A praça de Peniche em 1657 – mais um documento relativo à defesa costeira

fortaleza

Por diversas vezes têm sido apresentados aqui documentos relativos à praça de Peniche durante a Guerra da Restauração, nomeadamente em 1644 (dois artigos) e 1657. Ainda relativamente a este último ano, aqui fica a transcrição de uma carta que, embora não assinada, terá sido provavelmente enviada ao Conselho de Guerra pelo governador das comarcas de Leiria e Torres Vedras, Manuel Freire de Andrade, a respeito da fortificação daquela vila.

Sendo Vossa Majestade servido mandar que a vila de Peniche se fortificasse conforme a planta que neste Conselho apresentei, se lhe deu princípio reconhecendo os fundamentos de que se tinha só notícia por informação dos moradores, como manifestei a Vossa Majestade, que afirmariam não haver mais que seis ou oito palmos de área por baixo da qual se acharia um salão capaz de se fundar nele.

Feita agora experiência se acha o contrário, porque tendo já abertos quinze palmos de alto, nem ainda com estacas que lhe fiz meter, de treze palmos mais, se acha firme. Pelo que considerando com grande atenção a capacidade do sítio, o quanto importa a fortificação daquela vila e o grande custo que faria sendo fundada sobre estacadas, me pareceu conveniente mudar-lhe a forma, recolhendo-a por dentro das marinhas com a que a planta junta representa.

Tem por este lugar de mais dos bons fundamentos que promete as vantagens das praças cuja fortificação em algumas partes se retira para o centro, sem participar do maior discómodo que é diminuir sua capacidade, porquanto esta vila a tem grandíssima, e é muito de notar que sendo suas defensas todas compreendidas do mosquete, não pode ser cometida por qualquer parte sem que o inimigo seja ofendido de toda, além de que se junta o fosso das costumadas inundações de área. Com estas comodidades se não deve reparar em algumas casas que corta em uma ponta da vila e em Peniche velho, por não serem de muita consideração, mormente quando quase todas não impedem a fábrica das muralhas, mas somente sua perfeição e fim da obra.

No demais se pode seguir em tudo a outra planta a que me remeto. Vossa Majestade mandará o que for servido. Lisboa, 26 de Setembro de 1657.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1657, mç. 17, carta de 26 de Setembro de 1657.

Imagem: Vista da fortificação seiscentista de Peniche. Foto de JPF.

Situação da praça de Peniche em Março de 1657

Fortaleza de Peniche

Já em duas ocasiões anteriores foi aqui focada a praça de Peniche, mais concretamente o estado da vila e fortaleza em 1644. Desta feita, é a capacidade defensiva daquela praça em 1657 que aqui se traz, através de uma carta enviada ao Conselho de Guerra, em 22 de Março daquele ano, pelo então governador de Peniche e das comarcas de Leiria e Torres Vedras, Manuel Freire de Andrade.

Na referida carta, o governador refere que, para dar cumprimento a uma ordem régia recebida em carta de 17 do mesmo mês, deixara a ocupação em que estava, que era a leva dos auxiliares de pé e de cavalo e a recondução de soldados fugidos, e passou a Peniche para fazer a relação do que faltava àquela praça para defesa dela. No seguimento dessa inspecção  apresentou o seguinte relatório:

Nas 2 companhias daquele presídio não há mais de 125 soldados pagos, quando cada uma deveria ter 150, e ainda se guarnecem as Berlengas com 25 soldados.
No forte estão 11 peças de artilharia de bronze, de 18, 16, 10 e 3 libras de calibre, e havia mais 8 ou 10 peças de ferro de pouco préstimo, e nenhuma destas peças tem carretas que não se apeiem logo ao primeiro disparo, por estarem gastas do tempo e do pouco cuidado que se houve no resguardo delas. Há oficiais e madeiras, e se se acudir logo a esta falta, se poderá remediá-la.

Na casa de armas haverá 500 arcabuzes e mosquetes bem tratados, mas não há para eles um só frasco [de carga de pólvora], nem bandolas. Não chega a oito quintais a corda que há no armazém. Haverá no máximo 55 quintais de pólvora, e houve mais uns tempos atrás, mas não sabe o governador os descaminhos que levou. Não havia mais do que nove cunhetes de balas de mosquete e arcabuz. Os artilheiros são ao todo 11, mas um deles é inútil por estar entrevado, dois assistem nas Berlengas, e nos 8 restantes não viu entre eles um homem conhecedor do seu ofício.

