O mestre de campo Francisco da Silva de Moura nas derradeiras batalhas da Guerra da Restauração

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A batalha do Ameixial (8 de Junho de 1663) permanece hoje bem recordada na História de Portugal. A vitória aí obtida pelas armas portuguesas foi o primeiro passo importante para acelerar o desfecho da Guerra da Restauração ou da Aclamação. O segundo seria dado dois anos volvidos, em Montes Claros. As evocações laudatórias contemporâneas destas vitórias, bem como a historiografia tradicional que as perpetuou na memória colectiva, ofuscaram a trama – por vezes menos gloriosa, mas não menos interessante – de acontecimentos vividos por alguns participantes, cujas referências permaneceram esquecidas nos arquivos.

Um desses exemplos é o do mestre de campo Francisco da Silva de Moura, comandante de um dos terços que combateu na batalha do Ameixial. Francisco de Moura, anteriormente capitão de cavalaria, foi promovido a mestre de campo em Dezembro de 1662, substituindo no comando do terço João Leite de Oliveira, que fora nomeado governador da praça de armas de Campo Maior. A unidade encontrava-se desfalcada de efectivos, pois em Fevereiro de 1663 estavam em formação duas companhias para incorporar o terço.

O terço de Francisco da Silva de Moura participou na campanha de 1663, tendo combatido no recontro do Degebe e na subsequente batalha do Ameixial. De acordo com a lista detalhada dos efectivos do exército português, contabilizados após uma mostra (passagem em revista das unidades e respectivo armamento) dias antes da batalha, o terço de Francisco de Moura contava somente 400 homens em estado de prontidão, metade do efectivo previsto na orgânica. No Ameixial, participou na decisiva fase da batalha em que as unidades de infantaria inglesa e portuguesa assaltaram as posições do exército espanhol no monte Ruivinho, acção que precipitaria a derrocada do exército espanhol. Mas o desempenho de Francisco de Moura levantaria algumas suspeitas.

Enquanto as unidades inglesas progrediam pelo flanco do dispositivo inimigo, o terço português lançou-se frontalmente para a áspera colina. O cerrado tiro de mosquetes e artilharia provocou baixas no terço e o avanço vacilou. É nesta ocasião que Francisco da Silva de Moura dá a ordem de “Alto!”, suspendendo a progressão. A alguns oficiais seus subordinados, que dele estavam próximo, disse que iam a caminho da perdição, pois receava que, por detrás da infantaria espanhola, houvesse cavalaria pronta a carregar (o que seria impossível, dada a natureza do terreno e do dispositivo defensivo espanhol); e acrescentou que deviam marchar mais para o lado esquerdo, para se juntarem ao regimento inglês que progredia no flanco. Porém, os seus subordinados recusaram obedecer, considerando que seria um sinal de cobardia. O sargento-mor do terço Manuel de Sequeira Perdigão ofereceu-se de imediato para fazer um reconhecimento, indo a cavalo pela planície do flanco esquerdo, onde a cavalaria dos dois lados combatia. Voltou pouco tempo depois, assegurando – como seria de esperar – que não havia cavalaria inimiga na elevação a que tinham de subir. E o avanço foi retomado, contribuindo o terço para a quebra da linha defensiva espanhola na colina.

Francisco da Silva de Moura foi acusado, após a batalha, de estar conluiado com o inimigo e de ter recebido dinheiro para trair o seu próprio exército. A denúncia terá partido dos seus subordinados, provavelmente de alguns capitães. E assim, o mestre de campo foi conduzido sob prisão a Lisboa.

Nas operações de cerco e retoma de Évora, ocupada pelos espanhóis desde 21 de Maio e recuperada a 26 de Junho, o terço foi comandado interinamente pelo sargento-mor Manuel de Sequeira Perdigão. Este oficial continuaria a comandar o terço até meados de Setembro, quando um decreto régio ilibou Francisco da Silva de Moura das acusações que sobre ele pendiam e mandou restituir o posto ao mestre de campo, considerando que tinha procedido na batalha como vassalo fiel e zeloso do seu serviço ao rei:

Mandando averiguar a causa, por que foi trazido de Alentejo preso o mestre de campo Francisco da Silva, se achou que nela não fora culpado, antes tinha procedido como vassalo mui fiel e zeloso de meu serviço, do que fico com grande satisfação. O Conselho de Guerra, tendo-o assim entendido, o faça restituir a seu posto, e se lhe diga, que tendo algum requerimento sobre seus serviços, lhe mandarei deferir como for justo, e com o favor que houver lugar. Em Lisboa, a 19 de Setembro de 1663.

No último dia de Dezembro de 1663, encontrando-se o terço aquartelado em Elvas, Francisco da Silva de Moura recebeu a visita do açoriano Sebastião Correia de Lorvela, que como ele fora mestre de campo e comandara um terço na batalha do Ameixial. Os ventos da fortuna sopraram de modo diferente para Sebastião de Lorvela, promovido ao posto de general da artilharia e responsável por passar mostra às unidades de Elvas. A lista que mandou coligir indicava que o terço de Francisco de Moura contava 590 soldados, dos quais somente 439 se encontravam capazes para pegar em armas, estando os restantes doentes.

O terço participaria na batalha de Montes Claros, em 17 de Junho de 1665. No meio dos combates, o mestre de campo Francisco da Silva de Moura viria a ser mencionado, mas desta feita nos relatos da refrega e por motivos diferentes do que sucedera no Ameixial. Assim, logo no início da batalha, adiantou-se com o seu terço, aparentemente por querer demonstrar o seu valor, destacando-se da linha inicial do dispositivo. As unidades de mosqueteiros foram desbaratadas perante a carga da cavalaria inimiga; todavia, perante a admiração de todos, reorganizaram-se duas vezes entre o furor do conflito, enquanto a firmeza da formação de piqueiros manteve os inimigos à distância. E desta forma o mestre de campo limpou a afronta que sobre ele tinha recaído dois anos antes.

Fontes: ANTT, CG, Secretaria de Guerra, Lvº 28, fl. 132 v, de 15 de Dezembro de 1663 – carta patente copiada com erro da data (seria 1662), pois as seguintes datam de Janeiro de 1663; idem, fl. 135; Decretos, 1663, mç. 22, dec. de 19 de Setembro de 1663.

Imagem: Batalha do Ameixial (pormenor do painel de azulejos da Sala das Batalhas, Palácio dos Marqueses de Fronteira e Alorna).

2 thoughts on “O mestre de campo Francisco da Silva de Moura nas derradeiras batalhas da Guerra da Restauração

  1. Magnífico texto, escrito com absoluta verdade e rigor, o que nem sempre acontece.

    O episódio de Silva Moura e Lorvela na batalha do Ameixial escrito pelo conde da Ericeira e outros deixa suspensa uma grande injustiça a Moura e muito pouca clareza na forma como ocorreu esta acção ocorrida no cabeço Ruivino, que foi tão importante no desfecho da batalha.

    Parabéns P. de Freitas por ter contado a todos com a sua habitual mestria esta pequena história da história da guerra quase esquecida que custou sangue e coragem aos portugueses de então para que os portugueses de hoje possam ter Portugal.

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