Há 350 anos… Notas sobre a campanha do Alentejo de 1663 – de 1 a 3 de Junho

 

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O Conde de Vila Flor permaneceu no Alandroal de 25 de Maio até 1 de Junho, tendo incorporado os socorros de Lisboa (sob o comando do comissário geral Gonçalo da Costa de Meneses) e da Beira (comandados pelo general da cavalaria Manuel Freire de Andrade). Foi no Alandroal que tomou conhecimento da força de cavalaria e infantaria enviada por D. Juan de Áustria para Alcácer do Sal. Por isso decidiu partir apressadamemte rumo a Évora, procurando apanhar o inimigo dividido. Segundo a narrativa de António Álvares da Cunha (Campanha de Portugal pella provincia de Alemtejo, na Primavera do anno de 1663, Lisboa, Officina de Henrique Valente de Oliveira, 1663), como a campanha do Alandroal a Évora é capacíssima, marchou sempre o exército em batalha, na forma seguinte; a qual se guardou em todas as marchas, e sò no dia da batalha do Canal [nome pelo qual foi inicialmente conhecida a batalha do Ameixial] se alterou, como referiremos (p. 33).

O exército dividia-se em 20 esquadrões de infantaria e 64 batalhões de cavalaria. Na vanguarda marchavam 18 peças de artilharia de vários calibres com o general D. Luís de Meneses. A 1ª linha constava de 5.000 infantes em 9 esquadrões, que governavam os mestres de campo Sebastião Correia de Lorvela, Lourenço de Sousa de Meneses (Aposentador Mor de Sua Majestade), Miguel Barbosa da Franca, Fernão Mascarenhas, Simão de Sousa de Vasconcelos, Tristão da Cunha, Francisco da Silva de Moura, João Furtado de Mendonça e James Apsley, coronel de um regimento inglês. Esta linha ficou a cargo de Afonso Furtado de Mendonça.

A 2ª linha constava de 3.500 infantes em 8 esquadrões, comandados pelos mestres de campo Pedro César de Meneses, D. Diogo de Faro e Sousa, Jacques Alexandre Tolon (francês), Martim Correia de Sá, Alexandre de Moura, João da Costa de Brito, Manuel Ferreira Rebelo e Thomas Hunt (tenente-coronel do outro regimento inglês). Esta linha ficou sob o comando de D. João Mascarenhas, Conde da Torre e futuro Marquês de Fronteira.

A reserva constava de 1.500 infantes em 3 esquadrões a cargo dos mestres de campo Paulo de Andrade Freire, Lourenço Garcês Palha, Luís da Silva e António da Silva de Almeida.

Cobriam os lados da 1ª linha de infantaria 1.500 cavalos em 30 batalhões, 15 por cada parte. No corno direito estava o general da cavalaria Dinis de Melo de Castro com os seus tenentes-generais D. João da Silva e D. Luís da Costa e o comissário geral Duarte Fernandes Lobo. O corno esquerdo da cavalaria desta linha era comandado pelo general da cavalaria da Beira Manuel Freire de Andrade, com o seu tenente-general D. Martinho de Ribeira e o comissário geral Gomes Freire de Andrade.

A 2ª linha guarnecia o mesmo número, com a mesma ordem. Regia o corno direito o tenente-general da cavalaria D. Manuel de Ataíde e os comissários gerais João do Crato e Gonçalo da Costa de Meneses; e o esquerdo o comissário geral D. António Maldonado.

A reserva era coberta por 300 cavalos em 4 batalhões, comandados pelo comissário geral Matias da Cunha.

 A disposição de tudo estava à ordem do Conde de Schomberg, a quem assistia o sargento-mor de batalha João da Silva de Sousa e os tenentes de mestre de campo general António Tavares de Pina, Pedro Craveiro de Campos e Fernão Martins de Seixas, e reformados do mesmo posto os franceses Clairan e Balandrin.

O Conde de Vila Flor, como cabeça daquele corpo, acudia a toda a parte, assistido pelo sargento-mor de batalha Diogo Gomes de Figueiredo. No mesmo exército iam particulares, como Jerónimo de Mendonça Furtado, D. Pedro Mascarenhas e António Jacques de Paiva, este destinado ao governo de Monsaraz, mas que preferiu seguir com o exército, ajudando aqueles de quem tantas vezes fora companheiro em outras contendas.

Sexta-feira, 1 de Junho: o exército acampa a 2 léguas do quartel do Alandroal, contra o Redondo. Sábado, 2 de Junho: aquartelou no ribeiro de Pardielas, 3 léguas de Évora. Domingo, 3 de Junho: apresentou-se no decantado rego da Várzea em forma de batalha, já à vista da cidade de Évora. Neste ponto se incorporou o mestre de campo general Pedro Jacques de Magalhães, deixando em Campo Maior o terço do mestre de campo Bernardo de Miranda Henriques, que trazia consigo do partido de Penamacor. E porque a este posto se chegou tarde, não pôde o exército passar ao Azambujal do Conde, onde queria alojar naquela noite para cortar a gente que havia de vir de Alcácer, mandada regressar por D. Juan. Houve escaramuças, nas quais carregou com a sua companhia o Barão de Schomberg (filho do Conde de Schomberg), a quem tocava a guarda naquele dia, os batedores contrários, pondo-os em fuga. Toda aquela noite foi rigorosíssima de água, conservando o exército a mesma forma e o mesmo posto (Cunha, pgs. 33-36)

Por seu lado, D. Jerónimo de Mascarenhas refere que D. Juan, antecipando a chegada do exército português, mandara chamar a toda a pressa a Alcácer as tropas de Juan Jacome Mazacan. Porém, por causa da falta de disciplina e dos maus caminhos, não lhe foi possível chegar senão no domingo, bastante diminuída, cansada e dispersa por via da recolha dos despojos dos saques.

