que constando-lhes que em os tais nomeados não concorrem os requisitos necessários, ou que são pessoas defeituosas, dêem conta aos governadores das armas para com sua ordem ser o capitão castigado como convém, sem poder ter parte na dita eleição; e o sargento será promovido a alferes, e o cabo de esquadra mais antigo a sargento; e quando no nomeado concorram todos os requisitos referidos, o governador das armas, por seu despacho, lhe mandará assentar sua praça.

19. Mando ao vedor geral e contador e oficiais de soldo que não assentem praça de capitães de infantaria, alferes e sargentos nos quais não concorram os requisitos referidos nos capítulos antecedentes, o que lhes constará por fé de ofícios particulares, e não gerais, em que declare o dia em que cada um assentou praça, cargos, e companhias em que serviu, e que tempo em cada uma, e quando foram promovidos aos tais cargos concorriam neles as qualidades referidas, e declaro que os despachos dos governadores das armas para se assentarem as praças aos tais alferes e sargentos serão somente sobre as qualidades e suficiência das pessoas promovidas, e não sobre os anos de serviço, que fica declarado devem ter, porque neles ninguém poderá dispensar, nem suprir, como fica dito, e o vedor geral e contador que fizerem o contrário no disposto neste capítulo e nos antecedentes serão privados de seus cargos, e ficarão inábeis para tornarem a entrar em meu serviço.

20. E porque o inconveniente de pretender muitos soldados companhias, e o alcançá-las com intenção de as deixar para gozarem o entretenimento de reformados é grande, e prejudicial à minha fazenda, mando que não possam os capitães, nem os que tiverem cargo daí para cima fazer deixação de tais cargos sem licença minha por escrito, assinada por minha mão, precedendo primeiro informação do governador das armas das causas que o obrigam a fazer a deixação, e dos oficiais de soldo do anos que houverem servido e o ocupado o cargo que querem deixar, a qual informação há-de vir com informação do vedor geral, declarando como faço que as pessoas que fizerem a dita deixação sem preceder o referido, não só fiquem excluídos do título e soldo que poderiam pretender por haver servido os tais cargos, mas ficarão privados de poderem entrar em meu serviço, salvo eu mandar o contrário por ordem assinada de minha mão, com derrogação expressa deste capítulo.

21. Ninguém poderá servir em duas praças, nem vencer dois soldos, salvo os mestres de campo, que além do seu tem o de capitão de uma companhia das do seu terço [este é um pormenor burocrático que só aqui aparece explicado, pois o soldo do mestre de campo e o dos oficiais que a seguir são referidos era sempre declarado no seu todo, sem qualquer referência ao comando de qualquer companhia], e o general da cavalaria, em cujo soldo se inclui o de uma companhia de couraças, e o tenente-general outra, e o comissário da cavalaria , na qual se inclui também o soldo de capitão de clavinas, e nenhuma companhia de clavinas se assentará praça de alferes, pelo risco que nelas correm as bandeiras, e nenhum capitão que servir com soldado de clavinas tenha título de capitão de couraças [a prática mostraria ser muito diferente do que aparece estipulado neste capítulo, apesar de pontualmente surgirem decretos proibindo a existência de alferes (e bandeiras) nas companhias de carabinas – também designadas por cavalos arcabuzeiros].

(continua)

Fonte: Arquivo Histórico Militar, 1ª divisão, 2ª secção, caixa 3, nº 1.

Imagem: “Combate de cavalaria” (pormenor), pintura de Peter Snayers (1592-1667).

Regimento do Vedor Geral (29 de Agosto de 1645) – parte 2

5. E fazendo-se assentos de pão de munição, os quais muitas vezes sobem e abaixam no preço, se fará declaração em uma folha branca no princípio da lista a como sai cada pão, e o dia em que começou a correr aquele preço, e nos assentos dos soldados se notará os que os recebem para que sirva também para o remate de contas.

6. E se alguns soldados se amotinarem, e se lhes riscarem suas praças por esta causa, se lhes notará em seus assentos, para que sempre conste do crime que cometeram, porque estes, ainda nos casos que são perdoados não podem subir a postos, e por isso é necessário que nos livros haja sempre notícia disto.

7. E quando algum soldado fugir, se notará também em seu assento, dizendo-se que fugiu de tal mostra, para que daí por diante lhe não corram com o soldo; e para o pão de munição se deve notar o dia em que foge, o mais pontual que pode ser para a conta de quem toca.

8. E de qualquer outro crime grave que o soldado cometer, que lhe possa ser impedimento para subir a postos, se fará nota em seu assento pela maneira que fica dito, e o vedor geral pedirá ao auditor geral do exército, e a todas as justiças que conhecerem de semelhantes crimes dos soldados e neles derem sentenças que se possam executar, que lhe dêem cópias delas para as notar nos assuntos dos soldados, e eles serão obrigados a dar-lhas dentro de três dias depois das sentenças dadas.

9. E quando o general der licença a algum soldado ou oficial do exército para fazer ausência dele, será por escrito, e se tomará razão da dita licença na Vedoria Geral, e Contadoria, e se notará no assento do tal soldado ou oficial para se fazer baixa do soldo, porque nunca a licença se poderá dar com retenção dele, e só vencerá o soldo na ausência quando o general mandar alguma das sobreditas pessoas a coisa de meu serviço [quer dizer, do Rei, em cujo nome é suposto estar o Regimento], e isto mesmo se notará como se tomou razão na Vedoria Geral, e Contadoria, porque sendo o soldado sem esta licença com estas declarações será preso e castigado, como quem fugiu do exército e da guerra.

10. E quando algum soldado morrer no hospital ou fora dele, se notará o dia em que morreu, assim para se fazer baixa no soldo, como para se lhe fazer remate de contas do que se lhe estiver devendo; e quando algum morrer na guerra e for tão pobre que não tenha coisa alguma para se lhe fazer bem por sua alma, se lhe mandará pagar um mês de soldo, e se se lhe dever alguma coisa do que se reserva para remate de contas, se pagará por aquela conta, e se notará em seus assentos, mas quando se lhe não deva nada, se lhe pagará de minha fazenda.

11. E aos que por sentença forem desterrados do exército, se fará baixa em virtude dela, que procederão dos treslados das sentenças, mas quando algum soldado for preso por algum caso por mandado de seus superiores, se lhe correrá com os seus socorros como de antes, até à sentença, e se por ela for condenado a desterro, então se lhe fará a dita baixa.

12. E se a Relação desta cidade [Lisboa] ou do Porto condenarem a alguma pessoa a servir no exército ou em alguma fronteira à sua custa, não se lhe correrá com o soldo, salvo se for tão pobre que de nenhuma maneira tenha com que se sustentar, e o vedor geral terá cuidado de que estes condenados apareçam nas mostras como os mais soldados, para o que se lhes formará assento nas listas, com declaração da forma em que servem, que será conforme a sentença.

13. Não se assentarão nos livros da Vedoria Geral, e Contadoria, soldos de capitães, assim de infantaria como de cavalaria, nem de posto algum daí para cima, que não tiver patente minha assinada por minha mão, e o vedor geral o fará guardar inviolavelmente, não consentindo que se pague soldo a quem não tiver patente no modo referido, e fazendo-o se haverá por seus bens tudo o que se pagar.

