A situação da Torre de São Gião (São Julião da Barra) em Abril de 1657

torre

A defesa de Lisboa a partir da barra do rio Tejo foi uma preocupação constante no decurso da Guerra da Restauração. Apesar da ameaça de um ataque da marinha de guerra de Filipe IV nunca ter sido concretizada, essa possibilidade manteve-se real, assente no exemplo de 1580. E em tempos mais recentes, o bloqueio imposto pela esquadra inglesa parlamentarista (em perseguição do Príncipe Rupert, sobrinho de Carlos I de Inglaterra, que viera abrigar-se em Lisboa em 1650) demonstrara as fragilidades da fronteira marítima e fluvial do Reino. Por esse motivo, são frequentes as consultas relativas à situação das fortalezas onde assentava a defesa costeira.

O forte de São Gião (conhecido actualmente por São Julião da Barra) era um dos pontos mais importantes dessa defesa. Numa consulta de 1657 são enumeradas as necessidades que a fortaleza e a sua guarnição tinham, bem como os meios que urgia pôr em prática para as suprir. Aqui fica a transcrição, vertida para a ortografia actual.

Memória de algumas cousas que convém se ordene logo na fortaleza de São Gião

1. Que a pólvora se troque logo com outra, por estar quase perdida a da Torre.

2. Que se façam reparos de sobresselente para as peças e se consertarem todos os que estiverem para isso, e porque as mantas não são de efeito, se deixarão somente doze peças nas carretas para qualquer ocasião repentina e as mais estarão em pontaletes ou abatidas e as carretas guardadas para quando sejam necessárias.

3. Que os soldados que estão naquela praça e forem de serviço se agreguem logo
às companhias dos capitães Martim Correia e Luís da Costa, por não terem ambas mais que cento e vinte.

4. E que os que não estiverem para servir, os desobriguem, e que o mesmo se faça com os soldados de Belém, porque S. Gião se há-de prover com duas companhias revezadas, e os de Belém por ramos, para que tenham sempre os soldados de sua lotação.

5. Que se procurem empreiteiros que tomem por sua conta fazer em S. Gião a obra que se aponta, para reparo da ruína que vai fazendo o mar, e tendo fianças bem abonadas e não passando o custo do que está orçado, se dará a ordem do Conde de Cantanhede para que a obra se faça. E quando não seja conveniente, que os buracos que o mar tem aberto e as pedras que tem comido se reparem pela melhor via que for possível.

6. Que à capela de S. Gião se aplique logo fábrica na forma que dantes a tinha, ou na que parecer mais conveniente.

7. Que o clérigo nomeado para assistir na cabeça seca se faça logo ir com efeito.

8. Que procure o Conselho o modo como se poderão acomodar os capitães e oficiais que agora se escusam em S. Gião.

9. Que para socorrerem as companhias que hão-de guarnecer S. Gião e as mais praças da barra, e os capitães e oficiais delas, convirá que toda a consignação que se paga na Alfândega para estes efeitos se entregue ao tesoureiro geral do Consulado, para que se pague por ele assim como se pagam as mais companhias do Terço da Armada.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1657, Maço 17, memória anexa à consulta de 5 de Abril de 1657.

Imagem: Forte de São Gião (São Julião da Barra) na actualidade.

A defesa da costa portuguesa em 1644 (2) – Fortaleza de São Gião (São Julião da Barra)

Continuando a transcrição iniciada aqui, passemos à Fortaleza de São Gião, hoje designada por São Julião da Barra.

Fortaleza de São Gião

Há nesta fortaleza [espaço em branco] peças de artilharia de bronze de diferentes calibres.

344 quintais e 22 arráteis de pólvora.

813 mosquetes de toda a sorte, velhos e novos; oito esmerilhões [espingarda antiga de cano comprido] de ferro.

128 arcabuzes velhos, e os mais deles sem caixas.

209 frascos de mosquetes velhos e novos.

193 bandolas de mosquetes.

235 forquilhas.

705 piques.

48 dardos.

31 quintais de morrão.

24 colheres de todo o calibre.

45 soquetes e lanadas já velhas.

Duas cabrilhas de encavalgar a artilharia.

12 pés de cabra.

4.608 balas de artilharia de toda a sorte.

Um monte de balas de pedra, e outro de ferro, miúdas, que não servem na artilharia que há.

30 quintais de balas de mosquete e arcabuz.

41 pães de chumbo.

140 cartuchos de pano de toda a sorte.

Mantimentos

200 quintais de biscoito.

Duas pipas de vinho.

Oito moios de grãos, favas, e chicharros.

12 quintais de bacalhau.

80 quintais de toucinho.

60 barris de arroz velho, e muito velho.

5 moios de feijões brancos velhos, 35 de feijões fradinhos, moio e meio de chicharros velhos.

4 pipas de vinagre.

Mantimentos de sobresselente

Trinta pipas de vinho, 4 de azeite e seis de vinagre.

Trezentos quintais de biscoito, de mais dos mantimentos que há na dita fortaleza, os quais convém se renovem, principalmente o toucinho, arroz e bacalhau.

Há nesta fortaleza 180 soldados e necessita de mais gente para guarnecer os três fortes da Cabeça Seca, Maias e Paço de Arcos, e levantar-se mais para este é preciso uma companhia, como Sua Majestade tem mandado.

Necessita também de 4 colubrinas de alcance, e seis pedreiros para as casamatas.

De 36 reparos.

50 peles para lanadas.

1.000 tachas para as pregar.

50 soquetes de todo o calibre.

100 espeques.

50 sotroços de ferro, e 50 arandelas.

200 varas de setelarã [tecido grosseiro] para cartuchos.

Oito barris de alcatrão e 6 quintais de breu.

200 granadas e 200 alcancias.

Dois quintais de enxofre.

4 pães de cevo e cabos velhos em quantidade para tacos.

500 balas de 24 libras e 200 de cinco.

250 quintais de pólvora e 200 palanquetas.

80 quintais de morrão para sobresselente.

50 tabulões.

400 sacos, ou pano para eles, para servirem de parapeitos.

400 carradas de lenha para esta fortaleza de São Gião e Cabeça Seca, e um barco de sal.

Fonte: Ver aqui.

Imagens: Em cima, planta da fortaleza de São Gião, c. de 1655, publicada em La memoria ausente. Cartografia de España y Portugal en el Archivo Militar de Estocolmo. Siglos XVII y XVIII. Em baixo, a fortaleza de São Julião, na actualidade, vista de norte para sul. Foto de Jorge P. Freitas.