Imagem: “A emboscada”, óleo de Philips Wouwerman, in http://www.wouwerman.org

Há 350 anos… Notas sobre a campanha do Alentejo de 1663 – 28 a 31 de Maio

The-Stable-of-a-Dilapidated-House,-c.1640-largeCom míngua de abastecimentos em Évora e também para aumentar as preocupações em Lisboa, D. Juan de Áustria tomou a resolução de enviar outra expedição, esta de 3.000 cavaleiros e 500 infantes sob o comando do tenente-general da cavalaria Juan Jacome Mazacán, até Alcácer do Sal. Foram os moradores desta localidade apanhados de surpresa, tendo a infantaria espanhola tomado os postos que podiam causar embaraço à sua cavalaria. Entrados em Alcácer, pilharam as casas e cometeram violências e excessos sobre os moradores, conforme reconheceu o insuspeito D. Jerónimo de Mascarenhas na sua extensa relação. Mais adianta o partidário de Filipe IV:

(…) voltou aquela cavalaria tão maltratada, que (…) foi desde então agoiro patente das desgraças que se seguiram, e que ocasionou em grande parte a sua pouca disciplina, para cujo remédio não bastou (…) a autoridade de quem a comandava (…). Pois sendo assim que na boa ordem das marchas consiste o seu melhor acerto, apartaram-se sem embargo muitos desta tão distantes do seu grosso, até Setúbal e Aldeia Galega [actualmente: Montijo, na margem sul do Tejo] (…).

O regresso a Évora, porém, ocorreria somente em princípios de Junho, conforme adiante se verá.

Imagem: “Soldados num estábulo”, óleo de Philips Wouwerman, in http://www.wouwerman.org

O combate de Castelo de Vide – 8 de Outubro de 1650 (2ª parte)

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Continuando a narrativa de Mateus Rodrigues, adaptada para português actual…

“Assim como saímos das encruzilhadas de Portalegre, fomos sempre a meia rédea (…) e quando íamos já perto de onde estava o mestre de campo com a sua gente, fizeram as nossas tropas alto, e tiraram 60 cavalos das tropas e fizeram duas partidas de 30 cavalos cada uma; e deram 30 ao alferes que era então de Dinis de Melo [de Castro], por nome Baltasar Nunes, grande soldado, e os outros 30 ao alferes de Lopo de Sequeira, também muito valente, por nome António Gomes, e a ordem que (…) deram a ambos foi que fossem cada um por sua parte lá para a ribeira de Nisa, que havia o inimigo de vir por aí. E que assim que dessem com o inimigo, qualquer deles, logo se incorporassem ambos em uma tropa [ou seja, que se juntassem para formar um batalhão, formação táctica de cavalaria] e viessem à vista do inimigo com suas escaramuças e tiros (…), mas de maneira que por nenhum caso o inimigo lhe[s] tomasse ninguém, para não saber das tropas (…), e eu também ia em uma das partidas”.

Pouco tempo depois, o destacamento avistou o terço de Castelo de Vide, que tinha cerca de 400 homens, e a companhia de Duarte Lobo da Gama, com 80 bons cavalos, já formados no local de encontro combinado. Prosseguindo a sua missão, não tardou a cavalaria portuguesa a encontrar a do inimigo, que dava de beber às montadas na ribeira de Nisa. Conforme planeado, principiou-se uma escaramuça, enviaram-se avisos ao grosso da força portuguesa, e depois juntaram os alferes as suas tropas nas elevações que dominavam a linha de progressão inimiga. No entanto, devido à natureza do terreno, não puderam aperceber-se, de imediato, do efectivo da força incursora. Logo foram carregados por esta, de modo que os alferes retiraram para o sítio onde estava o grosso do efectivo português, furtando-se ao combate, conforme as ordens que haviam recebido.

“Assim como o inimigo nos viu, imaginou que tinha (…) outro dia como o que já havia tido em o mesmo sítio [cinco anos antes, quando derrotara o terço de Castelo de Vide e destroçara a companhia de cavalos de D. Pedro de Lencastre]. E cuidou que aqueles que lá andávamos diante (…) era a companhia de Castelo de Vide e que o terço (…) havia de estar ali e que o haviam de tornar a derrotar. E para isso tomaram cem cavalos, com um capitão (…) João de Ribera, e mandaram-no mui ao largo, a rédea solta, a tomar as entradas da vila, para que a companhia se não metesse dentro, que apanhassem fora o terço e que tudo haviam de degolar”.