14. E porque não se tem declarado até ao presente os anos de serviço que hão-de ter os que forem nomeados para estes cargos, o que nasceu de se não terem feito as Ordenanças Militares, aonde direitamente pertencem, havendo respeito ao grande dano que tem resultado à minha fazenda, e à boa disposição da milícia de se não ter declarado, principalmente nos ofícios, e praças de capitães de infantaria e cavalaria, alferes, sargentos, mando que enquanto se não fizerem as Ordenanças Militares se guarde nesta parte o que vai disposto nos capítulos seguintes [as Ordenanças Militares foram compostas em 1643, tendo sido o manuscrito delas comentado por Joane Mendes de Vasconcelos; mas nunca chegaram a ser impressas, apesar da evidência mostrar, por fontes diversas, que boa parte do seu conteúdo foi seguido na prática].

15. Não se elegerá capitão de infantaria pessoa em que não concorra o haver sido seis anos soldado debaixo de bandeira, e três de alferes, ou dez anos efectivos soldado, ainda que com licença se hajam interrompido, contanto que o tempo da licença e ausência não se inclua neles; e se houver alguma pessoa de muita qualidade em que concorra virtude, ânimo e prudência, se poderá admitir a eleição de capitão, contanto que haja servido na guerra seis anos efectivos, ou que pelo menos cinco, sem que em maneira alguma se possa dispensar em menos tempo de serviço, porque desde logo é minha vontade excluí-lo, como excluo em uns e outros todo o géneros de suprimentos e maior moderação, e a que se faz com as tais pessoas se funda em que com razão se deve pressupor neles maior capacidade, mais antecipadas notícias e indubitável valor, e por estes respeitos é bem não dilatar neles tanto como nos mais.

(continua)

Fonte: Arquivo Histórico Militar, 1ª divisão, 2ª secção, caixa 3, nº 1.

Imagem: Dispondo o exército. Gravura de Jacques Callot, do período da Guerra dos 30 Anos (1618-1648).

Regimento do Vedor Geral (29 de Agosto de 1645) – parte 1

Documento central para a organização e administração do exército português nas fronteiras de guerra, o Regimento do Vedor Geral permanece, apesar de tudo, pouco conhecido, mesmo por aqueles que se interessam pela história do período. Daí ter resolvido transcrevê-lo para português corrente, a partir da cópia manuscrita existente no Arquivo Histórico Militar (1ª divisão, 2ª secção, caixa 3, nº 1). Horácio Madureira dos Santos publicou uma transcrição em Cartas e outros documentos da época da Guerra da Aclamação (Lisboa, Estado Maior do Exército. 1973), mas esta obra é pouco acessível e praticamente desconhecida fora dos meios académicos.

Sobre o documento e o cargo de vedor geral já aqui escrevi. Convido os leitores a seguirem a ligação atrás indicada para uma introdução. Resta esclarecer que, apesar do documento original ter como título completo Regimento do Vedor Geral do Exército da Província do Alentejo, todas as suas normas e disposições eram aplicadas em todas as províncias do Reino.

As anotações e esclarecimentos à transcrição surgem em itálico negrito no corpo do texto. As hiperligações no texto remetem para artigos já publicados sobre postos, cargos ou termos específicos, para um melhor esclarecimento dos mesmos.

1. Eu El-Rei faço saber aos que este virem, que considerando eu o quanto convém a meu serviço, e a justificação da despesa do dinheiro que se gasta na guerra, haver no exército um vedor geral, com cuja intervenção se façam os pagamentos dos soldados, e todos os mais gastos necessários, tomando deles razão em seus livros e listas, houve por bem de resolver que quem o fosse daqui por diante guardasse o regimento seguinte.

2. Haverá no dito ofício de vedor geral quatro oficiais de pena [amanuenses] e quatro comissários de mostras, que servirão de as tomar aos soldados e de fazer os papéis e livros que forem necessários, e as mostras se irão tomar pelos ditos oficiais e comissários às praças da fronteira, ainda que estejam distantes, porque sem eles se não fará pagamento algum.

Listas

3. As listas se formarão com toda a distinção necessária, porque em uma se assentarão todos os oficiais da primeira plana do exército [da província] e entretidos junto à pessoa do general (se os houver) [“entretidos” eram oficiais, muitas vezes estrangeiros, sem qualquer  cargo ou comando de unidade atribuído, mas usufruindo do soldo correspondente à respectiva patente], os ministros de soldo e fazenda [funcionários responsáveis pela utilização das verbas atribuídas ao exército provincial], finalmente todas as pessoas que servirem na guerra e não pertencerem aos terços e companhias dela, e dos oficiais maiores de cada terço se fará outra lista, e assim mesmo se fará outra de cada companhia, e do mesmo modo se fará outra dos oficiais maiores da Cavalaria, e de cada companhia dela, uma declarando-se se é de couraças ou de clavinas, e outra lista se fará da companhia do preboste geral, se a Artilharia não tiver vedor particular se farão também na Vedoria do exército as listas que forem necessárias para o pagamento da gente que nele serve, com distinção dos géneros de serviços em que se ocuparem, porque havendo gastadores com seus cabos se lhe farão suas listas apartadas pelo tempo que se ocuparem, e da mesma maneira se farão os carros e pessoas que os governarem.

4. Nestas listas se declarará o dia em que começam a servir, e as praças da primeira plana, e se porão cada uma em sua lauda, e a dos soldados da mesma maneira, declarando em cada assento a terra donde cada um é natural, e o nome do país, e os sinais de rosto,e a estatura do corpo, e à margem se notará por letra do A. B. C. a arma com que serve, pondo-se ao piqueiro um P., e ao mosqueteiro um M., ao arcabuzeiro um A., e se nas companhias houver vantagens ordinárias [acrescentos ao soldo, prémios por bravura demonstrada em combate] se notarão aos pés dos assentos das pessoas que as tiverem; e na primeira nota que se fizer na lista, no tempo que as começarem a vencer, se declarará o dia em que começam a vencê-la, e nas outras listas que se seguirem bastará pôr a nota da vantagem sem dia.

(continua)

Imagem: Oficina de fundição de peças de artilharia, século XVII. Miniatura do Armémuseum de Estocolmo. Foto de JPF.

Postos do exército português (22) – o sargento-mor de batalha

O posto de sargento-mor de batalha foi criado, no exército português, nos inícios de 1663, por insistência de D. Sancho Manuel de Vilhena, Conde de Vila Flor. Foi introduzido desde logo no exército do Alentejo, e os primeiros oficiais que para aquele posto se nomearam foram Diogo Gomes de Figueiredo e Bobadilha (filho) e João da Silva de Sousa.

D. Sancho Manuel argumentou, junto do Conselho de Guerra, a favor da criação do novo posto. A primeira razão que expôs foi a existência daquele posto nos exércitos do Imperador do Sacro Império, a cuja imitação, por se acharem grandes conveniências nestes postos, se tem criado nos de Castela (ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1663, maço 23, carta anexa à consulta de 20 de Fevereiro). A este respeito, recorde-se que ainda antes de 1653 o Marquês de Aytona tinha proposto a introdução do posto de sargento-maior de batalha nos exércitos de Espanha, com autoridade sobre todos os mestres de campo, seguindo uma solução idealizada na Flandres (MOLINET, Diego Gómez, El Ejército de la Monarquía Hispánica a través de la Tratadística Militar, 1648-1700, Madrid, Ministerio de Defensa, 2007, pg.80; o tratado era o seguinte: Discurso Militar proponense algunos inconvenientes de la Milicia destos tiempos y su reparo al Rey nuestro señor por el Marques de Aytona, Valencia, Bernardino Noguès, 1653).