Na praça não há abastecimentos de género nenhum, e não só sendo necessários, acresce algum presídio de auxiliares. Há na terra o que dar a comer aos soldados, mas convém ter de sobresselente para qualquer aperto que se ofereça, e também para prover às Berlengas, porque estiveram os soldados desde o início da Quaresma até à data da elaboração do relatório sem comerem, por não dar o tempo lugar a os poderem socorrer, e era o aperto tão grande que os julgaram por mortos, e na véspera de Manuel Freire chegar a Peniche lhes meteram, apesar do risco do mar, vinte sacos de biscoito e um pouco de arroz e outras coisas necessárias, e tudo chegou em boa ordem. Manuel Freire deu ordem para que lhes fizessem chegar mais abastecimentos.

Da fortificação, o que está obrado lhe pareceu bem, porém não é o suficiente, pois que se o inimigo desembarcar e ganhar a vila (que não tem nenhuma defesa) pelas casas que ficam junto do forte, poderá durar pouco a resistência. Manuel Freire diz que se deve fortificar a língua de areia que faz entrada para a vila, porque ao resto o fez a Natureza inexpugnável. E em pouco tempo mal se poderá fazer obra tão grande, porém se pode remediar consertando-se a plataforma que está em Peniche o Velho, metendo-se mais artilharia, porque tem só 3 peças de ferro. E o mesmo se pode fazer na ponte, crescendo-lhe algum terraplano, para ficar a artilharia que se puser em sítio mais superior. E também se deve consertar a plataforma do cais novo, para que fique cruzando a artilharia a entrada de Peniche, fazendo-se de uma plataforma à outra uma trincheira de terra e faxina.

O Rei, por decreto de 14 de Abril, manda advertir a Rui Correia Lucas que tenha em conta as recomendações.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1657, mç. 17, consulta de 27 de Março de 1657.

Imagem: vista aérea da fortaleza de Peniche; imagem do blog Espaço e Memória, da Associação Cultural de Oeiras.

Do choque entre as justiças civil e militar – um caso de 1650

peasants-and-soldiers-outside-a-tavern (Jan Havicksz Steen)A definição das fronteiras de actuação da justiça, quando os crimes eram praticados por militares e as vítimas elementos da população civil, era algo muito difícil de estabelecer. Dada a situação de guerra pela qual o Reino passava e a necessidade de não derrogar os privilégios dos militares, a fim de não os desmotivar ainda mais perante as necessidades e perigos que tinham de enfrentar, os processos podiam arrastar-se anos, mesmo quando eram perpetrados em zonas distantes da fronteira de guerra.

O caso que aqui se exemplifica reporta-se a 1650, embora o crime em si tenha ocorrido anos antes. Os contornos exactos não são revelados nos documentos existentes, mas envolveu militares e membros do clero e, como causa primeira, a violação de uma mulher – um acontecimento muito frequente à época.

