Há 350 anos… Notas sobre a campanha do Alentejo de 1663 – de 1 a 3 de Junho

 

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O Conde de Vila Flor permaneceu no Alandroal de 25 de Maio até 1 de Junho, tendo incorporado os socorros de Lisboa (sob o comando do comissário geral Gonçalo da Costa de Meneses) e da Beira (comandados pelo general da cavalaria Manuel Freire de Andrade). Foi no Alandroal que tomou conhecimento da força de cavalaria e infantaria enviada por D. Juan de Áustria para Alcácer do Sal. Por isso decidiu partir apressadamemte rumo a Évora, procurando apanhar o inimigo dividido. Segundo a narrativa de António Álvares da Cunha (Campanha de Portugal pella provincia de Alemtejo, na Primavera do anno de 1663, Lisboa, Officina de Henrique Valente de Oliveira, 1663), como a campanha do Alandroal a Évora é capacíssima, marchou sempre o exército em batalha, na forma seguinte; a qual se guardou em todas as marchas, e sò no dia da batalha do Canal [nome pelo qual foi inicialmente conhecida a batalha do Ameixial] se alterou, como referiremos (p. 33).

O exército dividia-se em 20 esquadrões de infantaria e 64 batalhões de cavalaria. Na vanguarda marchavam 18 peças de artilharia de vários calibres com o general D. Luís de Meneses. A 1ª linha constava de 5.000 infantes em 9 esquadrões, que governavam os mestres de campo Sebastião Correia de Lorvela, Lourenço de Sousa de Meneses (Aposentador Mor de Sua Majestade), Miguel Barbosa da Franca, Fernão Mascarenhas, Simão de Sousa de Vasconcelos, Tristão da Cunha, Francisco da Silva de Moura, João Furtado de Mendonça e James Apsley, coronel de um regimento inglês. Esta linha ficou a cargo de Afonso Furtado de Mendonça.

A 2ª linha constava de 3.500 infantes em 8 esquadrões, comandados pelos mestres de campo Pedro César de Meneses, D. Diogo de Faro e Sousa, Jacques Alexandre Tolon (francês), Martim Correia de Sá, Alexandre de Moura, João da Costa de Brito, Manuel Ferreira Rebelo e Thomas Hunt (tenente-coronel do outro regimento inglês). Esta linha ficou sob o comando de D. João Mascarenhas, Conde da Torre e futuro Marquês de Fronteira.

A reserva constava de 1.500 infantes em 3 esquadrões a cargo dos mestres de campo Paulo de Andrade Freire, Lourenço Garcês Palha, Luís da Silva e António da Silva de Almeida.

Cobriam os lados da 1ª linha de infantaria 1.500 cavalos em 30 batalhões, 15 por cada parte. No corno direito estava o general da cavalaria Dinis de Melo de Castro com os seus tenentes-generais D. João da Silva e D. Luís da Costa e o comissário geral Duarte Fernandes Lobo. O corno esquerdo da cavalaria desta linha era comandado pelo general da cavalaria da Beira Manuel Freire de Andrade, com o seu tenente-general D. Martinho de Ribeira e o comissário geral Gomes Freire de Andrade.

A 2ª linha guarnecia o mesmo número, com a mesma ordem. Regia o corno direito o tenente-general da cavalaria D. Manuel de Ataíde e os comissários gerais João do Crato e Gonçalo da Costa de Meneses; e o esquerdo o comissário geral D. António Maldonado.

A reserva era coberta por 300 cavalos em 4 batalhões, comandados pelo comissário geral Matias da Cunha.

 A disposição de tudo estava à ordem do Conde de Schomberg, a quem assistia o sargento-mor de batalha João da Silva de Sousa e os tenentes de mestre de campo general António Tavares de Pina, Pedro Craveiro de Campos e Fernão Martins de Seixas, e reformados do mesmo posto os franceses Clairan e Balandrin.

O Conde de Vila Flor, como cabeça daquele corpo, acudia a toda a parte, assistido pelo sargento-mor de batalha Diogo Gomes de Figueiredo. No mesmo exército iam particulares, como Jerónimo de Mendonça Furtado, D. Pedro Mascarenhas e António Jacques de Paiva, este destinado ao governo de Monsaraz, mas que preferiu seguir com o exército, ajudando aqueles de quem tantas vezes fora companheiro em outras contendas.

Sexta-feira, 1 de Junho: o exército acampa a 2 léguas do quartel do Alandroal, contra o Redondo. Sábado, 2 de Junho: aquartelou no ribeiro de Pardielas, 3 léguas de Évora. Domingo, 3 de Junho: apresentou-se no decantado rego da Várzea em forma de batalha, já à vista da cidade de Évora. Neste ponto se incorporou o mestre de campo general Pedro Jacques de Magalhães, deixando em Campo Maior o terço do mestre de campo Bernardo de Miranda Henriques, que trazia consigo do partido de Penamacor. E porque a este posto se chegou tarde, não pôde o exército passar ao Azambujal do Conde, onde queria alojar naquela noite para cortar a gente que havia de vir de Alcácer, mandada regressar por D. Juan. Houve escaramuças, nas quais carregou com a sua companhia o Barão de Schomberg (filho do Conde de Schomberg), a quem tocava a guarda naquele dia, os batedores contrários, pondo-os em fuga. Toda aquela noite foi rigorosíssima de água, conservando o exército a mesma forma e o mesmo posto (Cunha, pgs. 33-36)

Por seu lado, D. Jerónimo de Mascarenhas refere que D. Juan, antecipando a chegada do exército português, mandara chamar a toda a pressa a Alcácer as tropas de Juan Jacome Mazacan. Porém, por causa da falta de disciplina e dos maus caminhos, não lhe foi possível chegar senão no domingo, bastante diminuída, cansada e dispersa por via da recolha dos despojos dos saques.