Não podiam os espanhóis imaginar que tinham como adversária a cavalaria de Elvas, pois não fora o acaso de esta se encontrar em Arronches quando foi dado o alarme, não seria possível estar agora ali, a dez léguas (c. 50 Km) da sua guarnição. Mesmo assim, foi com espanto que os portugueses verificaram que tinham pela frente uma força com quase o dobro do efectivo da sua, “(…) e suposto que os sucessos estão na mão de Deus, dizem lá que os muitos tiram a virtude aos poucos, que eles também têm unhas como nós, e as suas balas matam e as espadas cortam e furam melhor, de sorte que logo julgaram ali que o inimigo trazia 600 cavalos, fora os (…) que havia mandado a tomar as entradas da vila”.

Rapidamente tomou Lopo de Sequeira conselho com os restantes capitães, e todos decidiram resistir ali ao inimigo. Avisaram o mestre de campo da sua resolução. O terço de Castelo de Vide estava formado à distância de um tiro de carabina da cavalaria, “entre umas rochas mui ásperas”, pelo que, segundo a observação de Mateus Rodrigues, nem dois mil cavalos conseguiriam fazer-lhe mal. A cavalaria portuguesa (380 homens) formou-se atrás de um pequeno outeiro, por onde o inimigo teria de passar, pronta para o choque. A vantagem do terreno acabou por ser preciosa para o desfecho da peleja, pois as forças que os espanhóis lançaram em perseguição das tropas de reconhecimento portuguesas só podiam progredir através de um caminho estreito, uma companhia de cada vez.

“Assim como o inimigo chegou ao alto do outeiro (…), sai a nossa cavalaria de repente, tocando as trombetas a degolar [ou seja, aquilo que mais tarde seria conhecido por toque de carga]“. Surpreendidos, os espanhóis que vinham à cabeça da coluna retirararam e procuraram formar o seu dispositivo um pouco mais atrás, montando ali uma vanguarda, “porquanto não podiam pelejar da sorte que estavam. Mas como nós lhe saímos tão perto e bem formados, não lhe demos lugar a que eles se pudessem formar”. Ainda assim, os cavaleiros espanhóis bateram-se bravamente, pois mesmo desorganizados, tinham a seu favor o peso dos números. Mas, “suposto que éramos muito menos do que eles, era a nossa gente muito boa, e além disso foi grande fortuna nossa o acharmo-lo desformado, que não tem dúvida, que se o achá[ra]mos bem composto (…), nos perde[ra]mos totalmente, que eram 280 cavalos mais do que os nossos e mui boa cavalaria, que era o regimento da Sarça [Zarza la Mayor – por regimento, entenda-se o total das companhias aquarteladas naquela localidade], que vinha ali o comissário Mazacan por cabo delas”.

(Citações do Manuscrito de Matheus Roiz, versão transcrita do AHM, pgs. 226-230).

(continua)

Imagem: Jan Martszen de Jonge, Paisagem com combate de cavalaria e couraceiros formados atrás (meados do séc. XVII).

O combate de Cabeço de Vide, 23 de Abril de 1649 (3ª e última parte)

Originalmente, a data que surgia no título desta série de artigos era a de “22 de Abril”. Fora induzido em erro pelo texto de Mateus Rodrigues, mas ao reler um documento oficial (a carta do governador das armas Martim Afonso de Melo) pude verificar que o combate ocorreu, de facto, numa sexta-feira, 23 de Abril, dia de São Jorge. É ao combate e suas consequências que o texto de hoje é dedicado.

Em que consistiu o perder-se o inimigo foi o virmos a buscar para pelejar connosco. Que se se deixara estar como estava, tão forte, estava bem arriscado o não podermos romper, (…) e assim se averiguou que nisso consistiu, porque nunca quem buscou primeiro vai tão forte como o que está quedo. Finalmente, que assim como nós fomos chegando ao regato que estava ao pé do outeiro aonde estava o inimigo, vem-se abaixo com a vanguarda só a receber-nos e a pelejar connosco. Mas o famoso [tenente-general Tamericurt] fez logo alto com o seu batalhão, esperando que o inimigo o cometesse primeiro. Chegou o inimigo à nossa vanguarda com brava resolução (…), e logo deu primeiro uma notável carga de cravinas e pistolas, que não há dúvida que caíram alguns dos nossos com ela. E assim como a deu vem-se a eles à espada com uma fúria que parecia que levavam tudo de coalho, mas a nossa gente se deixou estar mui cerrados que parecia uma muralha, e mais já haviam caído muitos com a carga que o inimigo deu (…). Averbado (…) com a nossa vanguarda, já todos juntos, dando uns nos outros muita pancada, sem o inimigo poder nunca romper (…), que era o que determinava. Contudo, como eles viram que não puderam levar a vanguarda, fazendo-lhe as diligências possíveis, dão as costas outra vez para trás, mas apenas eles as tinham dado, já a nossa vanguarda lhe estava em cima com grande valor, matando e ferindo. E logo a nossa batalha e reserva, que até aquele tempo estavam vendo em que parava a nossa vanguarda, logo foram sempre nas suas costas, sempre formados, dando-lhe calor [ou seja, dando apoio]. E assim como o inimigo chegou ao cimo do outeiro aonde estava sua reserva, quis ali tornar a ter mão com a sua reserva (…). Ali em o outeiro houve mais pancadas que aonde o inimigo nos cometeu [primeiro], mas arrimou-se logo a nossa reserva toda, e com facilidade se determinou o inimigo a fugir (…).