A consulta do Conselho de Guerra refere uma carta do desembargador João Carneiro de Morais, que o rei enviara ao Conselho de Guerra, sobre um caso passado em Óbidos, havia algum tempo já (a julgar por outras referências inclusas, antes de 11 de Junho, seguramente). Nela se refere que fora feita uma nova devassa “do arrombamento do castelo e cadeia da vila de Óbidos, sem embargo de que na primeira devassa não constou dos delinquentes, contudo averiguara claramente que foram seis soldados do presídio de Peniche, os quais comprados por dinheiro, induzidos de uns clérigos, com ajuda e favor do seu capitão Domingos Freire de Brito, cometeram o dito crime com as maiores circunstâncias de indolência que podia ser, a fim de tirarem um preso que o estava por desflorar uma moça em um lugar ermo, com grande violência”. O caso é complicado, pois mostra alguma hesitação do juiz desembargador em remeter ao Conselho de Guerra estas culpas (ou seja, o processo), uma vez que fora praticado há muito tempo, fora da milícia, e era considerado de lesa-majestade. Refere ainda o juiz os trâmites do processo, o facto de não terem sido remetidas culpas ao capitão, por causa de uma indefinição quanto aos juízos em que o processo deveria correr. O réu teria de ser conduzido à sua presença, o que não acontecera, e o crime era punível com pena de morte (Ordenação, lvº 5, tít. 48, § V). Estando o caso como estava, não podia o juiz fazer nada sem ordem firmada pela mão do Rei. E acrescenta que “estes soldados residem alguns no presídio de Peniche publicamente com grande escândalo e são mui facinorosos; e que contra quatro deles há prova na devassa bastante para a pena ordinária (…) que em tão insolente caso são indignos de todo o favor, e que é cousa infalível que se neste caso não houver um exemplar castigo, cada dia escalarão as cadeias, e que bem notória é a facilidade com que o fazem, pois naquela alçada tem três casos desta qualidade”. O juiz solicita que o Conde de Ericeira faça prender logo o capitão e soldados “que serão três ou quatro somente, os que hoje ali assistem”, e que a carta escrita ao Rei seja remetida ao Conselho de Guerra, para que se determine o que se há-de fazer, pois os processos destes soldados estão quase, afinal, à sua revelia.
O Conselho de Guerra, considerando que “(…) maiormente no tempo presente, em que não só as razões de direito e justiça, mas também as de conveniência obrigam a conservar os tais privilégios [dos soldados] e não os derrogar, com notório perigo de desgostar os soldados, que não tanto com os soldos, mas com o foro dos tais privilégios se animam a arriscar ainda em defensão do Reino, em tempo que as guerras estão tão vizinhas e tanto à porta”. O Conselho de Guerra procurou, na resposta, demonstrar que o juiz desembargador não tinha razão em querer julgar aquele caso, o qual devia ser tratado pelo próprio Conselho, uma vez que não tinha sido revogado o privilégio de que o capitão se valia (nem seria conveniente fazê-lo).

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1650, mç. 10, consulta de 29 de Agosto de 1650.

Imagem: “Soldados e camponeses em frente de uma taberna”, óleo de Jan Steen.

A defesa da costa portuguesa em 1644 (9) – Fortaleza de Peniche

Com esta nona parte encerra-se a transcrição do documento relativo ao estado das fortalezas da barra de Lisboa, de Setúbal e de Peniche em 1644. Recordo que já aqui tinha sido publicada uma entrada sobre a Fortaleza de Peniche relativa ao mesmo ano de 1644, mas acerca de outro assunto, que complementa a informação aqui deixada.

Fortaleza de Peniche

Há nesta fortaleza sete peças de bronze, a saber:

Três meios-canhões reforçados de 15 libras, com suas carretas novas, mas não estão alcatroadas por não haver alcatrão.

Uma meia-colubrina de dez libras com sua carreta.

Outra meia-colubrina bastarda de 14 libras.

Um sacre acolubrinado de 3 libras.

Um sacre de cinco libras.

Há mais nesta fortaleza quinze peças de ferro que tiram a sete, seis, cinco, e três libras. Uma só peça destas tem carreta nova, as demais velhas e de mui pouco serviço.

Necessita de mais vinte peças de bronze com suas colheres, atacadores e lanadas; e para todas as mais peças.

E de balas enramadas [ou seja, de grilhão ou cadeia] de toda a sorte.

Cada peça necessita de duas outras carretas de sobresselente.

Há nesta fortaleza cinquenta barris de pólvora, que levam 40 quintais.

Balas de até seis libras, cento e sessenta.

De sete libras, 35.

De dez libras, 133.

De doze libras, 200.

De catorze libras, 50.

Há mais mil balas de seis e cinco libras que estão misturadas.

Quinze cagetas de pelouros de mosquete e arcabuz.

Trinta e um quintais de morrão.

E enxadas 150, mas muitas delas rotas.

Picaretas 100, mas muitas que se não pode trabalhar trabalhar com elas.

Camartelos, 4.

Alavancas, 6.

Necessita também de mais pólvora.

E de pelouros e de morrão em grande quantidade, para que havendo alguma ocasião não faltem.

E de grande quantidade de serrinhas pequenas, que não há nenhuma.