Imagem: “A emboscada”, óleo de Philips Wouwerman, in http://www.wouwerman.org

Infantaria do Exército da Província do Alentejo em Maio de 1663

Um dia depois de D. Juan de Áustria ter saído de Badajoz com o seu exército, abrindo a campanha do Alentejo de 1663, era remetida ao Conselho de Guerra em Lisboa a lista da infantaria de que dispunha o exército daquela província. Quase 13.000 homens repartidos por oito praças, efectivos cuja junção levaria vários dias a concretizar-se, impedindo assim que fosse barrada a marcha ao exército espanhol que rumava à conquista de Évora.

As praças e as unidades nelas estacionadas eram as seguintes:

Estremoz

Terço da Armada, do mestre de campo Simão de Vasconcelos e Sousa (irmão do 3º Conde de Castelo Melhor, o Escrivão da Puridade e valido do rei D. Afonso VI) – 825 homens, dos quais 87 de baixa por doença.

Terço do mestre de campo napolitano D. Pedro Opecinga476 homens, dos quais 52 de baixa por doença.

– Terço do mestre de campo Tristão da Cunha de Mendonça287 homens, dos quais 9 de baixa por doença.

– Terço do mestre de campo Roque da Costa Barreto418 homens, dos quais 40 de baixa por doença.

– Terço do mestre de campo Lourenço de Sousa508 homens.

– Terço pago de Trás-os-Montes310 homens.

– Terço pago do Algarve457 homens (faltavam ainda 3 companhias, que eram esperadas em Estremoz).

– Terço de Auxiliares de Santarém310 homens.

– Terço de Auxiliares de Vila Viçosa212 homens.

– Regimento de Ingleses do tenente-coronel Thomas Hunt694 homens, dos quais 45 de baixa por doença.

– Regimento de Ingleses do coronel James Apsley495 homens.

Companhias soltas de Italianos263 homens, dos quais 26 de baixa por doença.

Vila Viçosa

– Terço do mestre de campo D. Diogo de Faro279 homens.

– Terço do mestre de campo João Furtado de Mendonça543 homens.

Elvas

– Terço do mestre de campo Francisco da Silva de Moura734 homens.

– Terço do mestre de campo Fernando de Mascarenhas 550 homens.

Campo Maior

– Terço do mestre de campo Pedro César de Meneses462 homens.

– Terço do mestre de campo francês Jacques Alexandre de Tolon360 homens.

– Terço pago de Cascais532 homens.

– Terço de Auxiliares de Avis350 homens.

Portalegre

– Terço do mestre de campo Alexandre de Moura630 homens, dos quais 130 de baixa por doença.

– Terço de Auxiliares de Portalegre 400 homens.

(Na altura da elaboração da lista, tinha chegado a Portalegre o terço pago da Beira, cujo efectivo ainda não fora contabilizado.)

Mourão

– Terço do mestre de campo Martim Correia de Sá350 homens.

– Terço do mestre de campo Miguel Barbosa da Franca501 homens.

– Terço de Auxiliares de Évora541 homens.

Moura

– Terço de Auxiliares de Campo de Ourique600 homens.

– Terço de Auxiliares de Beja350 homens.

Castelo de Vide

– Terço de Auxiliares do Priorado do Crato320 homens.

A distribuição dos militares por praças era a seguinte:

Estremoz – 5.469 (dos quais 1.259 doentes).

Vila Viçosa – 822.

Elvas – 1.284.

Campo Maior – 1.704.

Portalegre – 1.030 (dos quais 130 doentes).

Mourão – 1.392.

Moura – 950.

Castelo de Vide – 320.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1663, maço 23, “Lista da infantaria que se acha nas praças desta prouincia de Alentejo em 7 de Maio 663”.

Imagem: Mapa da Província do Alentejo, c. de 1700. Biblioteca Nacional.

Regimentos ingleses ao serviço da Coroa portuguesa (1662-1668)

casacas vermelhas

Na sequência do Tratado de Aliança celebrado entre Portugal e Inglaterra em Junho de 1661, ficou acordado que a Coroa inglesa enviaria para Portugal dois regimentos de cavalaria e dois regimentos de infantaria. Os primeiros teriam um efectivo de 500 homens cada e os segundos contariam, cada um, com 1.000 infantes. Uma força de 3.000 militares profissionais, assim se esperava.

