O cerco de Vila Viçosa (9 a 17 de Junho de 1665), segundo um manuscrito coevo – 3ª e última parte

IMG_0392

Aos 16 se deu por nova que o nosso exército se acabava de perceber, com ele levantaram as barracas de um para outro posto, não cessando a cavalaria pelos olivais nem a infantaria pelos montes, aplicando-se a fazer trincheiras. A bateria deste dia se acendeu de modo que referirá o sucesso, porque chegando-lhe socorro de novo de cavalaria e infantaria, a quiseram festejar, com mandar o Marquês que a estacada se levasse a escala vista. Para isso avançou pela uma hora do dia o terço que estava de guarda pela mesma parte do pelourinho com feixes de faxina, tão denodadamente que chovendo sobre eles as balas, com um abrir de olhos já não parecia a estacada, porque se tinham coberto de faxinas junto a ela. Neste tempo bradamos pela Senhora da Conceição, fazendo-lhe muitos votos com os religiosos de São Paulo, porque dávamos a estacada por perdida, senão que sobre ela se levanta um Português, descoberto da cintura para cima, com a espada na mão com que afastava a faxina, e em a outra uma rodela com que aparava os golpes, bradando: “Aqui filhos! Aqui filhos!”, os quais logo o socorreram com partazanas, [e] panelas de fogo, e em pouco espaço de tempo vimos rodando os castelhanos pela escarpa da estacada abaixo, que era um prodígio vê-los cair.
Pelas 6 horas do mesmo dia 16, havendo sentimento em palácio da retirada, quiseram emendar o passo, tendo-se já chegado os valados de terra e atacado uma mina a estacada; lançando-lhe fogo rebentou para trás, de que lhe morreu muita gente. Mandou então o general que se dessem de novo 3 avançadas; concorreu inumerável gente de toda a sorte, levando cada um seu feixe, não já de oliveira, porque ardiam, mas de parras, castanheiros, buxos, murtas, troviscos e outras coisas verdes, o que tudo notamos por nos passar pela porta. Deu-se a primeira avançada ao diamante da praça e ao mesmo tempo se deu outra a brecha do muro velho, com tal ímpeto que logo se fizeram senhores de uma e outra coisa. Muitos saltaram logo na primeira cava mas não saíram, porque os nossos de cima dos baluartes os abrasaram com fogo. Cobriram-se os mais com faxinas junto à estacada, mas os nossos se retiraram às cortaduras delas defendendo a cava para que não entrassem. E como os Castelhanos estavam por aquela escarpa em uma esquina, pelas costas lhe tiravam os nossos da Torre do Relógio, e do lado esquerdo, de cima do muro velho, com que receberam grande dano.
Os da brecha se fizeram senhores do posto até o templo da Conceição, aonde até a sepultura dos mortos revolveram. Em este tempo se dava a terceira avançada pela parte da Esperança e tiveram o mesmo sucesso, porque pela muita gente que lhe morresse, era mais a que avançava. Durou a contenda perto de 5 horas, sem sossego, e durou toda a noite a bateria; as bombas que lançavam dentro eram sem número e poucas caíam fora, houve muita festa em palácio com esta nova, se bem não ignoravam que lhes restava muito que vencer para renderem a fortaleza. O nosso governador e dois mestres de campo ficaram feridos aquela noite, e na mesma noite levantou facho o governador do castelo, Manuel Lobato [Pinto], por ser sinal que tinha dado ao sr. general de ser rendida a estacada.
Pela manhã de 17 do mês houve cessação de armas por espaço de meia hora, por mandar um bolatim o Marquês, dizendo que a bom partido se rendesse, porque já não tinham água. Mandou-lhe em resposta que tinham, além do poço, uma cisterna grande de água muito fresca, que podiam repartir com sua excelência, que lá havia gente muito brava que se não havia de render nem com a morte. Continuou-se a bateria frouxamente. Começou seu exército sair a campo, pelo que entendemos ser chegada a nossa gente. Quando pelas 9 horas do dia começámos a ouvir a nossa artilharia, logo retiraram a bagagem a toda a pressa, como quem não andava em si pelas novas que da batalha lhe vinham. Daí a nada os vimos vir fugindo descompostamente, mandaram ordem a 3 terços que tinham ficado com os ataques que se retirassem; e eles o fizeram de tal sorte, que os nossos de cima do baluarte lhe davam vaias, e saindo fora da estacada como leões, os trouxeram às cutiladas pelas ruas abaixo, não dando quartel a ninguém. E logo entraram em a igreja de Bartolomeu e em outras casas onde os Castelhanos tinham estado e acharam muitas riquezas; e com isto se deu fim a este sítio. Morreram dos nossos 23 ou 24 homens. Os feridos passaram de 300, entre soldados, mulheres e meninos; na mesma tarde entraram os senhores generais vitoriosos em esta vila, tendo saído em o mesmo dia da praça de Estremoz; podendo-se dizer do nosso general: Veni vidi vici, como de César.
Queria pôr aqui o rol dos prisioneiros, principalmente dos fidalgos; mas porque já estão em essa cidade o não faço. Só digo uma coisa, que é a melhor relação que se pode dar, e foi o que disse o Marquês a um nosso: que ficaram ao inimigo em Portugal passante de onze mil homens.
(pgs. 103-105)

Imagem: Equipamento defensivo de cavalaria, séc. XVII: capacete do tipo zischagge, couraça laminada sobre casaca de couro, braçais e manoplas. Pode ver-se, à esquerda, um estoque de cavalaria. Este equipamento raramente era usado de forma tão completa, excepto por oficiais superiores e generais ou por alguns militares das suas companhias de escolta. Foto de JPF, Musée Militaire des Invalides, Paris.