E de capas e paus, para que se possam entrincheirar no posto que se lhe mandar ocupar.

Há nesta fortaleza trinta quintais de arroz em três pipas.

Um quarto de duas arrobas de açúcar.

Meia pipa de azeite.

Seis alqueires de ameixas e seis de lentilhas.

Necessita de pão, vinho e legumes, e que disto se lhe meta a quantidade a respeito da gente que houver de assistir naquela praça.

Que será conveniente haver nela seis companhias de guarnição, que se poderão tirar das duas comarcas de Leiria e Torres Vedras.

Fonte: “Relação da gente paga, artelharia armas munições carretas mantimentos e mais cousas que ha nas fortalezas da barra desta cidade e nas de Setuual, e do que necessita cada huã dellas”, anexa à consulta do Conselho de Guerra de 12 de Agosto de 1644 (ANTT, CG, Consultas, 1644, maço 4-B).

Imagem: Vista parcial da Fortaleza de Peniche na actualidade. Fotos de Jorge P. de Freitas.

A defesa da costa portuguesa em 1644 (1) – Torre de Belém

Por decreto de 30 de Julho de 1644, D. João IV ordenou que o Conselho de Guerra desse o seu parecer sobre consulta que o Conselho da Fazenda fizera sobre os artilheiros, o material de guerra e as provisões existentes nas fortalezas da barra de Lisboa, e nas de Setúbal e de Peniche, bem como sobre o que era necessário prover. As listas exaustivas de tudo quanto se encontrava em cada fortaleza surgem em anexo à consulta do Conselho de Guerra de 12 de Agosto de 1644.

Nessa consulta, o Conselho de Guerra apoiou o parecer do Conselho de Fazenda para que as fortalezas de Setúbal e Peniche, como distavam mais de Lisboa, tivessem tudo quanto fosse necessário dentro das suas muralhas, e para esse efeito o tenente-general da artilharia devia visitar aquelas fortalezas passado o mês de Setembro, numa época do ano em que os seus afazeres eram menores na capital do Reino. Quanto às fortalezas da barra de Lisboa, poderiam ser abastecidas do que estivesse em falta em qualquer altura, não requerendo muita urgência, à excepção da pólvora e das balas de diferentes calibres, que deveriam ser providenciadas de imediato. O Conselho de Guerra advertiu, por fim, que a consignação de 1.000 cruzados (400.000 réis) que se tinha atribuído ao tenente-general da artilharia era insuficiente para as necessidades das fortalezas, pelo que seria conveniente atribuírem-se outros mil cruzados, provenientes das tenças.

Passemos à transcrição (com ortografia actualizada) da parte relativa à…

Torre de Belém

A Torre de Belém tem 14 peças de artilharia de bronze e de diferentes calibres, a saber:

Um canhão de 24 libras de bala.

Sete meios-canhões de 16 [libras].

4 meias-colubrinas de 12 e outra de dez [libras].

Um falconete de uma libra.

Os sete meios-canhões têm duzentas balas. Necessitam de 600 balas novas e 200 de cadeia.

Tem 4 colheres [instrumento utilizado para carregar a peça com bala, pela boca]. Necessita de três mais. Necessitam também de cinco reparos com suas rodas.

As 4 meias-colubrinas têm bastantes balas. Tem uma colher. Necessitam de mais 3. Também faltam 4 rodas para os reparos; 12 hásteas de 21 palmos, duas dúzias de soquetes [peça em madeira que servia para impelir a carga na alma da peça, quando se carregava], uma [dúzia] de 16 [libras] e outra de 12; e duas dúzias de granadas de pau para as lanadas [hastes envolvidas em lã numa das extremidades, para limpar o interior das peças após cada tiro].

À meia-colubrina, falta-lhe um reparo e rodas.

Tem a Torre de Belém 65 quintais de pólvora – faltam-lhe 35 mais.

Tem 50 mosquetes de Flandres com suas bandolas. E 40 de sobresselente de Barcarena, com seus frascos; tem mais 28 mosquetes e arcabuzes. Tem mais 50 piques.