Os motivos para a introdução do posto, porém, eram diferentes. Enquanto o tratadista espanhol procurava solucionar o problema da hierarquia entre os vários mestres de campo envolvidos numa operação, não considerando satisfatória a solução de os submeter ao comando de um general da artilharia ad honorem, já no caso português a questão era mais complexa. Neste caso concreto, tratou-se de  um ataque pessoal ao Conde de Schomberg, que o Conde de Vila Flor receava viesse a ser nomeado mestre de campo general do exército do Alentejo (como efectivamente o foi, por carta régia de 15 de Março de 1663). Na mesma carta em que fundamentava a criação do novo posto, D. Sancho Manuel escrevia: com este posto se escusa o de mestre de campo general, como se vê nos exércitos do Imperador [do Sacro Império], onde o não há, porque servindo os sargentos maiores de batalha às semanas, exercitam o mesmo posto estando às ordens dos generais do exército. Vila Flor não desejava ver Schomberg como seu subordinado no exército do Alentejo. De uma penada, procurou afastá-lo, através da dispensa do mestre de campo general.

Todavia, o resultado prático foi nulo e veio introduzir ainda maior complexidade na cadeia de comando. Não só continuou a existir o posto de mestre de campo general, como os sargentos-mores de batalha iriam ter funções semelhantes aos tenentes de mestre de campo general. Em teoria, um sargento-mor de batalha estaria directamente subordinado a um capitão-general ou tenente-general do exército, ou ao governador das armas – ou seja, ao comandante supremo de um exército provincial; mas na prática, acabava também por estar subordinado ao mestre de campo general.

Imagem: “A morte de Schomberg”. Gravura inglesa representando o fatídico episódio ocorrido na batalha de Boyne (12 de Julho de 1690), onde Schomberg, aos 75 anos, era o segundo-comandante do exército de Guilherme de Orange.

Postos do exército português (21) – O gentil homem da artilharia e o condestável

O gentil homem da artilharia era o responsável por um determinado número de peças de artilharia do respectivo trem na marcha do exército, ou tinha a seu cargo uma bateria constituída por um número variável de peças, quando estas eram dispostas em campanha ou num cerco. Segundo se pode ler  no título 23 da proposta de Ordenanças Militares de 1643,

Os gentis homens da artilharia hão-de ser eleitos de capitão de gastadores ou sargentos reformados; e hão-de exercitar o meneio e carruagem de seis peças, e assistir no marchar, alojar e plantar as baterias, fazendo que se conduza e haja tudo o necessário para elas.

Note-se que a as seis peças por gentil homem acima referidas não eram necessariamente uma dotação fixa, sendo a composição da artilharia num exército variável de acordo com os fins pretendidos e as disponibilidades materiais. Isso mesmo é observado num comentário por Joane Mendes de Vasconcelos a propósito de um outro título das Ordenanças, o 47, que pretendia regulamentar a distribuição da artilharia em proporção ao efectivo total de infantaria e cavalaria. Conforme apontou o reputado general, a artilharia se regula com as facções [ou seja, com a natureza das operações], e não com o número, e assim não é matéria para Vossa Majestade decidir em Ordenanças Militares. A propósito dos gentis homens da artilharia e do título 23, Joane Mendes mostrou algumas reservas a propósito da intenção régia (ou de quem aconselhou em privado o Rei nesse ponto) de fazer ascender ao posto os capitães de gastadores e sargentos reformados:

Se (…) tiverem suficiência para ocupar este cargo (…), se poderá eleger deles, quando não de condestáveis práticos e autorizados, sendo este um dos postos que se deve prover mais pela prática que por outro algum merecimento.

O posto de condestável não tinha nada que ver com o prestigioso cargo militar do período medieval. Era o chefe de peça, sendo também um deles o ajudante do gentil homem da artilharia.

Bibliografia: AIRES, Cristóvão, Historia Organica e Politica do Exercito Português – Provas, vol. IV, Lisboa, Imprensa Nacional, 1908, pgs. 65 e 83-84.

Imagem: Artilheiros em acção. Reconstituição histórica do período da Guerra Civil Inglesa. Kelmarsh Hall, 2007. Foto de Jorge P. Freitas.

Companhias “soltas” de infantaria no exército da província do Alentejo em 1664

À margem dos terços de infantaria, existiam também algumas companhias pagas independentes (“soltas”, como se dizia na época), sobretudo na guarnição de localidades de menor importância. Todavia, a sua manutenção e capacidade operacional eram facilitadas com a integração num terço, de modo que as companhias soltas tinham normalmente uma duração limitada enquanto unidades independentes. Ou eram dissolvidas ao fim de algum tempo, ou passavam a fazer parte de um terço.

Um dos vários casos documentados respeita ao exército do Alentejo, no ano de 1664. Um decreto de 9 de Novembro desse ano ordenava que o Conselho de Guerra desse o seu parecer sobre o terço que, segundo o mestre de campo general do exército do Alentejo Gil Vaz Lobo, seria necessário formar com as companhias soltas de infantaria daquela província. O mestre de campo general afirmava que as companhias se poderiam conservar melhor desse modo, e solicitava que o comando do terço fosse atribuído ao mestre de campo António Tavares de Pina. O Conselho de Guerra pediu então informações mais detalhadas sobre as companhias e as praças onde se encontravam.

Em resposta, Gil Vaz Lobo escreveu de Estremoz uma carta, em 22 de Dezembro. Nela referia que, das 15 companhias (deveriam ser 16, mas uma ainda não estava formada), o Rei deveria mandar formar um terço a 12 companhias, agregando-se as 3 de Monsaraz ao terço da guarnição de Mourão. Em anexo à sua carta enviou uma relação detalhada, intitulada “Rellação das Companhias de infantaria soltas que ha na Provincia de Alentejo, e da gente com que se achão”. É com base nessa relação que a seguir se apresenta a situação das companhias de infantaria:

– 5 companhias da guarnição do Crato, que se encontravam nessa altura a guarnecer Valência de Alcântara: 20 oficiais e 240 soldados, dos quais 29 se encontravam doentes.

– 1 companhia que se levantou no Crato, para a guarnição de Montalvão: 4 oficiais, 50 soldados.

– 2 companhias da guarnição de Avis que assistem em Monforte: 8 oficiais, 40 soldados. Deveria haver uma terceira companhia da mesma guarnição, mas ainda não estava formada.

– 1 companhia da guarnição de Alter do Chão: 2 oficiais, 30 soldados.

– 1 companhia da guarnição de Fronteira, assistindo em Monforte: 3 oficiais, 28 soldados.

– 3 companhias da guarnição de Monforte: 9 oficiais, 34 soldados.

– 1 companhia da guarnição de Alegrete: 4 oficiais, 36 soldados.

– 1 companhia da guarnição de Marvão: 4 oficiais, 30 soldados.

– 3 companhias da guarnição de Monsaraz: 17 oficiais, 108 soldados.

Totais: 71 oficiais, 567 soldados, dos quais 29 se encontravam doentes.

Note-se que o conceito de “oficial” abrangia os postos de capitão, alferes e sargento. A praça de Valência de Alcântara, onde se encontravam os soldados doentes, tinha sido conquistada em 1664.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1664, maço 24-A.

Imagem: Valência de Alcântara. Planta publicada em La memoria ausente. Cartografia de España y Portugal en el Archivo Militar de Estocolmo. Siglos XVII y XVIII.