O cerco de Vila Viçosa (9 a 17 de Junho de 1665), segundo um manuscrito coevo – 2ª parte

IMG_0394

Vamos ao sítio. Entrados que foram os inimigos naquela madrugada, amanhecendo para 10 de Junho começava a nossa artilharia a jogar dos primeiros e últimos baluartes e a mosqueteria a jogar da estacada. Dois dias pelejou o terço de Don Rodrigo Moxica sem se querer render, até se não render a fortaleza como tinham gerado. Não tinha ainda disposta a artilharia, porque dizia não era necessária, porque los Españoles solo con los ojos sabian derribar los Castillos de Portugueses. Enfim houve de se render, porque viu a dificuldade da brabata. Seguiu-se o do Marquês de Liche, governado por um Fulano Barbosa, português; logo o de Angelo de Guzman, e assim os demais, por sua ordem, sem darem de sossego aos nosso. O intento do inimigo, conforme alcancei, era levar de caminho esta praça e abrasá-la, e dela caminhar a Valença, porque não levam em paciência os danos que os nossos ali lhe fazem; e assim lhe davam tanto calor, que era um perpétuo trovão a artilharia, por imaginar estar a fortaleza desapercebida; mas informado da gente que tinha, se bem por uma parte descoraçoavam, por outra diziam que já importava ao crédito do Marquês o levar a fortaleza ou perder toda a sua armada. Puseram a sua bateria de 4 meios canhões contra a Torre do Relógio, de onde os nossos lhe faziam algum dano; e contra outra torre, onde também estava outro sino, com que se dava o sinal à gente se recolher quando vinham as bombas. Ambos estes sinos se fizeram em pedaços, mas isto se remediou depois com a campaínha de Nossa Senhora dos Remédios. A 2ª bateria se pôs na travessa que sai do terreiro de Santo António contra o canto do muro velho, para nos proibir o passo do Concelho que ali ficava dentro. A 3ª bateria , que era de bombas [ou seja, de morteiros], puseram defronte da fortaleza.
Dia de Santo António, 13, não tinham dado avançada alguma de escala vista. Veio-lhe notícia que alguns batalhões de cavalaria nossa vieram a Borba lançar uns batalhões seus que aí andavam, a qual foi recolher o seu mesmo general. Então se reforçou mais a bateria e se multiplicou mais a gente contra a estacada; mas ela como dantes, sem um pau menos. Servia no mesmo tempo a cavalaria com faxina, porque sendo a infantaria pouca, o medo era muito e queriam render o castelo antes que chegasse o nosso exército. Às Avé Marias deste dia houve cessão [cessação] de armas por espaço de meia hora e foi um bolantim que mandaram aos nossos que se rendessem, senão lhe dariam uma avançada real, como se fez, dando-se princípio à mais horrenda noite que imaginar-se pode. Estando os inimigos com faxina à queima-roupa, foram-se aproximando mais à estacada, mas os nossos se desfaziam em fogo com muitas panelas de pólvora, montantes, pés de cabra, que lhe lançavam, até que finalmente lhe pegaram fogo aos aproxes, de tal sorte que nunca mais se pôde apagar, com que se lhe desfez o trabalho daqueles dias, porque era o dia mui claro e ardia ainda o fogo. Em esta noite perdeu o inimigo alguns duzentos homens, mas outros tratando sobre o mesmo caso disseram foram mais de 450 os mortos.
Aos 15 pela manhã vimos que, com um trabalho insano, iam coroando todos os montes de baluartes em roda da porta de Juromenha até o outeiro da Mina, até à porta  de Borba. Os ataques, vendo que lhe não sucedera avançada, se foram cobrindo de terra até junto da estacada, sem os nossos os poderem impedir, nem descobrir. Mas nem eles nem nós cessávamos com a bateria, por onde se descobria gente. Pelas 10 do dia se deu novo avanço, assim à parte da muralha velha como à brecha que já tinha o canto do paço do Concelho. Começaram os artifícios de fogo como se até então os não houvesse, que durou por espaço de meia hora até que, cansados ou desesperando, os castelhanos afrouxaram alguma coisa. Chegada a noite se começou a refrescar a peleja e cometendo o diamante da praça, os Espanhóis mandaram aos Alemães que se fosse também chegando ao que corresponde ao convento da Esperança, e assim se foram chegando aquela noite, não obstante o muito fogo que lhe lançavam os nossos, que por ser o vento contrário, não pôde arder a faxina; assim pela manhã apareceram em distância de uma pequena lança da estacada, com que os nossos lhe tiravam já pedradas à mão sinta. Os feridos desta noite foram muitos, morreram-lhe 7 capitães, dos soldados se não sabe, mas foram muitos. (pgs. 101-103)

Imagem: Fecho de mecha de mosquete (pormenor). Foto de JPF, Musée Militaire des Invalides, Paris.