Tem necessidade a dita Torre de 14 pranchadas de chumbo para os fogões da artilharia. Duas dúzias de cortiças para as bocas das peças. Meia dúzia de talhas para abocar a artilharia com seus montões, para a praça de baixo. De 50 varas de pano de linho para cartuchos, por não haver mais que 120 de todos os calibres. Necessita também de 2 quintais de cevo, 4 de breu, 4 de alcatrão, e de uma dúzia de soleiras e de duas dúzias de peles curadas ao vento.

Há na dita Torre 10 quintais de murrão. Tem necessidade de 20 quintais mais. Faltam-lhe também 12 quintais de amarra velha para tacos; meia dúzia de lanternas e meia dúzia de lampiões.

Necessita também de 8 tinas para a artilharia e uma pipa de vinagre. E de biscoito, vinho e legumes, conforme à dotação da mesma Torre.

Tem esta Torre 90 arrobas e três arráteis de arroz, que se lhe meteu em 16 de Abril de 1641, que está ruim e mal acondicionado. É necessário outro [arroz], conforme à dotação desta Torre.

Tem mais 6 alqueires de lentilhas e 6 de ameixas passadas. Necessita de mais. Tem também necessidade de lenha e de 60 cobertores e outros tantos enxergões para os soldados.

Tem 40 e tantos soldados. Faltam os mais para oitenta, que há-de haver nela conforme sua dotação.

Fonte: “Relação da gente paga, artelharia armas munições carretas mantimentos e mais cousas que ha nas fortalezas da barra desta cidade e nas de Setuual, e do que necessita cada huã dellas”, anexa à consulta do Conselho de Guerra de 12 de Agosto de 1644 (ANTT, CG, Consultas, 1644, maço 4-B).

Imagem: Torre de Belém na actualidade. Foto de J. P. Freitas.

A fortaleza de Peniche em 1644

Fortaleza Peniche

A faixa costeira portuguesa não era considerada uma frente de guerra de principal importância, apesar dos receios do poderio naval espanhol (uma ameaça que, todavia, nunca se veio a concretizar durante o conflito). A defesa estática da costa encontrava-se subalternizada em relação às fronteiras do hinterland português, tanto em homens como em material.  Mas qualquer movimento suspeito de navios podia aumentar, de súbito, as preocupações entre a população civil e os comandantes militares.

Um episódio desta natureza é reportado por Gaspar Luís de Meireles, comandante da fortaleza de Peniche, ao Conselho de Guerra. Na sua carta de 16 de Julho de 1644 refere que nesse mesmo dia, um sábado, pela uma hora da tarde, tinham aparecido oito navios à parte do norte, os quais se dirigiram às Berlengas, onde ancoraram. Foram identificados como navios de Dunquerque, cidade portuária no norte de França que desde 1559 pertencia à Espanha, na sequência do Tratado de Cateau-Cambrésis. Gaspar Luís de Meireles manifesta a sua preocupação pelo facto da vila estar aberta e sem abastecimento nenhum, sofrendo muita falta de artilharia, apetrechos para ela e munições, conforme em outra carta, escrita em 24 de Maio, tinha exposto ao Conselho de Guerra. E acrescenta: E o porto é tal, que não faltam jamais navios de Mouros, sem falar dos de Dunquerque. Recorda ainda que D. João IV havia ordenado que houvesse mil infantes de guarnição no presídio, mas hoje não tem mais de sessenta que se repartem em três postos, não se podendo socorrer uns aos outros. As companhias da terra não tinham gente por serem todos marinheiros, de sorte que se não pode ter esperança, senão de vinte ou trinta homens honrados da terra que não faltarão no serviço de Vossa Majestade.

Na sequência destas queixas e preocupações, o Conselho de Guerra solicitou que o Rei mandasse perguntar ao Conselho da Fazenda que razão tinha para não executar as consultas que lhe tinham sido dadas sobre a consignação daquele presídio, e que com efeito se remediasse necessidade tão urgente, enviando os mantimentos que se tinham ordenado e 120 soldados para aquele presídio, em lugar dos que dele se tinham levado para a província do Alentejo.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1644, maço 4-A, nº 282, consulta de 21 de Julho de 1644.

Imagem: Fortaleza de Peniche (parte da fortaleza com a traça primitiva, concluída em 1570). Foto de J. P. Freitas.