O estado do exército português em 1661, segundo o Conde de Schomberg

Em 1661, Frederick Hermann, Conde de Schomberg, entrado ao serviço da Coroa portuguesa nos finais do ano anterior, fez um reconhecimento da situação militar no principal palco de operações da Guerra da Restauração – o Alentejo. Para isso, visitou a província e procedeu a um extenso reconhecimento das praças e das suas defesas, do estado do exército e da sua capacidade operacional. Teve oportunidade de presenciar a campanha de 1661, a qual não correu bem para os portugueses. Numa carta que escreveu à Rainha regente e ao Conselho de Guerra em Lisboa, pouco depois de regressar da província transtagana, Schomberg expôs as suas conclusões e considerações sobre o que devia ser a reforma do exército português, de foma a torná-lo mais eficaz. Nem todos os conselhos e sugestões foram seguidos, mas o retrato que ficou feito do exército português e das suas necessidades é aqui exposto, a partir da transcrição parcial da carta anexa à Consulta de 26 de Outubro de 1661, vertida para português corrente:

1. A principal razão porque fiz esta jornada, foi para lembrar a Vossa Majestade algumas coisas necessárias ao bom governo do Exército e a defesa das praças da Província do Alentejo. E começando por esta última parte, digo que nas praças fortificadas são necessários governadores experimentados para a defesa delas, e tenentes que os ajudem e assistam dentro das praças todo o ano, aos quais se deve encomendar muito particularmente seu reparo e conservação, e que façam provisão de faxina, estacas, pranchas e tudo o mais que parecer necessário para a defesa delas, porque a pouca notícia que têm alguns sujeitos do que podem haver mister [termo arcaico que significa necessidade], os reduzirá a grande extremo se o inimigo as sitiar, e como toda a defesa da Província de Alentejo consiste em bem acabar as praças fortificadas, e por não fazer este papel tão largo, deixo de dizer as razões que há de fazer acabar as fortificações de Estremoz, Évora e Serpa. E o que nos pode custar um dia esta dilação, somente me explicarei sobre a praça de Campo Maior, por onde se podem julgar as outras, a qual, tanto por seu mau sítio como por sua fortificação estendida, é necessário para a defender e ao forte ao menos três mil homens. E no lugar mais fraco, que é atrás do castelo, está mais imperfeita a fortificação, e a estrada encoberta está por acabar. Se o inimigo a sitiara o ano passado como entendíamos [ou seja, como prevíamos], tivéramos visto que se não achava dentro a terça parte das estacas, e pranchas, carrinhos, picaretas e outros materiais necessários, como medicamentos e cirurgiões. Entre as munições que com mais aperto pedi ao general da artilharia, foram granadas, sobre que escreveu muitas cartas a Manuel de Andrade [Freire], a que lhe respondeu que em dez anos não fora tão importunado por elas como depois que eu passei ao Alentejo. E como nos sítios [ou seja, cercos] se tem visto a utilidade delas, é necessário mandar a todas as praças maior quantidade, e fazer exercitar alguns soldados a lançá-las, e dar-lhes alguma coisa mais por isto, como costumavam fazer em Flandres Dom João de Áustria, o Príncipe de Condé e o Marquês de Caracena.

Note-se aqui a referência à necessidade de especialização dos soldados que lançavam as granadas e ao bónus a que deveriam ter direito nas pagas – o embrião das companhias de granadeiros de um futuro ainda distante – e o emprego destas tropas pelo exército espanhol na guerra contra a França, na Flandres.

(…)

6. Como o inimigo vai atacando a Província de Alentejo com exército mais considerável, me parece que Vossa Majestade deve mandar levantar maior número de infantaria, e será conveniente fazer dois terços mais, cada um de oitocentos homens, dos quais se não acham efectivos na campanha seiscentos, e para os governar escolher oficiais vigilantes e experimentados, para dar uma melhor forma à disciplina militar.

7. Que o governador das armas tenha poder de castigar e tirar os postos aos oficiais que não fazem sua obrigação, e que não permitam que os mestres de campo façam capitães e alferes sem serem bem conhecidos por seus serviços na guerra, porque a experiência mostra que a maior parte destes são seus criados, e os estão actualmente servindo depois de providos nos postos, e isto aniquila o serviço de maneira que nenhuma pessoa de qualidade quer passar pelos postos de alferes e outros, os quais não se devia dar companhias sem que primeiro passassem por estes inferiores. E tem-me mostrado a experiência que alguns capitães têm pouco cuidado de suas companhias, deixando fugir os soldados, porque sabem que não recebem menos paga do que os que têm maior número de gente, com que será necessário reformar alguns destes.

8. Tocante à cavalaria, não repito o que já na infantaria relatei. Os defeitos que se acham são: a disciplina militar muito alterada parte dos capitães, acostumados a grande descanso; o seu maior cuidado é de se aproveitarem de suas companhias, quando vão à campanha deixam alguns dos melhores cavalos nas guarnições para os mandarem a pilhagens, de maneira que na campanha passada [1661] achei [de] menos mais de trezentos cavalos do que havíamos de ter, entre os soldados muitos rapazes e muitos mal armados, alguns sem pistolas e a maior parte sem mais que uma. É necessário considerar que a força do inimigo há de ser maior que na ocasião passada, e como não podemos ter tanta cavalaria, a que Vossa Majestade tem se deve trazer na melhor forma e disciplina possível. E como El-Rei de Castela manda a esta guerra os melhores oficiais que o serviam em Catalunha, Itália e Flandres, insto na mesma opinião que propus a Vossa Majestade sete ou oito meses há, que a cada quatro companhias se dê um cabo [oficial superior, no caso um coronel] que as governe.

É o início da proposta de reforma da cavalaria, que de companhias independentes devia passar ao sistema regimental. Não teve sucesso, porém, pois apesar de haver sucessivos pareceres favoráveis no Conselho de Guerra, a forte resistência dos capitães das companhias (que assim iriam perder privilégios) e a incapacidade  da Coroa em sustentar as companhias sem o auxílio financeiro dos capitães obstaram a que a reforma tivesse lugar. Só em 1707, no início do reinado de D. João V e em plena Guerra da Sucessão de Espanha, o sistema regimental se concretizou em Portugal.

9. Os Auxiliares da Província de Alentejo, tanto cavalaria como infantaria, não chegarão à terça parte a incorporar-se com o Exército, e faltam-lhe bons oficiais para os governar e exercitar, os mestres de campo a maior parte não vão com seus terços, e como são da mesma terra favorecem muita gente e não castigam geralmente os que fogem; a cavalaria, a maior parte rapazes sem armas, será necessário remediar tudo isto e ordenar um tenente-general que veja a gente e os faça exercitar.

10. A artilharia, como os oficiais dela não são bem pagos, desculpam-se com isto quando se não faz o serviço, o vedor geral [é] pouco prático [experiente] para a campanha e coisas necessárias para ela; fica este corpo muito confuso, rouba-se a cevada, perdem-se as mulas; os artilheiros estrangeiros há quatro meses que se lhe[s] não paga, o vedor geral trata-os mal, declarando-se que os não há mister; passado um mês lhe[s] fizeram um exame para saber seu préstimo, e como acharam que se não serviam de compassos, réguas, e outros instrumentos, julgaram que não prestavam para nada, e que se podiam licenciar [dispensar]. Como em diversos sítios em que me tenho achado nunca os vi servirem-se de instrumentos para ajustarem seus tiros, não estranho que não sejam costumados a usar deles; não me parece conveniente licenciar esta gente prática, que custou tanto trabalho a buscar e tirar de França. Julgo que o motivo de quererem despedir esta gente procede de alguma inveja e imaginação, que partidos eles, o dinheiro que se lhes dá se empregará em pagar os oficiais e artilheiros portugueses. Se na província os houvera suficientes, eu fora o primeiro que dera meu voto que se mandassem para a sua terra os franceses. Não tenho mais afeição aos estrangeiros que aos naturais, e em todas as partes por onde servi nunca fiz distinção das nações, mas só [ou seja, excepto] por sua capacidade e utilidade ao serviço aonde assistia;

12. […] O meu parecer não é que se confiem os postos aos mais antigos, mas aos de que Vossa Majestade tiver informado que se tem achado nas ocasiões, por suceder nisto que um oficial em três ou quatro anos terá nisto mais que alguns outros capitães ou mestres de campo em quinze, os quais, por mais antigos pretendem ser mais experimentados, e talvez terão gastado a maior parte do tempo em suas casas, murmurando [isto é, criticando] com descanso o trabalho e acções dos outros. E como vemos que estes homens cada dia pretendem por antiguidade e recebem acrescentamentos em seus postos, não se fazendo distinção das pessoas que servem bem, se faz o serviço com pouco zelo e cuidado. E como agora a guerra é muito diferente da passada [Schomberg refere-se às características da guerra de fronteira nas décadas de 40 e 50], e a força de Castela muito aumentada no número e na ciência dos oficiais que serviram em outras partes, Vossa Majestade arriscará muito o seu Reino, e a vida e reputação dos cabos mais afectos, se lhes não der uma ordem muito absoluta (…).