O cerco de Vila Viçosa (9 a 17 de Junho de 1665), segundo um manuscrito coevo – 1ª parte

025_Villaviciosa

Existem pelo menos três narrativas sobre o cerco que o Marquês de Caracena pôs a Vila Viçosa, entre 9 e 17 de Junho de 1665, o qual antecedeu e foi causa da batalha de Montes Claros. A mais completa está incluída na Relación Verdadera, y Pontual, de la Gloriosissima Victoria que en la famosa batalla de Montes Claros alcançò el Exercito delRey de Portugal (…) (Lisboa, Oficina de Henrique Valente de Oliveira, 1665). Outra, bastante detalhada, encontra-se num manuscrito da Biblioteca Nacional de Lisboa (FG 8998, fls. 208-230 v), tendo sido publicada por Horácio Madureira dos Santos na sua obra Cartas e outros documentos da época da Guerra da Aclamação (Lisboa, Estado-Maior do Exército, 1973, pgs. 117-150). Outra ainda, que foi transcrita por Cristóvão Aires de Magalhães Sepúlveda na História Orgânica e Política do Exército Português – Provas, vol. II, pgs. 99-105, é referida pelo autor como um manuscrito encontrado no British Museum (Mss. Port. Add. 20. 953-7, fl. 238 – Relação do Sítio que o Marquês de Caracena pôs a Corte de Vila Viçosa), mas que se trata muito provavelmente de uma cópia de um outro manuscrito, este existente na Biblioteca da Universidade de Coimbra (Descrição do Cerco de Vila Viçosa em 1665), e de que Belisário Pimenta apresenta breve referência no “Catálogo e sumário dos documentos de carácter militar existentes nos mss. da Biblioteca da Universidade de Coimbra”, sob o nº 490 (Boletim do Arquivo Histórico Militar, vol. VII, 1937, pgs. 139-140). Pelo conteúdo, aparenta ser uma carta redigida por um clérigo de Vila Viçosa, dirigida a um outro eclesiástico de Évora, dando um testemunho pessoal dos incidentes do cerco.
É a transcrição de Cristóvão Aires, ligeiramente corrigida nos pequenos erros detectados, que aqui se reproduz, vertida para português actual. Deixo aqui os meus agradecimentos ao estimado amigo Julían Gracia Blanco, que me tem dado preciosas informações a respeito deste assunto.

Relação do Sítio que o Marquês de Caracena pôs à Corte de Vila Viçosa
Aos 4 deste mês de Junho se passou a Castela o capitão de cavalos Luís de Póvoas, residente nesta praça de Vila Viçosa, suspeitando-se daria aviso do estado dela; logo aos 5 vieram os senhores generais à vila, e em primiero lugar tomar a benção à Senhora da Conceição. Partiram-se da praça e logo veio aqui anoitecer um terço do sr. Conde de S. João com um mestre de campo muito valente e experimentado, muita soma de pólvora, porque ainda que cá estava muita, perdia-se pouca em que sobejasse. Ficou a fortaleza com 2 terços pagos e um de auxiliares, muita gente da ordenança da terra, principalmente os espingardeiros, que foram os que muito dano fizeram ao inimigo.
Aos 6 começou a abalar o exército inimigo com tão grande pressa, que dormindo aos 7 em a terra de Segura, aos 8 ao meio-dia o vimos já vir descendo os outeiros da Atalaia dos Sapateiros, em demanda da fonte e tanque que ali está para beberem os cavalos. D. João da Silva, que sempre lhe andou à vista, tendo-lhes entulhado a fonte e desfeito o tanque, os obrigou a continuar a marcha, vindo no mesmo dia dormir a Alcaraviça e logo se partiu desta praça, conforme a ordem que tinham. O tenente-general D. Luís da Costa com o seu terço de cavalaria comboiando as carretas de El-Rei, que aqui andavam trabalhando, carregadas de fato e mais fazenda, que ainda restava para retirar da praça; após ele se partiu a mais cavalaria, com os comissários João do Crato e António Coelho de Góis. Aos 8 se deu rebate, que estava o inimigo em Borba queimando e assolando tudo; de Borba fez frente para Sousel. Tivemos logo aviso de sua resolução, dizendo marchava para Portalegre, e em efeito partiu um oficial de artilharia de aqui a toda a pressa, mas o inimigo, voltando de repente sobre nós, ao meio-dia andava já connosco de pelouradas. Guarneceram os nossos as trincheiras da vila até o Forte de S. Bento principiado, não para resistir, mas para quebrar o ímpeto primeiro da cavalaria. Carregou-se esta sobre a porta dos Nós com tanta temeridade como quem vinha de Borba, de tal maneira que, ficando descobertos aos do forte de S. Bento e à queima-roupa da trincheira, saíram com os mosqueteiros e não se queriam retirar. Confessaram alguns castelhanos que perderam ali até 50 homens, outros dizem que foram 70. Já vinha descobrindo o mais restante da cavalaria parte pelo outeiro da Mina, parte pelas vinhas e olivais da parte de Évora, em demanda do Reguengo de toda aquela campina de olivais.
Cerrada a noite se retiraram os nossos à fortaleza e os de S. Bento, porque seria fácil acostá-los o inimigo por terem pouca defensa, ficando na vila só os religiosos e algumas mulheres graves, que se tinham recolhido em os conventos das freiras, e deixaram as portas da vila fechadas e empedradads de pedra solta.