Esta narrativa de um combate de cavalaria deixa bem claro quão importante era a resistência oferecida pela vanguarda que recebia o choque das tropas que a carregavam. Se se rompia essa primeira linha de batalhões, a perseguição podia levar a confusão às outras linhas (chamadas batalha e reserva). Por outro lado, se os atacantes não conseguiam romper a vanguarda inimiga e necessitavam de fazer meia-volta para se reagruparem à retaguarda, a perseguição de que seriam alvo poderia revelar-se fatal para a coesão das restantes forças. Foi isso que sucedeu às tropas comandadas por Juan Jacome Mazacan, neste combate perto de Cabeço de Vide.

(…) E tanto que ele se deliberou a fugir, então direi eu que não havia mãos a medir (…), antes que ele entrasse na coutada de Cabeço de Vide, que estava um quarto de légua de onde foi a bulha, (…) [já] os nossos iam tão enfrascados neles [que] não se podiam apartar deles, que não há gosto para um soldado como ir seguindo o inimigo que vai com a proa no vento, vendo por donde escapará.

Findo o combate com a fuga das forças de Mazacan, a população de Cabeço de Vide veio saudar os vencedores.

(…) Não ficou gente na vila, que todos saíram cá fora (…) e (…) nos davam grandes vivas e louvores e que nos não havia de faltar nada na vila aquela noite, e bem cumpriram sua palavra (…). Entrámos logo para dentro da vila de Cabeço de Vide com grandioso gosto e alegria de ver que nos dera Deus tão honrado dia, e o bem-aventurado São Jorge, que era em o seu dia, a quem o Conde Martim Afonso de Melo faz festa todos os anos por lhe dar aquela vitória. (…) Não sabia a gente de Cabeço de Vide que nos fizesse com tanto gosto como nos receberam aquela noite em suas casas, que não havia galinha que não matassem, nem tinham coisa boa que não nos dessem. De modo que toda a fazenda que o inimigo tinha junto, tudo ali ficou, e foram seus donos a buscar cada um o que lá tinha e não lhe faltou nada. E na verdade que ficavam aqueles lugares todos perdidos se o inimigo lhe levava aquela pilhagem.

No rescaldo do combate, segundo Mateus Rodrigues, foram capturados mais de 250 cavalos, mas os camponeses terão escondidos vários que encontraram pelos campos. As perdas da força incursora cifraram-se em mais de 50 mortos, entre os quais 3 capitães, e 260 prisioneiros. A cavalaria portuguesa sofreu menos de 30 mortos, mas 100 soldados ficaram feridos. A violência da refrega fica bem patente pelas baixas sofridas por ambos os lados, tendo em consideração que os efectivos seriam cerca de 600, do lado português, e cerca de 700, do lado espanhol. Entre os mortos do exército português contava-se o capitão Latouche, francês que servia o rei D. João IV desde 1641, dois tenentes e três alferes. Neste combate também ficou ferido o jovem capitão Dinis de Melo de Castro (uma bala em uma perna e todo o corpo por fora crivado um capotilho que levava sobre as armas), cuja brilhante carreira militar só terminaria no início do século XVIII, durante a Guerra da Sucessão de Espanha, já como Conde de Galveias.

(Citações do Manuscrito de Matheus Roiz, versão transcrita do AHM: pgs. 159-162).

Imagem: Combate de cavalaria em frente de um moinho em chamas, Philips Wouwerman, Gemäldegalerie, Dresden.

O combate de Cabeço de Vide, 23 de Abril de 1649 (2ª parte) – a disposição táctica

Juan Jacome Mazacan (ou Mazacani, pois era napolitano de nascimento) era um militar bem conhecido dos portugueses. O soldado Mateus Rodrigues refere-se-lhe algumas vezes nas suas memórias. Comandava desde 1644 a guarnição de Zarza la Mayor, e embora o seu território de operações fosse habitualmente a fronteira que confinava com a Beira, entrou por vezes com a sua cavalaria pela raia alentejana. É nesta província que se encontra com a cavalaria portuguesa sob o comando do tenente-general francês Achim de Tamericurt em 23 de Abril de 1649, nas proximidades de Cabeço de Vide, não muito distante da vila de Fronteira.

Na continuação da narrativa, percorremos hoje a disposição táctica das forças, segundo o testemunho de Mateus Rodrigues.

