Nas anotações de D. João de Mascarenhas à obra de Galeazzo Gualdo Priorato (veja-se a indicação completa aqui), é referido o modo como se deve dispor o campo da cavalaria quando o exército se encontra em campanha, bem como a disposição táctica que a cavalaria deve assumir quando forma em batalha. Saliente-se que, nesta obra, D. João de Mascarenhas designa por quartel o campo militar composto por tendas para os homens e abrigos (quando possível) para os cavalos – ou seja, o acampamento provisório e não o edifício destinado a albergar, de forma permanente, bestas e homens. A transcrição que se segue, feita a partir do manuscrito existente na secção de Reservados da Biblioteca Nacional de Lisboa, foi vertida para português actual, para facilitar a sua compreensão.
Temos mostrado o que se deve fazer quando a eleição do quartel toca ao mestre de campo general, agora diremos como deve ser quando seja eleição do general da cavalaria, em caso que o mandem com toda ela, ou em caso que deva ir sem que o mandem. Deve o general primeiro que tudo fazer consideração que praças dos inimigos tem para aquela parte, donde deve aquartelar-se conforme as que houver, deve eleger o quartel, ou seja para uma noite, ou para mais, e feita esta diligência e resoluta a parte, deve mandar o comissário com a sua companhia, e com ele o furriel-mor e seus ajudantes, os furriéis de todas as companhias e um soldado de cada uma dos furriéis. Este quartel reconhecerá o comissário geral tanto por dentro como por fora, e por fora repararâ em todos os caminhos que possam vir a ele, e em todas as avenidas, e nestas e nos caminhos, elegerá os postos para as guardas, nos quais ficará logo um soldado dos seus em cada um dos postos, até que chegue a cavalaria, e que se não entregar das guardas as companhias a quem tocarem, deve o comissário ter feito eleição da praça de armas e dito aos furriéis qual é, para que eles digam aos seus capitães, porque em caso que se toque arma, saibam aonde devem acudir. Esta é a forma que deve ter a cavalaria quando se aquartela de per si, e junto aos inimigos. Também será a mesma, servindo-se neste caso de mais guardas e mais patrulhas, estas bem avançadas, e se o quartel for muito perigoso, da meia-noite por diante, montará a cavalaria, e se irá meter na praça de armas.
Convém agora dizermos que coisa é praça de armas, e como se deve eleger. Com todos os quartéis de cavalaria se deve escolher um posto, que não é outra coisa que um tal lugar, destinado a juntar-se nele toda a cavalaria em um corpo, para melhor resistir [a] qualquer invasão. Deve advertir-se que se houver mais quartéis que um (como muitas vezes acontece), que esta praça de armas se deve eleger em distância que seja fácil virem a ela com brevidade de todos os quartéis, e há-de ser ela de modo escolhida, e em sitio tão proporcionado, que vindo os inimigos, se não possam senhorear dela, e deve haver para boa seguridade e melhor doutrina, duas praças de armas, uma para de dia, outra para de noite, as de dia devem sempre ser na vanguarda do quartel, com a cara para os inimigos, as de noite à mão direita ou esquerda dele, no lugar mais forte e mais desembaraçado. Estas praças de armas devem ter capacidade tal que baste para formar toda a cavalaria que houver, com os mesmos claros e distâncias que se requerem quando se forma em batalha, que são de cinquenta passos entre tropa e tropa, e de linha a linha oitenta, porque não sendo assim, e sendo estreitas, se sucedesse ocasião, tudo se confundiria. E nunca se devem pôr quatro tropas juntas sem lhe dar a sua medida, quanto mais toda a cavalaria. Aqui se vêem reduzidas a breves regras as obrigações de saber aquartelar a cavalaria junta com o exército ou separada dele (…). (Maneio da Cavallaria (…), págs. 48-49 do manuscrito. )
Sobre os claros e outros termos respeitantes à cavalaria, veja-se aqui e aqui.
Imagem: “Cena de acampamento militar”, período da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), Sebastian Vrancx.