Pelas duas horas da madrugada, amanhecendo para o 10 entrou o inimigo bem a medo pela porta do Carrascal, e abrindo brecha na porta do corredor da casa dos Padres da Companhia, que estava fechada de ladrilho, por onde entrou uma manga de mosqueteiros com um sargento-mor do terço de Don Rodrigo Mochigua; este achou aos Padres postos na igreja com o Senhor exposto. Logo segurou-lhe não havia de fazer mal, e buscou toda a casa com medo se havia gente dentro, e os soldados lhe levaram todo o pão que tinham, dizendo havia 3 dias que não comiam. Aclarou o dia, e tendo já minadas as casas para a fortaleza começaram a pelejar, de sorte que logo diremos. Arderam muitas casas grandes, quebrando portas e janelas, arruinando-se os edifícios. Tudo nadava em vinho e azeite e mel, que por muito não se pôde retirar de todo. Não havia coisa que não fizessem em pedaços as nações estrangeiras, o que atalharam os castelhanos. Passou finalmente o incêndio, mas não cessou a mina, porque com grande inumanidade, chegou aos templos sagrados, como experimentaram os religiosos de São Paulo, tendo pedido guardas. Mas tiveram tão pouca ventura, que lhos deram de estrangeiros, e guardavam-nos de maneira que, não deixando roubar os outros, eles só lhes roubaram tudo; roubaram as celas e camas e arruinaram a livraria; despiram os altares, sacristia e todas as mais oficinas, sem deixarem coisa em que se pudesse pôr os olhos, senão que com advertência de um religioso, que acudiu logo, a consumir o Senhor já aqui não chegou a impiedade. Contudo desapareceu o sacrário, os mausoléus de madeira do Sr. Duque D. Teodósio e do Sr. Alexandre, que ali estavam em depósito; fizeram em pedaços e quiseram levantar os sepulcros, para ver se tinham neles algum tesouro; afrontaram de palavras e ainda de obras alguns religiosos, foram estes fazer queixa ao Marquês; mas voltando se viram em novos perigos e assim se foram em comunidade agasalhar com os Padres da Companhia; aonde uns e outros passaram as fomes que costuma haver em cercos apertados, dormindo em o chão por lhe terem levado as camas; também as freiras da Esperança padeceram e essas porque as encontraram no coro, servindo-se do mais convento para pelejarem contra a fortaleza; roubaram as do que tinham dentro de algumas pessoas seculares e ainda do próprio e até das imagens. Os religiosos da Piedade do convento do Bosque, junto a Borba, com 28 clérigos, vieram todos presos por dizerem eram traidores, por darem sinal para que uns batalhões nossos lhe viessem degolar outros do castelhano que ali estavam. (pgs. 99-101)

(continua)

Imagem: planta de Vila Viçosa, em Planos, Guerra y Frontera. La Raya Luso-Extremeña en el Archivo Militar de Estocolmo (Isabel Testón Núñez, Carlos Sánchez Rubio e Rocío Sánchez Rubio, Junta de Extremadura, 2003).

Relação da tomada de Santa Marta e Codiceira – Julho de 1646 (manuscrito inédito, 2ª parte)

Ao sábado houve nesta cidade muitas luminárias pelo bom sucesso. Ao domingo veio o inimigo com esse poder que tinha aos olivais desta cidade, mas como gosta pouco dos marmelos e azeitonas de Elvas, não os quis chegar a provar, e assim se foi sem gastarmos um grão de pólvora. Amanhecendo para a segunda-feira, estava eu à janela pelas três depois da meia-noite, e fazia muito formoso luar, veio alguma cavalaria pelo caminho que tinha ido a nossa gente.Três sentinelas que estão defronte desta cela lhe[s] perguntaram duas vezes quem eram, sem responderem, disseram-lhe que não esperassem a terceira, que havia de ser com pelouro, responderam que amigos. Perguntaram-lhe de que tropa, e se vinha ali o capitão, que falasse, como fez, e com estas circunstâncias passaram até à porta de Olivença. Adormeci, e dadas quatro horas acordei ao estrondo da artilharia e mosquetaria, assim de fora como dos muros, de maneira que cuidei que o inimigo atacara a praça, porque os pelouros de uma e outra parte cruzavam os ares. Os nossos que iam chegando festejando a cidade, e a cidade a eles, e como passavam Chinchas logo iam descarregando, e não se viam senão bocas de fogo e ruído de pelouros. Santa Luzia fez a última festa e não lhe faltavam luzes de artilharia e mosquetaria. A primeira coisa que enxerguei foi a carruagem, e tinha passado a mais da infantaria. Logo vinham as peças e depois a cavalaria. A gente que foi a esta facção foram quatro mil e quinhentos infantes e mil cavalos. Quando partiram de Arronches, que foi domingo pelas três da tarde, tiveram histórias Dom Rodrigo [de Castro, governador da cavalaria] e Dom João [de Mascarenhas, tenente-general da cavalaria] sobre a vanguarda, que dizia Dom Rodrigo que a ele pertencia, e Dom João que a sua tropa havia de vir de vanguarda, que pertencia a quem fez a facção. E estas mesmas histórias tiveram na cidade diante de Joane Mendes, e Dom João disse que assim o aprendera na escola de Flandres, e o outro na de Alentejo. O caso foi que D. João lançou no meio da sala o bastão, e disse que não havia de servir com Dom Rodrigo. Joane Mendes avisou a Sua Majestade do que se passava, e ontem, além do ordinário lhe vieram dois de cavalo, um trás doutro, e um deles era para que informasse o que havia no caso, para se compor. O inimigo, quando deixou Elvas, foi correr os campos de Vila Viçosa e Redondo, soou que a ninguém deram quartel, e que à vista de Telena mataram todos a sangue frio. Foi o caso que chegando ali com a presa e prisioneiros, viram vir algumas tropas da parte de Badajoz, e os castelhanos largaram a presa, e os nossos, cuidando o que eles cuidaram, se foram meter com as tropas que vinham, cuidando ser nossas, sendo elas de Castela. E dizendo os nossos “Viva El-Rei Dom João” foram mortos quatro ou cinco, e um castelhano cuidando ser português. Contudo, e pelas mais mentiras que acerca disto se disseram, se mandou Joane Mendes queixar por uma carta a Badajoz. Mandaram-lhe dezassete dos que tinham levado, que não eram soldados, e ele lhe[s] mandou também os que não eram soldados que tinham vindo de Santa Marta e da Codiceira. O capitão da Codiceira, com os mais soldados, está na cadeia, e não chegará a dezoito anos. Eu dormi domingo na cadeia com um português de Tomar, que à segunda[-feira] arrastaram, enforcaram e esquartejaram, porque foi a Badajoz assentar praça e esteve lá quatro meses, e vinha cá por sua espia. Um nosso português que está prisioneiro em Badajoz matou a um capitão nosso que estava do mesmo modo, estando dormindo; mandou o fronteiro de Badajoz, que é um N. de Enguiem, que se cá não determinassem alguma coisa acerca daquele caso, que também lá havia justiça.