14. Que acabada a campanha se façam listas, como na França e na Alemanha e noutras partes onde servi, da gente activa que ficava e das munições e da artilharia, para se tratar no tempo em que todas as coisas se acham mais baratas.

(…)

16. Tendo notícia de alguns sujeitos que fazem profissão de murmurar [criticar] de tudo, suposto que por este modo se acreditam com o povo do Exército, os danos que resulta nele destes amotinadores, Vossa Majestade o tem experimentado em muitas ocasiões, segundo me têm dito, e se não se remediar, virá alguma cujo dano exceda a todo o remédio; estes tais quiseram desacreditar as marchas, alojamentos e batalhas com que se dispôs o Exército este ano, por não haverem visto nos seus cartapácios [hoje diríamos “calhamaços”, livros volumosos] velhos as vantagens que nestas novas formas acharam os grandes capitães destes tempos. Eu tivera por particularmente ordenar Vossa Majestade que estes tais viessem diante os ministros de Vossa Majestade com os seus discursos, para se ver q não são nem foram capazes de entender o que reprovavam.

Esta última parte reporta-se à introdução da marcha de costado na campanha de 1661 – a progressão do exército no terreno já em formação de batalha – e às críticas de uma parte da elite sociomilitar a esta inovação. Uma ignorância crassa, pois já na sua Arte Militar, publicada em 1612 (mas iniciada em finais do séc. XVI), Luís Mendes de Vasconcelos, pai de Joane Mendes de Vasconcelos, preconizava e descrevia aquele tipo de progressão de um exército em campanha, mais eficaz do que a tradicional marcha dos esquadrões de infantaria, batalhões de cavalaria, trem de artilharia e comboio de víveres em longa coluna.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, maço 21-A, carta anexa à consulta de 26 de Outubro de 1661.

Imagem:  Planta de Campo Maior, uma das praças visitadas e referidas por Schomberg no seu relatório. Planta publicada em La memoria ausente. Cartografia de España y Portugal en el Archivo Militar de Estocolmo. Siglos XVII y XVIII.

Província da Beira – infantaria e cavalaria do distrito de Penamacor em 1663

cc-1660-a

Uma relação anexa à consulta do Conselho de Guerra de 19 de Novembro de 1663 (ANTT, CG, Consultas, 1663, maço 23-A, caixa 87) apresenta os efectivos detalhados que existiam no distrito militar de Penamacor, província da Beira. Eram os seguintes:

Infantaria

Salvaterra do Extremo

Compª do capitão D. Fernando de Chaves, 5 oficiais, 28 soldados, total: 33 homens.

Compª do capitão Inácio Arnaut, 4 oficiais, 19 soldados, total: 23.

Compª do capitão Manuel Vieira, 4 oficiais, 21 soldados, total: 25.

Compª que foi do capitão Sebastião de Elvas, agora governada pelo alferes Manuel Rodrigues,  3 oficiais, 30 soldados, total: 33.

Compª que foi do capitão Luís de Lima, agora governada pelo alferes Manuel Marques,  3 oficiais, 28 soldados, total: 31.

Segura

Compª do capitão António Rodrigues de Figueiredo, 5 oficiais, 35 soldados, total: 40.

Compª do capitão Hipólito Cardoso de Moxica, 5 oficiais, 28 soldados, total: 33.

Compª que foi do capitão Martim de Melo, agora governada pelo sargento Domingos Gonçalves,  3 oficiais, 21 soldados, total: 24.

Rosmaninhal

Compª do capitão João da Rocha, 5 oficiais, 35 soldados, total: 40.

Zebreira

Compª que foi do capitão Andrade Gouveia Coelho, agora governada pelo alferes José de Matos,  3 oficiais, 34 soldados, total: 37.

Cavalaria

Penamacor

Compª dos cavalos da guarda do governador das armas, 3 oficiais, 47 soldados, total: 50. Cavalos: 30.

Idanha a Nova

Compª do tenente-general D. Martinho da Ribeira, 2 oficiais, 30 soldados, total: 32. Cavalos: 32.

Salvaterra do Extremo

Compª do capitão Paulo Correia Rebelo, prisioneiro em Espanha, agora governada pelo furriel Pedro Fernandes, 1 oficial, 25 soldados, total: 26. Cavalos: 26.

Compª do capitão António Estaço da Costa, prisioneiro em Espanha, agora governada pelo tenente Domingos Homem, 2 oficiais, 20 soldados, total: 22. Cavalos: 21.

Segura

Compª de auxiliares (amunicionada, como refere o documento) do capitão Manuel de Sousa de Refóios, 3 oficiais, 13 soldados, total: 16. Cavalos: 16.

TOTAIS: Infantaria, 40 oficiais, 279 soldados, ao todo 319. Cavalaria, 11 oficiais, 135 soldados, ao todo 146, com 125 cavalos.

Imagem: Pormenor da fronteira beirã em Tabula Portugalliae et Algarbia, Amsterdam, Frederick de Wit, c. de 1670; Biblioteca Nacional, Cartografia, C.C. 1660 A.

Contrato com os capitães de cavalos, 1647 – parte III

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A versão final do contrato é, por fim, acordada em meados de 1647. O termo de aceitação pelos capitães é aqui transcrito e vertido para português actual:

Termo de aceitação dos capitães de cavalos

Os capitães de cavalos, conformando-se com o que Sua Majestade ordena, aceitam a obrigação de se entregarem das companhias armadas de cem cavalos, inclusas as primeiras planas, armadas as [companhias de] Couraças com todas as armas, e duas pistolas, e os Arcabuzeiros com peito, e espaldar, e murrião, clavina [ou seja, carabina], e duas pistolas, e as sustentarão sempre desta maneira e forma com o mesmo número de cavalos e armas, e assim os entregarão quando deixarem as companhias, e havendo entre os cavalos algum que não seja do serviço [quer dizer, esteja incapaz] comprarão outro em seu lugar, da sorte que a companhia esteja sempre completa com o número de cavalos efectivos, com as condições que Sua Majestade há sido servido que são as seguintes.

Que S. Majestade lhe dará duzentos mil réis em cada um ano, pagos em quartéis [ou seja, em fracções de 50.000 rs], e o dinheiro da contribuição da arca todos os meses, ainda que se não paguem ao Exército, e neste caso o dinheiro da arca que tiverem vencido até o tempo do quartel, se lhes pagará com ela ao mesmo tempo, alargando as companhias estando elas completas na forma acima, e havendo vencido o quartel o levantarão, e o dinheiro da arca até aquele tempo em que os largarem.

Que quando os capitães se não ajustarem nos preços com os vendedores dos cavalos, se avaliem recebendo para esta avaliação ordem do Governador das Armas.

Que os cavalos que vierem vendidos de Castela se darão às companhias alternativamente pelo preço em que se avaliarem e querendo-os S. Majestade pagá-los por mais do que valem, como se faz, será por conta de sua fazenda. E os que se tomarem na guerra do mesmo modo se não possam vender, sendo para as mesmas companhias.