(…) De modo que o dito Mazacan, assim como nos viu a todos, disse para a sua gente (…) senhores, soldados e capitanes, nos tenemos aqui mui buena pillaje de ganados, pero mejor es la que hemos de tener de aquesta que aca viene [em castelhano no original]. (…) E passando o nosso comissário [quer dizer, o tenente-general Tamericurt] pela vanguarda de toda a nossa cavalaria, dizendo aos capitães e mais soldados que não houve[sse] descomposição nem rumor, senão mui calados e cerrados e que fize[sse]mos todos como ele esperava de tão bizarros soldados como nós éramos [na época, a palavra bizarro era aplicada áquele que se distinguia pela sua valentia]; de maneira que se foi para a vanguarda pelejar (…), que iam cinco companhias na vanguarda, muito boas e [com] bons capitães, que era a companhia de um francês, por nome Latuie [Latouche], que o mataram ali, e a companhia do capitão João Homem Cardoso, e a companhia do comissário de Olivença, Duquesne, e a companhia do capitão Dinis de Melo [de Castro], que foi a primeira ocasião em que se achou depois de [promovido a] capitão de cavalaria e procedeu tão bizarramente como adiante direi, e assim mais a companhia do capitão João de Oliveira Delgado, e estas cinco companhias que na vanguarda iam teriam 200 cavalos (…) e as outras iam 4 na batalha e outras 4 na reserva, tudo mui composto e com ordem, na batalha ia o capitão Fernão de Mesquita [Pimentel] por cabo , e na reserva ia o capitão António Jacques de Paiva por cabo. De maneira que assim como o inimigo nos viu com determinação de pelejar, não fez mais que formar-se em (…) vanguarda e reserva, mas na vanguarda pôs todos os bons soldados e oficiais (…), e fê-lo mui grosso, que trazia na vanguarda perto de 400 cavalos, porque fazia conta que, em nos rompendo a vanguarda, que nos fizesse fugir, que logo a demais [cavalaria] havia de fazer o mesmo. Que não há dúvida que era uma ocasião daquelas [em] que é necessário haver bons cabos diante e bons soldados, que se uma vanguarda se rompe, ou sua ou nossa, é necessário muito auxílio de Deus e valor para terem bem mão, vendo fugir a sua vanguarda, e por isso o inimigo se fundava nestas circunstâncias (…). Aonde (…) se formou era um cabeço alto, e ao pé dele corria um ribeiro (…). E todo o gado, assim bois como ovelhas e cabras e porcos e muitas cavalgaduras, tudo isto estava junto, ao pé do inimigo, por onde havíamos de passar forçadamente [forçosamente]. E pelo meio de lá rompemos, e era tanto o fato de roupa que estava pelo chão, que eles haviam roubado pelos montes, que podiam carregar um navio, que todos os castelhanos (…) largaram [d]as garupas para pelejarem mais à sua vontade, e desembaraçados.

(Citações do Manuscrito de Matheus Roiz, versão transcrita do AHM: pgs. 157-159).

Agradeço muito especialmente a colaboração do amigo e investigador de Zarza la Mayor, senhor Juan Antonio Caro del Corral, que tem disponibilizado muita informação sobre o período da Guerra da Restauração – e neste caso, a obra de Gervasio de Velo Y Nieto, Escaramuzas militares en la frontera carcereña con ocasión de las guerras por la independencia de Portugal, Madrid, 1952, de onde me foi possível recolher alguns dados sobre o percurso militar de Juan Jacome Mazacan.

Imagem: Mapa de Portugal, cerca de 1700 (detalhe da província do Alentejo). Note-se a pequena diferença do topónimo, que surge como Cabeça da Vide. Biblioteca Nacional, Cartografia, CC164P.

Imagens de Cabeço de Vide, da arquitectura de hoje e do passado (e da tranquila paisagem dos arredores) podem ser vistas aqui.

O combate de Cabeço de Vide, 23 de Abril de 1649 (1ª parte)

As narrativas de Mateus Rodrigues (Matheus Roiz) sobre as operações militares em que participou são muito interessantes pelos detalhes que revela, ainda que escritas num português pouco correcto no estilo e na forma, mesmo pelos padrões do século XVII. Como as memórias foram passadas ao papel vários anos após os acontecimentos vividos, o autor comete, por vezes, erros de pormenor, principalmente quanto à datação dos eventos. É o caso da interessante narrativa que o ex-soldado de cavalaria produziu a respeito do combate de Cabeço de Vide, ocorrido em 23 de Abril de 1649 – mas que o memorialista situa no tempo dois anos e um dia antes. Uma carta de Martim Afonso de Melo, Conde de São Lourenço, datada de 24 de Abril de 1649 (Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Conselho de Guerra, Consultas, 1649, maço 9, nº 93) permite corrigir o erro de Mateus Rodrigues e corroborar, no essencial, o que se passou nesse recontro. Mas para os detalhes bélicos vistos a partir do chão (ou melhor, da sela do cavalo), nada melhor do que seguir o que a pena do combatente riscou no papel há mais de 350 anos.

Martim Afonso de Melo, governador das armas do Alentejo, teve conhecimento que o inimigo tinha tenção de fazer uma entrada às nossas partes de Cabeço de Vide e Crato e Fronteira e Monforte. (…) Mandou logo a Olivença uma ordem, que viessem das companhias que lá estavam três ou quatro para Vila Viçosa, e assim mais a que estava em Terena e a do Alandroal. (…) E logo o Conde Martim Afonso de Melo mandou para lá ao comissário, que então era Achim de Tamericurt [mais uma confusão do autor – o francês Tamericurt era já tenente-general, e foi acompanhado nessa missão pelo seu compatriota Pierre Maurice Duquesne, esse sim, comissário geral] para que assistisse com elas, para dali acudir a qualquer parte donde o inimigo entrasse.