Sábado fez oito dias que veio um homem de Juromenha com um cavalo buscar o reitor de São Paulo para lá pregar, quando foram acharam dois castelhanos de cavalo, que lhe apanharam o em que ia, e dois mil réis que levava, e se foi uma légua a pé.

Ontem de noite entraram nesta cidade treze canhões dos que estavam em Estremoz. Toda a gente paga do Reino vem a esta praça, e os corregedores vêm comboiando a de suas comarcas com as mulas que há. (…) Elvas, em 8 e 9 de Agosto de 1646.

O episódio do desentendimento entre D. Rodrigo de Castro e D. João de Mascarenhas encontra-se bem documentado e foi por mim estudado a propósito do quadro mental do combatente e a definição das hierarquias (O Combatente na Guerra da Restauração… pgs. 122-123). Quanto ao caso dos prisioneiros de guerra, das trocas e do destino a dar aos que eram acusados de traição, será o tema de próximos artigos.

Fonte: Biblioteca Nacional de Madrid, mss. 8187, “Relação da tomada de Santa Marta, e Codeceira, e outros sucessos da fronteira de Elvas, escrita pelo P.e Fr. do Teixozo Religioso capucho assistente na mesma cidade”, fls. 74-76.

Imagem: “Corpo de guarda”, óleo de Mathieu Le Nain.

Infantaria do Exército da Província do Alentejo em Maio de 1663

Um dia depois de D. Juan de Áustria ter saído de Badajoz com o seu exército, abrindo a campanha do Alentejo de 1663, era remetida ao Conselho de Guerra em Lisboa a lista da infantaria de que dispunha o exército daquela província. Quase 13.000 homens repartidos por oito praças, efectivos cuja junção levaria vários dias a concretizar-se, impedindo assim que fosse barrada a marcha ao exército espanhol que rumava à conquista de Évora.

As praças e as unidades nelas estacionadas eram as seguintes:

Estremoz

Terço da Armada, do mestre de campo Simão de Vasconcelos e Sousa (irmão do 3º Conde de Castelo Melhor, o Escrivão da Puridade e valido do rei D. Afonso VI) – 825 homens, dos quais 87 de baixa por doença.

Terço do mestre de campo napolitano D. Pedro Opecinga476 homens, dos quais 52 de baixa por doença.

– Terço do mestre de campo Tristão da Cunha de Mendonça287 homens, dos quais 9 de baixa por doença.

– Terço do mestre de campo Roque da Costa Barreto418 homens, dos quais 40 de baixa por doença.

– Terço do mestre de campo Lourenço de Sousa508 homens.

– Terço pago de Trás-os-Montes310 homens.

– Terço pago do Algarve457 homens (faltavam ainda 3 companhias, que eram esperadas em Estremoz).

– Terço de Auxiliares de Santarém310 homens.

– Terço de Auxiliares de Vila Viçosa212 homens.

– Regimento de Ingleses do tenente-coronel Thomas Hunt694 homens, dos quais 45 de baixa por doença.

– Regimento de Ingleses do coronel James Apsley495 homens.

Companhias soltas de Italianos263 homens, dos quais 26 de baixa por doença.

Vila Viçosa

– Terço do mestre de campo D. Diogo de Faro279 homens.

– Terço do mestre de campo João Furtado de Mendonça543 homens.

