Continuando com o episódio referido na primeira parte, apresento agora a versão do capitão Luís Marinho de Azevedo acerca do mesmo incidente. Embora o oficial fosse mais preciso do que o cónego Aires Varela quanto à descrição dos acontecimentos militares, acerca dos quais tinha um conhecimento mais aprofundado, é difícil estabelecer com exactidão qual das versões, neste caso, se aproxima mais da realidade, uma vez que o episódio terá sido contado por terceiros.
Estavam aquarteladas na vila de Campo Maior algumas companhias de holandeses que desejavam, a uso de Flandres, entrar em quadrilhas nas terras do inimigo a fazer rapinas de que se aproveitassem, para o que se lhes não dava permissão, pelas ruins consequências que se podiam seguir deste exercício; mas havendo-se com impaciência nesta proibição, se temeu que eles se dispensassem nela, como algumas vezes costumaram. E para obviar estes descréditos, se lhes permitiu que vinte, com suas carabinas, fizessem o que tanto desejavam, e em treze do mês de Agosto se meteram em Castela de noite, e chegaram ao anoitecer ao caminho que vai de Lobón para Mérida, onde encontraram um alguazil [oficial de justiça] e um carcereiro e outros homens com três cargas de courama. E assaltando-os de repente, tomaram a todos prisioneiros, e com cargas e cavalgaduras os trouxeram a Portugal. Cevados os holandeses com esta presa, fizeram outras de importância, uma das quais foi tomarem prisioneiro um noivo com todos os que o acompanhavam, passando de um lugar a outro a desposar-se. E continuando este exercício, se juntaram vinte e cinco, e em uns matos perto do Montijo encontraram algumas cargas de panos que vinham de uma feira, acompanhadas de muita gente. E vendo que era desigual o partido para a cometer, se meteu no mato a metade dos holandeses e os mais saíram ao caminho e assaltaram os passageiros; os quais, querendo defender-se, tocaram a bastarda os holandeses emboscados e começaram a sair, dando-lhes a entender que eram muitos, com que todos os castelhanos se entregaram, e os despiram e lhe tomaram as cargas, que seis deles trouxeram a Campo Maior. Ficaram os dezanove continuando estes saltos, e tendo Dom João de Garay notícia do que passava, e divididas sentinelas para o avisarem, mandou algumas tropas de cavalaria a bater o mato em que estavam embrenhados. E vendo que não tinham remédio se entregaram, entendendo que lhes dessem bom quartel. Mas sendo trazidos a Badajoz, se lhe não concedeu, e enforcaram todos dezanove juntos em uma forca triangular, com que escramentaram os de Campo Maior para não fazerem mais rapinas.
Fonte: Luís Marinho de Azevedo, Commentarios dos valerosos feitos, que os portuguezes obraram em defensa de seu Rey, & patria na guerra de Alentejo que continuava o Capitaõ Luis Marinho d’Azevedo, Lisboa, na officina de Lourenço de Anveres, 1644, pgs. 253-254.
Imagem: Hendrick de Meijer, “Cerco e captura de Hulst”, óleo, 1645.