The use of uniforms during the War of the Portuguese Restoration – infantry

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O presente artigo em língua inglesa é o primeiro de uma tradução de dois artigos já publicados há anos. Por curiosidade, num curto espaço de tempo alguns leitores de língua inglesa solicitaram-me que lhes fornecesse informações sobre o eventual uso de uniformes durante a Guerra da Restauração. Deste modo, a tradução dos dois artigos corresponderá à resposta a essas solicitações.

This post in English language is the first part of a translation of two posts published here years ago. Recently, several English speakers, followers of this blog, asked me about the use of uniforms in the course of the War of Portuguese Restoration. I decided to translate the two posts in order to answer their requests. The first of them is about the infantry.

Infantry

The clothes supplied to the infantrymen of the terços (optimistically, on an anual basis) did not follow a strict uniformity in colour or pattern. It is most probable that coats, shirts and breeches occasionally had a common pattern or colour based on the facility of approvisionment from the supplier, but this was not imposed by any rule. From contemporary paintings we can see that several shades of brown and grey were usual among foot soldiers. However, there was little distinction between military and civilian clothes during most of the period of the war. Changes on fashion, especially coming from France, would dictate some differences on the patterns of coats, breeches and hats as the conflict went by.

There are some misconceptions about 17th century military clothing that still survive, usually rendered by unadvised amateur illustrators, mining the understanding of the real evolution of military (and civilian) fashion. Thus, we can still find today some drawings and paintings supposedly of “infantrymen from the War of Portuguese Restoration” which are heavily based on (or even unashamed copies of) illustrations from Jacob de Gheyn’s The exercise of arms, published in 1607. Military and civilian fashion had evolved much in the 1640s, 50s and 60s and soldiers costums resembled little with those of the late 15th and early 17th centuries.

Foreign influence was behind the first signs of the use of uniforms by Portuguese infantry during the 1660s. French and English infantry that fought alongside the Portuguese in the 1660s wore uniforms: red coats lined in different colours for each of the English regiments, and pale grey (or grey-white), probably also lined in different colours, for the French regiments; and the German-Neapolitan regiment which changed sides in 1663, after the defeat of the Spanish army of Don Juan de Austria, was put under French command and received the same pale grey uniforms of the French infantry.

Except for the English, which began using uniforms in 1645 with the New Model Army of Cromwell, the examples mentioned above may have relied on the choices of the field commanders, though in France the use of uniforms was in course in the 1660s. Some units of the Spanish army were described using uniforms by this late period of the war as well. As for the Portuguese army, the most detailed contemporary account on the use of uniforms was published in the monthly newspaper Mercurio Portuguez, in April 1664:

“On the 14th (…) by the afternoon did a splendid parade and military exercise at the Terreiro do Paço [the large place in Lisbon by the river Tagus, which was rebuilt and further enlarged after the earthquake of 1755 and is now officially called Praça do Comércio, though the older name is still widely in use] (…) the Terço da Armada [the elite infantry terço of the Navy – or, as we would call them today, Marines], of which is mestre de campo Simão de Vasconcelos e Sousa; all of them went with green coats, faced and lined in yellow; those of the mestre de campo and the officers and of some soldiers were more expensive, conforming to the posessions of each one, but the colours were the same; and so were the colours [infantry flags] and the painting on the drums (…).”

“on the 17th, also by the afternoon (…), did a similar parade and exercise at the same Terreiro the new terço of the garrison of this City of Lisbon, of which is mestre de campo Roque da Costa, all of them with blue coats faced and lined in red, more or less expensive, depending on the posessions of the wearers.”

Note that the coats were certainly of contemporary French style, following the fashion introduced by Count Schomberg.

References: Mercurio Portuguez, com as novas da guerra entre Portugal, e Castella.

Image: Portuguese soldiers on parade on Terreiro do Paço, detail of a painting by Dirk Stoop, mid 1650s.

Infantaria do Exército da Província do Alentejo em Maio de 1663

Um dia depois de D. Juan de Áustria ter saído de Badajoz com o seu exército, abrindo a campanha do Alentejo de 1663, era remetida ao Conselho de Guerra em Lisboa a lista da infantaria de que dispunha o exército daquela província. Quase 13.000 homens repartidos por oito praças, efectivos cuja junção levaria vários dias a concretizar-se, impedindo assim que fosse barrada a marcha ao exército espanhol que rumava à conquista de Évora.

As praças e as unidades nelas estacionadas eram as seguintes:

Estremoz

Terço da Armada, do mestre de campo Simão de Vasconcelos e Sousa (irmão do 3º Conde de Castelo Melhor, o Escrivão da Puridade e valido do rei D. Afonso VI) – 825 homens, dos quais 87 de baixa por doença.

Terço do mestre de campo napolitano D. Pedro Opecinga476 homens, dos quais 52 de baixa por doença.

– Terço do mestre de campo Tristão da Cunha de Mendonça287 homens, dos quais 9 de baixa por doença.

– Terço do mestre de campo Roque da Costa Barreto418 homens, dos quais 40 de baixa por doença.

– Terço do mestre de campo Lourenço de Sousa508 homens.

– Terço pago de Trás-os-Montes310 homens.

– Terço pago do Algarve457 homens (faltavam ainda 3 companhias, que eram esperadas em Estremoz).

– Terço de Auxiliares de Santarém310 homens.

– Terço de Auxiliares de Vila Viçosa212 homens.

– Regimento de Ingleses do tenente-coronel Thomas Hunt694 homens, dos quais 45 de baixa por doença.

– Regimento de Ingleses do coronel James Apsley495 homens.

Companhias soltas de Italianos263 homens, dos quais 26 de baixa por doença.

Vila Viçosa

– Terço do mestre de campo D. Diogo de Faro279 homens.