Passaram 5 ou 6 dias sem que houvesse notícia da cavalaria espanhola, até que o Conde de São Lourenço recebeu a informação de que as forças inimigas se preparavam para acampar entre Assumar e Arronches e que eram compostas por 800 cavalos e 600 infantes, e que enviara mais 700 cavalos a pilhar várias localidades. Os portugueses tinham menos de 400 cavaleiros para se lhes oporem, entrando aqui em conta as companhias de Elvas (segundo o Conde de São Lourenço, pois Mateus Rodrigues refere que eram quase 600).

(…) Mas não foram todas senão oito [Elvas tinha então 12 companhias], as maiores e melhores. E logo saímos para fora da cidade a sol posto e (…) já fora, junto dos arcos da Moreira, (…) chamou [Martim Afonso de Melo] o meu tenente, que era homem de grande préstimo e valor, e lhe disse que havia de ir (…) a Vila Viçosa avisar [Tamericurt] (…) que montasse com elas [as 6 companhias que lá estavam] e fosse ter a Veiros [n]aquela noite. (…) Partiu-se o meu tenente em um cavalo que tinha, que era um assombro, o nome do tenente era Agostinho Ribeiro. (…) E quando nós juntámos todas as nossas companhias em Veiros (…), algumas delas eram mui pequenas, mas ainda tinham mui perto de 600 cavalos, porque havia algumas companhias grandes (…), a minha não levava mais de 24 cavalos e não levava capitão, que já D. João de Ataíde (…) se havia ausentado para Coimbra [na verdade, havia quase dois anos que isso sucedera; a companhia foi entregue posteriormente ao capitão Francisco Pacheco Mascarenhas], não ia senão o tenente e alferes.

O tenente general Tamericurt recebera ordens escritas do governador das armas para se opor à entrada do inimigo, e que peleje com ele, pois é crédito nosso, e não repare em que tenha mais cavalaria, que a não o fazer assim se haverá El-Rei por muito mal servido de vossa mercê e em mim me terá por inimigo. (…) Saímos de Veiros já quase manhã e nos fomos marchando na via de Cabeço de Vide, aonde era que o inimigo se dizia andar. E já tínhamos marchado duas léguas de Veiros pela estrada adiante sem em todos aqueles campos haver notícia alguma de inimigo, (…) que como aqueles campos estão ainda povoados de montes com lavradores, era de espantar não haver um aviso, estando o inimigo naquelas partes. E assim como [o tenente-general Tamericurt] viu a quietação da campanha, mandou chamar todos os furriéis das tropas para que fossem diante tomar alojamentos para as companhias e livranças de mantimentos para os cavalos e pão para os soldados.

Partindo para a missão que lhes tinha sido confiada, os 17 homens destacados (os furriéis, alguns soldados e um ajudante da cavalaria) em breve toparam 40 cavaleiros espanhóis que guardavam uma passagem num ribeiro. Esta pequena força retirou, sendo seguida pelos portugueses, a quem procuravam os espanhóis atrair a uma emboscada. Pouco tempo depois travou-se uma escaramuça, à qual foram acudindo mais tropas portuguesas. Entretanto, os batedores informaram Tamericurt que tinham descoberto o grosso da força inimiga, a cerca de meia légua de Cabeço de Vide, perto do local onde se escaramuçava.

O inimigo [estava] mui bem formado em três formas, que era vanguarda e batalha e reserva. (…) Ele via-se com mais cavalaria do que nós íamos, e além disso tinha uma notável presa de gados (…) que havia juntado em todos os campos daqueles lugares que ficavam destruídos para sempre, e também via o inimigo que era a primeira vez que vinha a fazer entrada com a cavalaria lá de cima da Beira, que vinha ali por cabo um comissário da Sarsa [Zarza la Mayor] que chamam Mazacan, que o mandou vir o governador de Badajoz de lá com o seu partido para fazer a dita entrada. (Citações do Manuscrito de Matheus Roiz, versão transcrita do AHM: pgs. 153-157).

A entrada fora ordenada pelo Barão de Mollingen, o qual estava quase a ser substituído como mestre de campo general pelo Marquês de Mortara. Como era costume na fronteira, quando um cabo de guerra estava prestes a deixar o seu cargo, mandava fazer uma grande incursão de pilhagem “de despedida”, visando obter lucros consideráveis com a venda das presas. E assim nos aproximamos do combate, que será descrito nos próximos artigos.

Imagem: Cavalos arcabuzeiros em acção. Reconstituição histórica, Kellmarsh Hall, 2007. Foto do autor.