Elvas

– Terço do mestre de campo Francisco da Silva de Moura734 homens.

– Terço do mestre de campo Fernando de Mascarenhas 550 homens.

Campo Maior

– Terço do mestre de campo Pedro César de Meneses462 homens.

– Terço do mestre de campo francês Jacques Alexandre de Tolon360 homens.

– Terço pago de Cascais532 homens.

– Terço de Auxiliares de Avis350 homens.

Portalegre

– Terço do mestre de campo Alexandre de Moura630 homens, dos quais 130 de baixa por doença.

– Terço de Auxiliares de Portalegre 400 homens.

(Na altura da elaboração da lista, tinha chegado a Portalegre o terço pago da Beira, cujo efectivo ainda não fora contabilizado.)

Mourão

– Terço do mestre de campo Martim Correia de Sá350 homens.

– Terço do mestre de campo Miguel Barbosa da Franca501 homens.

– Terço de Auxiliares de Évora541 homens.

Moura

– Terço de Auxiliares de Campo de Ourique600 homens.

– Terço de Auxiliares de Beja350 homens.

Castelo de Vide

– Terço de Auxiliares do Priorado do Crato320 homens.

A distribuição dos militares por praças era a seguinte:

Estremoz – 5.469 (dos quais 1.259 doentes).

Vila Viçosa – 822.

Elvas – 1.284.

Campo Maior – 1.704.

Portalegre – 1.030 (dos quais 130 doentes).

Mourão – 1.392.

Moura – 950.

Castelo de Vide – 320.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1663, maço 23, “Lista da infantaria que se acha nas praças desta prouincia de Alentejo em 7 de Maio 663”.

Imagem: Mapa da Província do Alentejo, c. de 1700. Biblioteca Nacional.

O capitão de cavalos e pagador geral do exército do Alentejo André Mendes Lobo – mais um documento sobre este oficial

Há menos de um ano apresentei aqui um artigo sobre André Mendes Lobo. Para evitar repetições desnecessárias, convido à leitura da breve biografia desta interessante personagem, muito ligada à Casa de Bragança.

Hoje trago aqui a transcrição de uma consulta do Conselho de Guerra referente ao pedido formulado por André Mendes Lobo, no sentido de lhe ser atribuída a patente de capitão de cavalos para uma companhia paga que seria formada às suas custas. Como sempre faço, a ortografia original foi adaptada para a actual e foi acrescentada alguma pontuação, de modo a tornar mais fácil a compreensão do texto.

O Conde de São Lourenço, Governador das Armas da Província e exército de Alentejo, dando, na sua carta inclusa, conta a Vossa Majestade de haver, por ordem sua, feito André Mendes Lobo, pagador geral do mesmo exército, uma companhia de cavalos à sua custa, que é das melhores que há nele, e da promessa que para este efeito lhe fez de haver patente de Vossa Majestade para servir de Capitão dela, com obrigação de ter sempre efectivo o número de cavalos que há-de constar; pede a Vossa Majestade  que, por ser este serviço de tão grande importância (como é o assegurar-se com eles o caminho de Vila Viçosa, Borba, Juromenha e Olivença) e exemplo para outras pessoas se animarem a fazer o mesmo, se sirva conceder a André Mendes a mercê que ele, Conde, lhe prometeu, o qual, na petição que também vai inclusa e se [a]presentou por sua parte, refere que há seis anos serve na ocupação de Pagador geral do exército do Alentejo, e a importância de que tem sido ao serviço de Vossa Majestade o forte que fez no monte do Farragudo para segurança dos comboios e vassalos de Vossa Majestade; e que vendo o Conde de São Lourenço que os Capitães de cavalos, em razão de ser aquele sítio terra áspera e montuosa [ou seja, de relevo acidentado], recusavam mandar assistir, como até agora o fizeram, partidas de cavalos, e considerando quanto convém que ali haja uma tropa deles, assentou com ele que à sua custa comprasse (como o fez) para este efeito oitenta cavalos, com condição que serviria de Capitão da companhia que deles se havia de formar, com as mesmas obrigações com que o fazem os mais Capitães de cavalos, e se daria aos oficiais e soldados dela o soldo que se dá aos das outras companhias. E porque este é um dos particulares serviços que faz a Vossa Majestade, pede a Vossa Majestade lhe mande passar patente do posto de Capitão de cavalos da dita companhia, com o soldo que por razão dele lhe tocar, dando-se-lhe por um alvará por evitar a derrogação do Regimento que dispõe que nenhuma pessoa possa vencer dois soldos juntamente.

O Conselho, entendendo que é mui considerável o serviço que André Mendes Lobo faz a Vossa Majestade na oferta que faz de comprar à sua custa oitenta cavalos para formar deles uma companhia que sirva na forma que ele aponta na sua petição e o adverte o Conde de São Lourenço na sua carta, é de parecer que Vossa Majestade a deve aceitar, e mandar-lhe agradecer e significar que por ele terá lembrança de lhe fazer a mercê que houver lugar e merece o zelo com que em tudo procura cumprir com as obrigações do serviço de Vossa Majestade, mandando-lhe passar patente de Capitão de cavalos da mesma companhia com o soldo que pede; e aponta o Conde que vem a ser pouco mais que o que goza com o posto de Pagador geral; e porque havendo de servir André Mendes juntamente de Pagador geral, não convém arriscar sua pessoa, em razão das contas do dinheiro que entra em seu poder, deve Vossa Majestade mandar advertir ao Conde de São Lourenço que o tenente que se houver de nomear para o ser desta companhia, seja sujeito tal que possa governar a companhia com todo o acerto e servir nas ocasiões que se ofereçam, sem empenhar nelas o Capitão. Lisboa, 27 de Agosto de 648.