Que os cavalos que levar ou matar o inimigo em serviço de S. Majestade, o dito Senhor os reporá na companhia assim, e da maneira que foram levados.

Que os cavalos não serão marcados nem desorelhados do dia do assento em diante, para os capitães os poderem trocar ou vender quando lhes convenha, mas serão numerados, para que pelos números constar que são da companhia, e se lhes tomar mostra.

Que os capitães comprarão os cavallos que lhes faltarem dentro de dez dias, e não os achando, e constando ao Senhor Governador das Armas que não fica por sua parte, lhes prorrogará o tempo que lhes parecer, conforme a falta ou abundância que houver deles.

Que fugindo algum soldado para dentro do Reino ou para outras fronteiras, os capitães avisarão ao Senhor Governador das Armas, dando-lhe os nomes, confrontações, lugares donde são naturais os ditos soldados, para que passe ordens aos ministros de justiça para se reconduzirem à custa dos delinquentes, mas que nem por isso se alterará a obrigação dos capitães terem sempre as suas companhias completas, dando-se-lhe tempo conveniente para reconduzir os feridos.

Que faltando soldados aos capitães, S. Majestade mandará fazer levas, ou dá-los da Infantaria, como mais houver por seu serviço.

Que S. Majestade mandará que nos quartéis da cavalaria se façam estrebarias e manjedouras que forem necessárias, em partes donde os soldados fiquem alojados junto dos seus cavalos, ou se concertem por conta dos patrões. Que o trabalho da cavalaria se repartirá de maneira que todos venham a trabalhar igualmente, rendendo-se umas às outras companhias.

[Termina o documento com as assinaturas de doze oficiais de cavalaria: capitães, tenentes e alferes, estes últimos em nome dos capitães das suas companhias]

Na sua forma final, o Contrato obrigava à formação das companhias a 100 cavalos, um número que rapidamente irá ser alterado para 80, 70 e 60, para ser mais tarde fixado oficialmente em 65 – mas a média dos efectivos reais ficar-se-ia, com maior frequência, entre os 40 e os 50 cavalos. Note-se que a pretensão dos capitães ao quinto das presas desapareceu da versão final do documento. Na última frase do documento está expressa a vontade – porventura da maioria, mas não de todos os capitães – de que todas as companhias fizessem o mesmo tipo de serviço. Por tradição, as companhias de couraças estavam dispensadas das rondas e das escoltas a comboios. No entanto, ordens régias estenderam às companhias de couraças o mesmo tipo de serviços que estavam destinados às companhias de cavalos arcabuzeiros.

Fonte: Cód. 10619, secção de Reservados da BNL, fls. 137-138 v.

Imagem: “Cavalaria atacando um comboio de carros e carroças”, período da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), Sebastian Vrancx.

Contrato com os capitães de cavalos, 1647 – parte II

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A resposta de D. João IV à proposta dos capitães de cavalos do Alentejo surgiu sob a forma de uma carta enviada ao governador das armas daquela província, Martim Afonso de Melo:

Martim Afonso de Melo, amigo, Eu El-Rei vos envio muito saudar. Avisando-se ao Mestre de Campo General Joane Mendes de Vasconcelos da resolução que eu fui servido tomar em razão do concerto que se há-de fazer com os capitães de cavalos, em ordem a se melhorar a cavalaria, respondeu, que o negócio se andava ajustando, e de próximo se enviou um papel feito em nome dos capitães de cavalos, e assinado por D. João de Ataíde, comissário geral da cavalaria desse exército, cuja cópia se vos enviará com esta carta, e havendo nós considerado tudo o que ele contém, fui servido resolver em quanto à 1ª condição, que as companhias se formem de cem cavalos; à 2ª, que quando os capitães se não ajustarem com os vendedores dos cavalos nos preços, se avaliem recebendo para esta avaliação ordem do Governador das Armas. À 3ª, que quando a necessidade obrigue a mandar vir cavalos de fora para por minha parte dar cumprimento a este concerto, se fará, mas não convém cortar-se o preço, e que os capitães os devem tomar pelo que custarem. À 4ª, hei por bem conceder-lhes o que nela pedem, excepto nos fugidos. E à 5ª, que o Governador das Armas dará todas as ordens necessárias para reconduzir os soldados que se ausentarem na forma desta condição, mas que nem por isso se alterará a obrigação de os capitães terem sempre as suas companhias completas. À 6ª, que em quanto ao que pedem que dentro dos quartéis da cavalaria se façam estrebarias, e manjedouras, e se concertarão por conta dos patrões, ou de minha fazenda, que nisto dará o Governador das Armas as ordens que for possível. À 7ª, hei por bem de lhes conceder o que nela pedem. E no que toca à 8ª, que os quintos se hão de aplicar como se tem mandado, de que me pareceu avisar-vos para que tendo entendido esta minha resolução, procureis pelos meios que julgardes por mais suaves facilitá-lo aos ditos capitães de cavalos, para que se ajustem com ela e entenda seu devido cumprimento, e convindo eles nisto, fareis que esta carta de Registo com o título que farão de aceitação nos Livros a que tocar, para a todo o tempo haver justiça do que acerca do referido se assentar. Escrita em Lisboa a 27 de Abril de 1647. Assinaturas: Rey; D. Álvaro de Abranches da Câmara. Para o Governador das Armas do exército de Alentejo. Por resolução de S. Majestade, em consulta do 1º de Abril de 1647.

D. João IV, talvez a conselho de D. Álvaro Abranches da Câmara, insiste nas companhias a 100 cavalos – um número pouco adequado à realidade das unidades do terreno, mas que fazia eco de alguns ensinamentos colhidos em tratados militares do período. No entanto, o verdadeiro ponto de discordância, sobre o qual a autoridade régia se pronuncia com veemência, não abdicando das suas prerrogativas, era o direito do quinto das presas efectuadas (a quinta parte de tudo o que era pilhado ou capturado na guerra pertencia à Coroa). Aí, D. João IV não estava minimamente disposto a ceder aos capitães. No que tocava ao resto, mais do que uma ordem régia peremptória, era uma contra-proposta. A troca de missivas iria continuar.

Fonte: Cód. 10619, secção de reservados da BNL, fls. 136-137, “Cópia da carta de Sua Majestade de 27 de Abril de 1647”. Transcrita para português actual.

Imagem: “Escaramuça de cavalaria”, Philips Wouwerman, c. 1643.

Contrato com os capitães de cavalos, 1647 – parte I

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O contrato com os capitães de cavalos foi um expediente a que a Coroa portuguesa recorreu em 1647 com o objectivo de reorganizar a cavalaria e recuperar a sua capacidade combativa. Vinculava os capitães à manutenção das unidades por eles comandadas, nomeadamente ao número de montadas que o efectivo exigia. A Coroa, por seu lado, obrigava-se a comparticipar com um montante pago anualmente em fracções, destinado à conservação dos efectivos e do equipamento. Foi uma medida muito elogiada pelo Conde de Ericeira na sua História de Portugal Restaurado (1945, vol. I, pg. 232), mas na realidade, ambas as partes raramente conseguiram cumprir o que  havia sido contratado. Inicialmente implementado para o exército do Alentejo, o contrato foi estendido mais tarde à cavalaria paga das restantes províncias.

O contrato com os capitães de cavalos reflectia a prática política da negociação, característica do reinado de D. João IV. O poder régio reconhecia os privilégios de um grupo específico, sem no entanto deixar de tentar impor a sua vontade. Dessa procura de equilíbrio de forças resultou, em última instância, a prolongada autonomia dos capitães de cavalos e a resistência à introdução do sistema de organização da cavalaria em regimentos, que era norma, à época, em outros exércitos europeus.