Os efectivos totais enviados para Portugal ficaram abaixo do esperado. A cavalaria contou apenas com um regimento composto, inicialmente, por 8 companhias, num total de 400 homens. Uma força bastante heterogénea, com militares provenientes do antigo exército da Commonwealth de Oliver Cromwell e outros que se tinham batido no campo oposto – os Realistas – durante a Guerra Civil Inglesa, incluindo irlandeses. Aliás, o primeiro comandante do regimento foi um irlandês, o coronel Michael Dongan, que até 1661 tinha servido como mestre de campo no exército de Filipe IV. Já os dois regimentos de infantaria embarcaram para Portugal com um efectivo total de 2.200 homens, todos eles voluntários e antigos militares do exército de Cromwell. Após a restauração da monarquia em Inglaterra, Carlos II desmobilizou a maior parte das unidades criadas por Oliver Cromwell, mas algumas mantiveram-se ao serviço da monarquia. Era o caso de três regimentos que tinham a sua guarnição na Escócia, a partir dos quais se formaram os dois que viajaram para Portugal em 1662. A infantaria veio equipada com uniformes de cor vermelha (casaca, colete e calça), provavelmente com vivos nos canhões das mangas de cor diferente para cada regimento, como era usual na época. O vermelho tornara-se cor predominante (embora não a única utilizada) nos uniformes ingleses desde a criação do New Model Army em 1645. Em suma, o efectivo inicial do contingente inglês era de 2.600 militares (2.200 infantes e 400 cavaleiros).

A deserção e o atrito das campanhas fez oscilar grandemente os números ao longo dos anos da guerra, sempre com a tendência para a diminuição, pois as reposições das perdas foram escassas. Por exemplo, na batalha do Ameixial, em Junho de 1663, o contingente inglês compunha-se de 1.600 infantes, em dois regimentos, e 300 cavaleiros, num regimento a 6 companhias. Nos finais de 1666, o regimento de cavalaria mantinha cerca de 300 soldados nas fileiras (graças a um reforço de irlandeses), mas os dois regimentos de infantaria não conseguiam, em conjunto, alinhar mais do que 700 soldados. O contingente tinha então  pouco mais da terça parte do efectivo inicial.

Os ingleses bateram-se com brio e coragem em muitas ocasiões, sendo a sua experiência militar muitísismo importante para os sucessos alcançados na batalha do Ameixial (1663), tomada de Valência de Alcântara (1664) e batalha de Montes Claros (1665).

Para mais detalhes, consulte-se O Combatente durante a Guerra da Restauração… e A Cavalaria na Guerra da Restauração…, onde este tema é devidamente aprofundado, bem como as histórias pessoais de alguns oficiais. Aqui ficam os comandantes das unidades:

Comando do contingente: Murrough O’ Brien, Conde de Inchinquin (Julho-Novembro 1662); Christopher O’ Brien (Novembro 1662-Janeiro 1663); Conde de Schomberg (1663-1668).

1º Regimento de infantaria: Coronel James Apsley. A partir de 1665, o regimento passou para o comando pessoal do Conde de Schomberg, mas o comando efectivo foi delegado no tenente-coronel William Sheldon. Este oficial liderou o regimento na batalha de Montes Claros, em 1665, tendo morrido aí em combate.

2º Regimento de infantaria: Coronel Henry Pearson; o regimento foi comandado pelo tenente-coronel Thomas Hunt na batalha do Ameixial. Thomas Hunt morreu em 1664, no ataque a Valência de Alcântara, passando o regimento a ser comandado pelo major John Rumpsey. Foi este oficial que conduziu o regimento em 1665, na batalha de Montes Claros, pois Pearson continuava ausente em Inglaterra.

Regimento de cavalaria: Murrough O’ Brien, Conde de Inchinquin (Julho-Novembro 1662); Conde de Schomberg (comandante honorário. 1662-1668). O comando efectivo do regimento foi desempenhado pelo tenente coronel Michael Dongan, até à sua morte na batalha do Ameixial. Depois,  foi entregue ao major Lawrence Dempsey, e quando este morreu em 1664, coube ao Marquês de Schomberg, o filho mais velho do Conde, chefiar a unidade até ao final da guerra.

Bibliografia:

CHILDS, John – “The British Brigade in Portugal, 1661-1668”, in Journal of the Society for Army Historical Research, vol. LIII, 1975, pp. 135-147.

Id. – The Army of Charles II, London, Routledge & Kegan Paul, 1976. (O apêndice sobre o contingente inglês, no final do volume, contém erros a respeito das unidades em que os oficiais serviram)

HARDACRE, P. H. – “The English Contingent in Portugal, 1662-1668”, in Journal of the Society for Army Historical Research, vol. XXXVIII, 1960, pp. 112-125.

Imagem: Piqueiros ingleses do período da Guerra Civil. É pouco provável que em Portugal tenham usado peitos e espaldares – embora alguns oficiais os utilizassem: numa ocasião, foram as boas armas de corpo usadas por James Apsley que o salvaram de receber danos de armas de fogo. Também as casacas seriam de um modelo diferente, mais compridas, de acordo com a moda da década de 60. Foto de J. P. Freitas – Kelmarsh Hall, “History Day” 2007.