[Decreto régio:] Como parece. Lisboa, 29 de Agosto de 648.

É de realçar a preocupação dos conselheiros com a segurança física de André Mendes Lobo, reflectindo a sua importância como pagador geral. Apesar disso, André Mendes empenhou-se em vários combates à frente da sua companhia. De notar que a acumulação de dois postos, recebendo o soldo de ambos, foi uma excepção aceite sem qualquer entrave – facilitada pela proximidade entre o Rei e o seu vassalo, que era anterior à Aclamação do Duque de Bragança, e aos assuntos mais privados que tinham envolvido D. João IV e D. Leonor da Silveira, mulher de André Mendes Lobo.

Fonte: ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, 1648, maço 8-B, consulta de 27 de Agosto.

Imagem: Escaramuça de cavalaria. Pintura de Peter Snayers.

Marcas da Guerra da Restauração nas Misericórdias portuguesas de fronteira: artigo online

Vila Viçosa

Um interessante artigo de Maria Marta Lobo de Araújo, disponível online, publicado em MILLÁN, José Martínez, e LOURENÇO, Maria Paula Marçal (dir.), Las Relaciones Discretas entre las Monarquías Hispana y Portuguesa: Las Casas de Las Reinas (siglos XV-XIX), Madrid, Ediciones Polifemo, 2008.

Imagem: Planta de Vila Viçosa, publicada em La memoria ausente. Cartografia de España y Portugal en el Archivo Militar de Estocolmo. Siglos XVII y XVIII.

O capitão de cavalos André Mendes Lobo – breve retrato de um fiel servidor da Casa de Bragança

combcav

André Mendes Lobo foi um capitão de cavalaria diferente dos demais. Sem nunca ter atingido maior projecção na hierarquia militar, foi durante alguns anos um dos mais importantes elementos na estrutura do exército da província do Alentejo, se não na tomada de decisões ao nível da condução das operações, pelo menos para o funcionamento daquele exército enquanto força militar. De origem plebeia, embora abastado (um vilão muito rico do Alentejo, como refere Felgueiras Gayo), arriscou a sua vida e empenhou a sua fortuna na defesa dos Bragança – talvez mais do que fizeram alguns nobres de sangue que colheram benefícios com a separação de Portugal da Monarquia Hispânica.

A preocupação de André Mendes Lobo era, também, defender o património próprio. As suas terras espalhavam-se pelas zonas que serviam de palcos de combate, de Elvas a Juromenha, passando por Borba, de onde era natural, e Vila Viçosa, onde residia.  A sua ligação à Casa de Bragança era muito forte. A ela devia a sua ascensão social, anterior ainda à Aclamação: por serviços prestados ao Duque D. João, fora elevado à fidalguia. Para mais, André Mendes Lobo integrara o grupo restrito dos que tinham um contacto bem próximo com o futuro monarca, pois fora Guarda-Roupa do Duque, ou seja, responsável pela câmara que antecedia o quarto de D. João, no Paço de Vila Viçosa. Tremenda carreira ascensional para um plebeu que, em 1625, quase fora assassinado por parentes da sua esposa, a fidalga D. Leonor da Silveira, indignados com o matrimónio do vilão com alguém que lhe era socialmente superior.

Também D. Leonor da Silveira privara com a família ducal, tendo sido ama de leite do Príncipe D. Teodósio. Mais do que isso, privara intimamente com o próprio D. João em manobras de Eros e Afrodite. Mancebia à qual Felgueiras Gayo atribui os favorecimentos feitos a André Mendes Lobo já depois do Duque cingir a coroa de Rei.

Após a Aclamação, André Mendes Lobo quedou-se pelo Alentejo. As suas acções como capitão de cavalos surgem em algumas relações e documentos oficiais, em nada sendo deslustrosas, mas também sem lhe valerem avanço na carreira das armas – não seria essa, de resto, a sua ambição. Embora continuasse a servir, era também pagador geral do exército do Alentejo, tendo chegado a desembolsar a soma de 18.000 cruzados (7.200.000 réis) para financiar os custos de uma campanha militar no Alentejo. Fazia questão de mostrar a sua riqueza e empenho no serviço através da dimensão da sua companhia de cavalos: na década de 50 e inícios da de 60, tanto a sua unidade como a do seu genro Dinis de Melo de Castro (futuro Conde de Galveias) ultrapassavam a centena de cavalos, quando a média das demais não ia além das 46 montadas; em 1661 chegaram a corresponder, no seu conjunto, a mais de 12% dos efectivos de cavalaria do exército do Alentejo.