No Alentejo, o mediador entre os capitães e a Coroa foi o comissário geral D. João de Azevedo e Ataíde. O texto que aqui se transcreve, vertido para português corrente, encontra-se manuscrito na secção de Reservados da Biblioteca Nacional de Lisboa (cód. 10619, fls. 135-136). Chamo a atenção do leitor para a fórmula “os capitães de cavalos desejam de [sic] se acomodar ao que Sua Majestade lhes ordena” – não é a obediência pronta e sem reservas ao soberano, é antes um manifesto de intenções, cuja condição de aquiescência será a aceitação, pelo Rei, das contrapartidas propostas.

Proposta que fizeram os capitães de cavalos a Sua Majestade sobre o contrato dos cavalos

Os capitães de cavalos desejam de se acomodar ao que Sua Majestade lhes ordena, aceitam as condições que por sua parte se lhes põem no papel, junto com as declarações seguintes

Que as companhias se farão todas de 80 cavalos cada uma, bons e armados com armas convenientes para o serviço, porque sendo menos não podem servir como convém, pelas quebras que tem a cavalaria, e a respeito dos ditos 80 cavalos lhes mandará S. Majestade dar 200.000 réis todos os anos em duas ou três pagas, como parecer que mais convém.

Que querendo os ditos capitães comprar alguns cavalos, não se ajustando no preço com os vendedores, os façam avaliar na forma costumada, em presença dos corregedores ou juízes de fora, ou quaisquer outras justiças, e assim os pagarão pelos ditos preços.

Que faltando cavalos neste Reino, S. Majestade será obrigado a mandá-los vir de fora, contanto que o principal e gastos, até se entregarem, não passe de 25.000 réis cada cavalo selado e enfreado.

Que as armas e os cavalos dos soldados que morrerem na guerra pelejando, ou forem mandados pelos generais em serviço de S. Majestade, o dito Senhor será obrigado ao mandar remontar, repor à sua custa, e o mesmo se entenderá nos fugidos para Castela com armas e cavalos.

Que fugindo alguns soldados para dentro do Reino, ou para outras fronteiras, os capitães avisarão os governadores das armas, dando-lhes os nomes, confrontações, e lugares donde são os ditos soldados naturais, para que passem as ordens aos ministros de justiça com que os ditos soldados sejam obrigados a tornar, fazendo os capitães da sua parte todas as diligências necessárias para isto ter efeito.

Que S. Majestade ordenará que dentro dos quartéis da cavalaria se façam estrebarias e manjedouras que forem necessárias, e que estas se consertem, sendo necessário, por conta dos patrões ou de S. Majestade.

Que faltando soldados aos capitães, S. Majestade mandará fazer levas ou dar-los [sic] da infantaria, como mais houver por seu serviço.

Que S. Majestade não levará quinto das presas que fizer a cavalaria, nem poderá fazer delas mercê a outras algumas pessoas, e todos acrescerão aos capitães assim como lhe tocarem pelas suas companhias, para compra dos cavalos na forma em que os levam os que os fazem em cavalos seus próprios que não são de Sua Majestade.

Dom João de Azevedo e Ataíde

Imagens: Em cima, carabina de cavalaria inglesa do período da Guerra da Restauração. Em baixo, carabina portuguesa, do espólio do Museu Militar de Lisboa, fotografada pelo Comandante Augusto Salgado. O comentário do Sr. Manuel Ribeiro Rodrigues (comentário 1), a propósito da carabina portuguesa, levantou algumas dúvidas pertinentes quanto à datação da peça. O fecho é, sem dúvida, posterior à Guerra da Restauração (é do século XVIII – compare-se com o fecho menos robusto da carabina inglesa), mas o corpo da arma é muito semelhante ao das carabinas holandesas fabricadas durante a segunda metade do século XVII.

Uma força de socorro de Trás-os-Montes para a Beira, Abril de 1663

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Era frequente proceder-se ao envio de forças de socorro de uma província a outra, principalmente após o aumento de intensidade do conflito a partir de 1659. Beira, Trás-os-Montes e Entre-Douro-e-Minho tinham exércitos provinciais mais reduzidos do que o Alentejo, de modo que toda a entreajuda era necessária quando havia informação de que o inimigo movimentava forças importantes na fronteira. O exemplo que aqui se apresenta é um dos vários registos documentais que apresenta a relação detalhada de um desses contingentes de reforço. Trata-se de uma relação de 25 de Abril de 1663, anexa a uma carta de 26 do mesmo mês, enviada ao Conselho de Guerra pelo Conde de São João da Pesqueira, governador das armas de Trás os Montes. Foi vista na consulta de 4 de Maio de 1663 (ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, maço 23): “Relação da infanteria, e caualleria auxiliares [e] pagos que tem mandado para a Torre de Moncorvo para passar a Prouincia da Beira e do que ao todo importou o pagamento de hum mez, que se lhe fez dos coatro contos, quinhentos, e nouenta mil reis, que uierão da Cidade do Porto“.

Infantaria

Oficiais da 1ª plana do terço do mestre de campo Belchior Pinto Cardoso: 1 sargento-mor e 2 ajudantes (o mestre de campo não acompanhou a unidade; o comando do terço foi confiado ao sargento-mor).

Oficiais de 10 companhias, cada uma com capitão com seu pajem, alferes, sargento e tambor, com desconto de 30 rações de pão de munição: 5 oficiais por companhia (como era norma no período, contabilizavam-se como “oficiais” todos os integrantes da 1ª plana, incluindo os pajens – era um procedimento administrativo, pelo que há que ter algum cuidado ao calcular o rácio oficiais/soldados das unidades, devido à designação muito abrangente das listas no que respeita aos primeiros).

600 soldados destas 10 companhias, a meia-paga de 1 mês a cada, com desconto de pão de munição (a meia-paga deve-se ao facto de serem auxiliares): 60 soldados por companhia.

200 infantes, com seus oficiais, a quem se paga por inteiro 1 mês, com desconto, etc. (a lista não estipula o total de companhias; em todo o caso, tratava-se de tropas pagas, pelo que recebiam o soldo por inteiro): 26 oficiais, 200 soldados – note-se o elevado rácio de elementos da primeira plana, os “oficiais”, em relação aos soldados.

Cavalaria

Companhia de cavalos paga do capitão Simão Pinto, 6 oficiais da 1ª plana, com desconto de pão de munição e cevada a 120 rs o alqueire (pão de munição a 12 rs) e 200 rs da contribuição da arca; e 50 soldados, com a vantagem de 4 cabos de esquadra, com desconto das munições (por “vantagem” entenda-se a diferença entre o soldo de um soldado e a do cabo de esquadra. Sobre o “contrato e arca” da cavalaria será publicado um artigo em breve).

Companhia de cavalos paga do capitão António de Sousa Pereira, 6 oficiais da 1ª plana, com desconto, etc, e 35 soldados, com vantagem dos cabos de esquadra; não se paga a arca e contrato, por ser feita agora de novo, e não se lhe dever.

Companhia de cavalos auxiliares do capitão Baltazar Carvalho, (o capitão é pago), 5 oficiais da 1ª plana (as companhias de auxiliares não tinham alferes) e 35 soldados (recebiam mensalmente metade do soldo de um soldado de cavalos pago, e descontavam o que recebiam de munição).

Companhia de cavalos auxiliares do capitão António Carneiro da Costa, (o capitão é pago), 5 oficiais da 1ª plana e 40 soldados (a meio-soldo dos pagos, etc.).