– Terço do mestre de campo João Furtado de Mendonça543 homens.

Elvas

– Terço do mestre de campo Francisco da Silva de Moura734 homens.

– Terço do mestre de campo Fernando de Mascarenhas 550 homens.

Campo Maior

– Terço do mestre de campo Pedro César de Meneses462 homens.

– Terço do mestre de campo francês Jacques Alexandre de Tolon360 homens.

– Terço pago de Cascais532 homens.

– Terço de Auxiliares de Avis350 homens.

Portalegre

– Terço do mestre de campo Alexandre de Moura630 homens, dos quais 130 de baixa por doença.

– Terço de Auxiliares de Portalegre 400 homens.

(Na altura da elaboração da lista, tinha chegado a Portalegre o terço pago da Beira, cujo efectivo ainda não fora contabilizado.)

Mourão

– Terço do mestre de campo Martim Correia de Sá350 homens.

– Terço do mestre de campo Miguel Barbosa da Franca501 homens.

– Terço de Auxiliares de Évora541 homens.

Moura

– Terço de Auxiliares de Campo de Ourique600 homens.

– Terço de Auxiliares de Beja350 homens.

Castelo de Vide

– Terço de Auxiliares do Priorado do Crato320 homens.

A distribuição dos militares por praças era a seguinte:

Estremoz – 5.469 (dos quais 1.259 doentes).

Vila Viçosa – 822.

Elvas – 1.284.

Campo Maior – 1.704.

Portalegre – 1.030 (dos quais 130 doentes).

Mourão – 1.392.

Moura – 950.

Castelo de Vide – 320.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1663, maço 23, “Lista da infantaria que se acha nas praças desta prouincia de Alentejo em 7 de Maio 663”.

Imagem: Mapa da Província do Alentejo, c. de 1700. Biblioteca Nacional.

O uso de uniformes entre a infantaria

A dotação de vestidos de munição aos infantes dos terços portugueses não significava a existência de qualquer uniformização quanto à cor do vestuário ou ao padrão. É provável que, por uma questão de aprovisionamento do vestuário, as casacas, camisas e calças tivessem pontualmente uma cor comum, consoante o lote fornecido pelo vendedor. Contudo, isso seria fruto do acaso e não da determinação de qualquer ordem específica. Julgando pelas representações iconográficas coevas, já aqui apresentadas em anteriores artigos, os castanhos e os cinzentos predominavam entre os soldados. Mas no essencial, o trajo básico do militar de infantaria pouco diferia do trajo civil. A evolução da moda da época, com as variantes locais e as influências externas, encarregava-se de marcar as diferenças ao longo dos anos.

A este respeito, há equívocos que ainda hoje subsistem. Por exemplo, é muito vulgar encontrarmos desenhos e pinturas supostamente representando militares “do período da Guerra da Restauração”, que no entanto são quase decalcadas das ilustrações do célebre manual The exercise of arms de Jacob de Gheyn, impresso em 1607. A moda civil e militar das décadas de 40, 50 e 60 do século XVII já muito pouco tinha em comum com a representada naquelas gravuras, conforme revelará uma observação cuidada de algumas fontes iconográficas genuínas.

A influência estrangeira terá estado na origem da uniformização registada em algumas unidades portuguesas de infantaria na década de 60. As forças inglesas e francesas que combateram em Portugal nesse período já tinham uniformes – casacas vermelhas com vivos de diferentes cores para cada um dos regimentos ingleses, e casacas em cinzento claro debruadas com as respectivas cores regimentais no caso das francesas. Exceptuando os ingleses, cujo uniforme teve génese em 1645, com o New Model Army de Oliver Cromwell, os restantes exemplos parecem ter tido origem na vontade dos respectivos comandantes, embora em França a tendência corresse já para o uso de uniformes nos regimentos. Há também referências a unidades do exército de Filipe IV de Espanha que se apresentavam com uniformes na mesma época. Quanto ao exército português, as descrições mais completas surgem no Mercurio Portuguez, publicação mensal lavrada pela pena de António de Sousa de Macedo, que no número de Abril de 1664 reportava:

Aos 14 (…) à tarde fez uma bizarra mostra e exercício militar no Terreiro do Paço (estando Sua Majestade o Senhor Infante [D. Pedro] vendo de uma janela) o terço da Armada Real, de que é mestre de campo Simão de Vasconcelos e Sousa; saiu todo com casacas verdes, forradas e guarnecidas de amarelo; a do mestre de campo e oficiais e alguns soldados eram mais custosas, conforme ao cabedal [capacidade financeira] de cada um, mas as cores as mesmas; assim o eram também as bandeiras e a pintura das caixas [de guerra, tambores], e certo que faziam a vista mais alegre que se pode imaginar. (…)

Aos 17, também à tarde, à vista de Suas Majestades e Alteza, fez outra semelhante mostra e exercício no mesmo Terreiro o terço novo da guarnição desta Cidade de Lisboa, de que é mestre de campo Roque da Costa, todo com casacas azuis forradas e guarnecidas de vermelho, mais ou menos custosas, conforme a possibilidade de quem as vestia.

(Como é hábito, transcrevi as passagens em português corrente).

Note-se que as casacas seriam quase certamente compridas, ao estilo francês, imitando as usadas pelo Conde de Schomberg e pelas tropas francesas. Aliás, a influência estendeu-se ao exército espanhol, onde este tipo de casacas passou a ser conhecido por “xombergas”.

Bibliografia: Mercurio Portuguez, com as novas da guerra entre Portugal, e Castella.

Imagem: O uso de uniformes regimentais era comum no exército sueco de Gustavo Adolfo, bem como em ambos os campos da Guerra Civil Inglesa (1641-51). Foto do autor, reconstituição histórica, Kellmarsh Hall, 2007.