Uma entrada nos campos de Brozas – Dezembro de 1652 (1ª parte)

Num cenário mais a jusante do que foi descrito no artigo imediatamente anterior ocorreu a incursão que a seguir é narrada. Os campos de Brozas foram o alvo da rapinagem perpetrada pelas forças portuguesas. Desta feita, a propaganda coeva dá lugar à palavra escrita pela pena de um combatente, o soldado Matheus Roiz (Mateus Rodrigues), em cujo testemunho se baseia a descrição da operação – corresponde ao capítulo 49 da versão transcrita, pertencente ao acervo do Arquivo Histórico Militar e já aqui referida.

Os campos de Brozas ficam já no distrito da província da raia da parte de Cidade Rodrigo e A Sarça [La Zarza], onde está um comissário do inimigo por nome Mazacan, que tem o seu regimento 700 cavalos, e como estes campos de Brozas são terras aonde o inimigo traz sempre muita quantidade de gados, quis o nosso mestre de campo general e governador das armas [do Alentejo] Dom João da Costa ver se por esta via podia armar ao inimigo a que lhe saísse, de modo a que pelejasse com ele.

Observe-se a semelhança de propósitos entre os chefes militares de ambos os lados, confrontando com o que foi descrito no artigo anterior. Era a constante da pequena guerra, causadora de desgaste para as forças militares, mas principalmente para as desgraçadas populações raianas. Era também um modo de assegurar alguns recursos para os combatentes, uma vez que os soldos eram escassos no provimento.

E assim se determinou a mandar aos ditos campos 10 ou 12 tropas de cavalo, porque tinham boa entrada pela parte de Campo Maior indo por Albuquerque, de modo que não fossem sentidas (…). Dois dias antes que Dom João da Costa o fosse aguardar, entrou [o capitão] João da Silva [de Sousa] ao longo de Albuquerque uma légua, mas não foi sentido, que nisso constava sua segurança.

Agora atentemos na disposição táctica da força mista de cavalaria e infantaria em marcha:

Assim como lhe pareceu a Dom João da Costa que eram horas de sair [de noite], marchou com os três terços de Elvas e com toda a mais cavalaria. (…) [Levou] toda a cavalaria de vanguarda e uma companhia muito mais avançada diante, que ia descobrindo a campanha, e levava batedores por todas as partes e a companhia que então ia diante era a minha, e o capitão dela Francisco Pacheco Mascarenhas, (…) levava o meu capitão dois batedores de cada lado, avançados da tropa um tiro de cravina [carabina], e um pela estrada adiante, (…) [que] era eu.

Na noite de claro luar, a cavalaria passou um curso de água conhecido por ribeiro do Judeu, que ficava no meio do caminho para Campo Maior, mas teve de deter-se para dar tempo a que a infantaria atravessasse o ribeiro, o que levou muito tempo. Enquanto se estava neste impasse e o grosso da cavalaria aproveitava para desmontar e descansar os animais, o batedor Mateus Rodrigues vigiava uma vereda que era habitual ponto de passagem de tropas espanholas quando faziam as suas incursões. Foi então que

(…) eu vi vir uma partida de seis ou 7 cavalos, uns atrás dos outros, pela mesma vereda; (…) não podiam ser dos nossos, que os [nossos] batedores eram menos e além disso iam já adiante, e tanto que os vi levanto o cão da pistola, que a tinha na mão, (…) e perguntando-lhe[s] quem vive duas ou três vezes (…) me não responderam nada senão avançar a mim à rédea solta, ao que eu logo toquei arma [ou seja, disparou um tiro de aviso] com a pistola.

Toda a cavalaria portuguesa entrou em alvoroço e o que se passou a seguir foi confuso. Mateus Rodrigues fugiu para junto da sua companhia. Procuraram os supostos inimigos, mas não toparam ninguém, pelo que Mateus Rodrigues foi acusado pelos camaradas de ter confundido tropas portuguesas com castelhanos. O memorialista manteve-se firme na afirmação de que avistara um grupo de 6 ou 7 cavaleiros inimigos, e segundo escreve, no decurso da operação os factos demonstraram que tinha tido razão. Encerremos por ora esta primeira parte com a narração da aproximação e entrada em território hostil:

Fomos marchando até Campo Maior aonde já os dois terços nos estavam aguardando cá fora no rossio; e assim como chegámos logo nos pusémos em marcha, (…) e quando o sol saía já nós íamos passando a ribeira de Xévora; fomos marchando pela campanha à vista de Albuquerque, que era aonde nós íamos fazer a espera da nossa gente que ia a Brozas, e assim quando era a tarde com duas horas de sol já tínhamos chegado ao posto que chamam ali As Duas Hermanas, porque são dois cabeços mui altos que estão um à vista do outro e por isso lhe puseram tal nome.

Bibliografia: Manuscrito de Matheus Roiz, transcrição do códice 3062 [Campanha do Alentejo (1641-1654)] da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Lisboa, Arquivo Histórico Militar, 1952, pgs. 310-313.

Imagens:

Em cima, zona dos campos de Brozas na actualidade (a amarelo, a linha de fronteira); reprodução de imagem obtida a partir do programa Google Earth.

Em baixo, “Combate sobre uma ponte”, água-forte do pintor flamengo Peter Snayers (1592-c. 1667), Courtauld Institute of Arts, Londres.