Companhia de cavalos auxiliares do capitão Gaspar da Fonseca Borges, que é pago; 5 oficiais da 1ª plana e 45 soldados (a meio-soldo, etc.).

TOTAIS:

Terço de auxiliares: 53 oficiais e 600 soldados.

Infantaria paga: 26 oficiais e 200 soldados.

Cavalaria paga: 12 oficiais e 85 soldados.

Cavalaria de auxiliares: 15 oficiais e 120 soldados.

Ao todo, o envio desta força de 106 oficiais e 1.005 soldados custou um total de 1.574.285 réis.

Imagem: Capacete de cavalaria do período da Guerra da Restauração. Este capacete de fabrico português era uma “peça de munição” barata, distribuída aos soldados das companhias de cavalos. O exemplar apresentado encontra-se bastante danificado, faltando-lhe as protecções laterais que cobriam parcialmente as orelhas e parte do rosto do combatente. Museu Militar de Lisboa. Foto do Comandante Augusto Salgado.

Postos do exército português (adenda) – ainda sobre o ajudante de sargento-mor

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Quando foi publicado o pequeno artigo sobre o ajudante de sargento-mor (nº 11 desta série), ficou por referir que a insígnia do militar que ocupava este posto tinha uma utilidade prática. Conforme escreveu o sargento-mor castelhano (ao serviço de Portugal) Antonio Gallo, na sua obra Regimiento Militar, que trata de como los soldados se hande governar, obedecer, y guardar las ordenes, y como los oficiales los han de governar (Lisboa, Paulo Craesbeeck, 1644):

El Ayudante hade traer una bengala de tres pies, y medio, que es la medida que hade aver de pecho a espalda de soldado a soldado en esquadron, por ser leve, y ligera: y andando en orden, para formar com facilidad, podrà ver si estan en su compaz los soldados. (pg. 52 v)

Antonio Gallo foi durante algum tempo sargento-mor do terço de Estacius Pick, até se ter reformado em 1643.

Imagem: A organização dos esquadrões de infantaria no terreno era tarefa que cumpria ao sargento-mor, coadjuvado pelo seu ajudante. Reconstituição histórica do período da Guerra Civil Inglesa, Kelmarsh Hall, 2007. Foto de J. P. de Freitas.

Um escocês ao serviço de D. João IV – o mestre de campo David Caley (1ª parte)

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Desfeita a Monarquia Hispânica, o conflito entre os reinos vizinhos ibéricos atraiu muitos mercenários estrangeiros, dispostos a oferecer os seus serviços a qualquer dos exércitos. No caso de Portugal, eram muito apetecidos, no início da guerra, os militares que pela sua experiência e capacidade pudessem ocupar postos na cavalaria, onde se notava mais a falta de capitães e oficiais superiores com efectiva experiência de comando em cenário de guerra. Já na infantaria o caso não era tão premente, pois havia muitos oficiais com anos passados na guerra contra os holandeses no Brasil, ou contra os inimigos de Filipe IV (III de Portugal) na Flandres. O caso do escocês David Caley é uma dessas excepções, em que um estrangeiro acabou por comandar terços de infantaria portuguesa.

O mercenário David Caley chegou ao Reino em meados de 1641, acompanhado de um outro oficial, o inglês Christopher Potley. Ambos tinham uma longa carreira, tendo servido durante 30 anos nos exércitos dos reis da Suécia e da Dinamarca. Potley atingira o posto de coronel, enquanto Caley, que fizera o mesmo percurso, chegara a tenente-coronel. Em Portugal, propuseram a D. João IV constituir cada um o seu regimento de infantaria, recebendo em troca a patente de coronel e a respectiva paga, que era, em regra, o dobro da que usufruía um mestre de campo português. No caso destes súbditos do rei Carlos I de Inglaterra, o soldo atribuído foi bem mais generoso: 64.000 réis por mês (um mestre de campo português recebia 23.200 réis).

Não foi possível formar os regimentos conforme pretendiam os oficiais, que no entanto receberam as patentes de coronel. Em Agosto de 1641, David Caley e Christopher Potley acompanharam o governador das armas Martim Afonso de Melo na jornada para Elvas, quando o futuro Conde de São Lourenço assumiu pela primeira vez o governo das armas do Alentejo. Deviam servir a título individual e esperar que vagasse um posto de comando num dos terços portugueses do exército da província. Em 28 de Outubro de 1641, Caley e Potley estiveram presentes no assalto e saque de Valverde, na primeira operação ofensiva do exército português desencadeada na província da Extremadura espanhola. Uma operação confusa, dirigida pelo mestre de campo D. João da Costa (futuro Conde de Soure), na qual perdeu a vida o comissário geral Francisco Rebelo de Almada, que comandava operacionalmente a cavalaria então existente no Alentejo. O exército português sofreu muitas baixas nessa ocasião, tendo David Caley ficado ferido nos combates.

No início de 1642, Caley e Potley estavam de regresso a Lisboa. Como muitos outros oficiais estrangeiros ao serviço da Coroa portuguesa, abandonaram os seus postos na fronteira, exasperados com a falta de cumprimento no pagamento dos soldos. Regressaram ao Alentejo em Abril, após receberem o soldo de dois meses (entre os vários que estavam em atraso) e a promessa de que não veriam os pagamentos diminuídos. Corriam então rumores que os contratos com os estrangeiros iriam ser revistos, baixando-lhes as exageradas pagas, as quais eram incomportáveis para as finanças da Coroa; de facto, tal medida veio a ser tomada nos primeiros meses de 1643.

Talvez por isso Christopher Potley tenha decidido regressar a Inglaterra entre Abril e Junho de 1643 (viria a participar na Guerra Civil Inglesa, nas forças fiéis ao Parlamento). Entretanto, em 14 de Abril de 1643, recebera nova patente, a de mestre de campo, e o comando de um dos dois novos terços da ordenança de Lisboa que iriam ser formados e enviados para o Alentejo. Nunca chegou a assumir o posto, pelo que a unidade foi “herdada” por David Caley, que também recebera patente de mestre de campo. Foi à frente desse terço a 10 companhias que Caley fez a campanha de Setembro de 1643, no Alentejo e na Extremadura espanhola. O sargento-mor era um francês, João de Canton (o nome próprio era quase sempre aportuguesado nos documentos), o ajudante era Francisco Vaz Aranha, e os comandantes das companhias os seguintes: Roland Baix (alferes que comandava a companhia do mestre de campo – todos os outros a seguir referidos eram capitães), Lourenço Lousado, D. Vasco Coutinho, Álvaro de Carvalho, Francisco Barreto, Aires de Figueiredo, Manuel da Veiga, António Fernandes de Lima, Guilherme De Brum e Fernando Yanses. Note-se a seguinte curiosidade: as grandes unidades da ordenança de Lisboa eram tradicionalmente designadas por regimentos e não por terços, e os seus comandantes eram coronéis e não mestres de campo; todavia, os dois terços temporários que se formaram propositadamente para a campanha de 1643 não partilharam dessa tradição.

No decurso da campanha de 1643, Caley regressou a Valverde, onde tinha sido ferido cerca de dois anos antes. Desta feita, a localidade caiu nas mãos dos portugueses, bem como Villanueva del Fresno, rebaptizada Vila Nova de Portugal. Foi aqui que o terço de David Caley se manteve em guarnição durante algum tempo. Finda a campanha, a unidade foi dissolvida, e o mestre de campo escocês passou os meses seguintes alojado no castelo de S. Jorge.

(continua – fontes e bibliografia serão referidas no final da série).

Imagem: Piqueiros exercitando-se sob as ordens de um capitão. Reconstituição histórica do período da Guerra Civil Inglesa, em Old Sarum. Foto de Jorge P. Freitas.