Ia o ano de 1661 avançado quando André Mendes Lobo deixou o serviço na cavalaria. Tão grande era a sua companhia, que foi ordenado fosse repartida e dela se formassem duas. André Mendes Lobo faleceu no final de 1661. Uma carta do Conde de Atouguia, de 3 de Janeiro de 1662, ao Conselho de Guerra (ANTT, CG, 1662, maço 22, consulta de 14 de Janeiro) refere a petição feita por D. Leonor da Silveira, mulher que foi do pagador geral deste exército, e capitão de cavalos André Mendes Lobo, em que a viúva declara desejar continuar a servir a Coroa com o zelo que o fazia seu marido defunto, pedindo que, após a divisão da companhia que fora do seu marido, se desse uma companhia a D. António de Almeida e que outra, com mais cavalos que ela determinava comprar, ficasse assistindo no forte com capitão por ela nomeado, ou que então os cavalos se dessem ao genro, Dinis de Melo de Castro. O Conde de Atouguia refere que mandou o vedor geral do exército do Alentejo fazer proporcionalmente a partilha: achando-se 86 cavalos, deu para duas companhias de 43, e os 110 soldados também se repartiram com igualdade. As companhias foram entregues aos capitães D. António de Almeida (carta patente de 8 de Novembro de 1661) e Philipe Suel (francês, carta patente de 21 de Outubro de 1661). Sobre o pedido de D. Leonor para poder prover o capitão que melhor achar para a companhia que ela queria refazer, o Conde foi de opinião que assim lhe fosse concedido, em graça pelos muitos serviços que o seu marido prestara. Realçou as vantagens tácticas  da companhia assistir no forte – mesmo que ela não o pedisse, seria necessidade fazê-lo, pois ficava acudindo a Elvas, Juromenha, Vila Viçosa e lugares que se seguem Guadiana abaixo, cobrindo muitas herdades, assim das que ficaram de André Mendes como de muitos outros donos, impedindo as partidas que de Arronches (então na posse dos espanhóis) pretendessem passar a Olivença; e assim ficavam os soldados com melhor comodidade de quartel e os cavalos com mais erva. O Conde mostrou-se contra a proposta para que os cavalos se incluíssem na companhia de Dinis de Melo de Castro, pois na mostra de 29 de Dezembro de 1661 havia 117 cavalos naquela companhia.

A que forte se referia D. Leonor da Silveira, não esclarece o documento. No entanto, pode ser o que refere esta passagem da História de Portugal Restaurado: quando, em 1662, D. João José de Áustria invadiu Portugal de novo pela fronteira do Alentejo e marchou sobre Juromenha, (…) na marcha rendeu o exército uma casa-forte do capitão de cavalos André Mendes Lobo, situada entre Vila Viçosa e Juromenha, e guarnecida com uma companhia de infantaria. Mandou D. João de Áustria arrasá-la (…) (ERICEIRA, Conde de, História de Portugal Restaurado, edição on-line, Parte II, Livro VI, pg. 473). Por essa altura já a companhia a que D. Leonor da Silveira pretendera destinar o comandante estava incapaz de operar, pois segundo uma carta do Marquês de Marialva (13 de Junho de 1662, anexa à consulta de 19 de Junho), houvera ordens régias para que nela não fosse provido qualquer capitão e as deserções e incúria tinham-na deixado de todo perdida.

Bibliografia: além dos meus livros O Combatente durante a Guerra da Restauração… e A Cavalaria na Guerra da Restauração…, onde são tratados vários aspectos da carreira militar de André Mendes Lobo e Dinis de Melo de Castro, veja-se também:

COSTA, Leonor Freire; CUNHA, Mafalda Soares da, D. João IV, s.l., Temas e Debates, 2008, pgs. 84-85.

CUNHA, Mafalda Soares da, A Casa de Bragança 1560-1640. Práticas senhoriais e redes clientelares, Lisboa, Editorial Estampa, pgs. 569 e 588.

FELGUEIRAS GAYO, Manuel José da Costa, Nobiliário de Famílias de Portugal, Braga, Carvalhos de Basto, 1989, vol. IV, t. XI, pgs. 247-248, e vol. VI, t. XVII, pg. 428.

Imagem: “Um combate de cavalaria”, Adam Frans van der Meulen (2ª metade do séc. XVII), Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque.

Representações de batalhas – Montes Claros, 1665

As gravuras de época constituem muitas vezes boas fontes documentais. No entanto, as que pretendem mostrar o desenrolar de uma batalha no seu conjunto foram frequentemente objecto de demasiada “liberdade artística”, quer na composição formal da cena, quer nos pormenores que representam. Um bom exemplo dessa distorção é esta gravura italiana que pretende representar a batalha de Montes Claros (ou de Vila Viçosa, como também ficou conhecida), em 17 de Junho de 1665. Nela se encontram características comuns neste tipo de documento iconográfico: pouco realismo ou fantasia total na representação dos pormenores geográficos do campo de batalha, estilização da representação das unidades, aglomeração das formações militares, conferindo um aspecto bastante congestionado ao campo de batalha.

Imagem: Batalha de Vila Viçosa. Gravura italiana, c. 1665. Biblioteca Nacional, Iconografia, E1053V

Palcos de operações (2) – Badajoz, Elvas, Juromenha, Vila Viçosa

Carta da fronteira entre o Alentejo e a Extremadura espanhola, da autoria de João Teixeira Albernaz (pormenor, c. 1650). Uma das regiões mais flageladas pela guerra entre 1641 e 1667.

Biblioteca Nacional, Iconografia, CC254A.