Escaramuças raianas – Extremadura (partido de Alcántara), 6 de Março de 1652

Com a colaboração do senhor Juan Antonio Caro del Corral, serão apresentadas aqui algumas narrativas de operações militares desenroladas de um e outro lado da raia, na zona entre a Extremadura espanhola (partido de Alcántara) e a província da Beira. Sobre as características destas operações e a maneira como eram apresentadas nas Relações publicadas por ambos os contendores já fiz referência noutro artigo. O que hoje vos deixo tem a particularidade de ser respigado de uma Relação (ou melhor, Relación) dada à estampa do lado espanhol, pois refere uma vitória das armas de Filipe IV. O Conde da Ericeira também escreve, de passagem, sobre este insucesso português na sua História de Portugal Restaurado.
D. Francisco Totavila, Duque de San Germán, mestre de campo general e governador das armas da Extremadura, fora avisado das frequentes entradas feitas a partir da província da Beira, partido de Penamacor (a Beira fora dividida em 1647 em dois partidos, ou distritos militares: a norte o de Riba Coa, também designado como de Almeida, a sul o de Penamacor, também referido como de Castelo Branco). Estava-se em 1652 e era a Beira governada pelo mestre de campo general D. Sancho Manuel de Vilhena, que mais tarde viria a ser Conde de Vila Flor.

O Duque de San Germán encarregou D. Tomás Alardi, Conde de Troncan, general da artilharia do reino de Sevilha e governador das armas dos partidos de Alcántara, Coria e Sierra de Gata, de fazer uma entrada em Portugal, de modo a enfrentar e derrotar a cavalaria portuguesa. Este era um objectivo comum na pequena guerra de fronteira, quando a intensidade das pilhagens se tornava demasiado incómoda para a vida das populações. Diminuir a capacidade do inimigo através de uma operação que lhe causasse baixas militares significativas podia ser a solução – sempre temporária – para travar a frequência das incursões.

Tendo em vista esse fim, o Conde de Troncan mandou incorporar as tropas de Arroyo, Malpartida, S. Vicente e Valencia de Alcántara às de Moraleja. Entretanto, as forças portuguesas fizeram nova entrada até às proximidades de Moraleja com 200 cavalos, mas retiraram quando souberam que o comissário geral Juan Jacome Mazacan se aproximava com sete companhias de cavalaria. Foi então o comissário geral encarregado de levar a cabo uma entrada em Portugal, o que fez no dia 5 de Março de 1652, embora sem sucesso de maior, pois os portugueses tinham recolhido todo o gado e nada pôde ser furtado.

Por sua vez, o Conde de Troncan encetou a marcha rumo a Portugal. Ao amanhecer do dia 6 de Março topou com uma força portuguesa nos campos de Ceclavin. Eram 250 cavalos e 500 infantes que defendiam um vau do rio Alagón, no sítio chamado El Pontón. Faziam a cobertura de uma força de cavalaria que fora rapinar gado e que o recolhia em grande número. Procurou avisar o comissário geral Mazacan, que já se encontrava nas cercanias de Monfortiño e La Zarza. Lançado em perseguição dos portugueses, alcançou-os a meia légua de Alcántara, e os investiu

pelejando com tanto esforço que rompeu toda a cavalaria e infantaria inimiga, sendo o recontro tão sangrento que ficaram mortos na campina mais de 150, e entre eles um capitão de cavalos, dois tenentes, seis capitães de infantaria, o sargento-mor do terço [o que não se confirma por outras fontes, pois era António Soares da Costa, o Machuca, que ficou posteriormente a comandar o que restou do terço pago], cinco alferes e outros oficiais [incluindo um capelão] e 366 prisioneiros, tão mal feridos que morreu a maior parte. (…) Da cavalaria apenas escaparam 50 e os demais que faltam se vão recolhendo, de modo que passam de 200 os cavalos capturados e muitas armas, munições e apetrechos de guerra.

Do lado espanhol ficaram feridos dois capitães de cavalos – D. Gonzalo de Escobar e D. Andrés de Rada. Este morreu devido à ferida ter sido causada por um golpe de pique na barriga. Também morreram o alferes e 4 soldados da companhia de D. Andrés.

Os prisioneiros portugueses de maior nomeada foram o mestre de campo João Fialho, o governador da cavalaria do partido de Penamacor Gaspar de Távora, um sobrinho do príncipe de Marrocos, aventureiro, e quatro cavaleiros do hábito de Cristo. Ao todo, foram capturados 38 oficiais, 5 aventureiros, 4 tambores e 332 soldados, tendo sido recolhido todo o gado que a força portuguesa havia previamente pilhado.

Bibliografia: Relación del feliz succeso que han tenido las armas de S. Majestad, gobernadas del Conde de Troncan, en la Extremadura por la parte de Alcántara, contra las armas del tyrano, que gobierna dº Sancho Manuel, maestre de campo general del exercito rebelde. Sucedió miércoles 6 de marzo de este año de 1652. Transcrição enviada pelo senhor Juan Antonio Caro del Curral, a quem agradeço a gentileza.

Imagem: Cavalaria escaramuçando com infantaria. Reconstituição histórica da Guerra Civil Inglesa. Foto do autor. Kellmarsh Hall, 2007.