O vedor geral do exército

Por sugestão de João Torres Centeno, autor do blog Lagos Militar, decidi antecipar a preparação de uma pequena nota sobre o vedor geral do exército. Este cargo superintendia a administração das finanças em cada exército, conforme se pode ler nos capítulos 1 e 2 do respectivo Regimento:

Cap. 1 – Eu El-Rei faço saber aos que este virem, que considerando eu o quanto convém a meu serviço, e a justificação da despesa do dinheiro que se gasta na guerra, haver no exército um vedor geral, com cuja intervenção se façam os pagamentos dos soldados, e todos os mais gastos necessários, tomando deles razão em seus livros e listas, houve por bem de resolver que quem o fosse daqui por diante guardasse o regimento seguinte.

Cap. 2 – Haverá no dito ofício de vedor geral quatro oficiais de pena [amanuenses] e quatro comissários de mostras, que servirão de as tomar aos soldados e de fazer os papéis e livros que forem necessários, e as mostras se irão tomar pelos ditos oficiais e comissários às praças da fronteira, ainda que estejam distantes, porque sem eles se não fará pagamento algum.

Havia um vedor geral por cada exército provincial, tendo o respectivo regimento (no sentido de regulamento) entrado em vigor em 28 de Fevereiro de 1642. Em Novembro desse ano sofreu uma revisão, a fim de ser melhorado e procurar obstar ao verdadeiro caos que reinava então nas finanças de guerra, principalmente no que respeitava ao pagamento dos militares em serviço nas fronteiras. O Regimento do vedor geral constava de 84 capítulos, tratando da organização das listas (de militares), dos livros (de registo), das mostras, da cavalaria e da fazenda (finanças). Como era frequente na época, em cada capítulo havia incursões noutras áreas, não existindo uma sistematização muito rigorosa.

O vedor geral era um cargo não-militar que foi desempenhado por elementos da burguesia. O vedor e outros oficiais (não-militares) do aparelho administrativo, como o contador geral, o pagador geral, os comissários de mostras e os oficiais de pena, atribuíam-se o privilégio de receberem sempre em primeiro lugar o dinheiro das mesadas para o exército, que eram pagas com largos intervalos no tempo e raramente em quantidade suficiente. Em resultado, muitos militares combatentes acabavam por nada receber durante meses – por vezes mais de dois anos, como sucedeu nos últimos anos da guerra. Era o chamado “privilégio da primeira plana”, um costume que foi muito criticado pelos militares ao longo da guerra, desde governadores das armas até ao simples soldado, mas ao qual nem sequer uma tímida intervenção régia em 1653 conseguiu pôr fim.

Fonte: Regimento do Vedor geral do exercito da Prouincia do Alentejo, Arquivo Histórico Militar, 1ª divisão, 2ª secção, caixa 3, nº 1, cópia manuscrita, do séc. XIX, do original seiscentista.

Bibliografia: “Veedor”, in ALMIRANTE, José, Diccionario Militar, Madrid, Ministerio de Defensa, 1989, vol. II, pg. 1058.

Veja-se também O Combatente durante a Guerra da Restauração, pgs. 191-216.

Imagem: Imediações de Elvas, vendo-se o monte da Graça. Em Elvas residiu, durante boa parte da guerra, o vedor geral do exército do Alentejo. Não muito longe desta cidade existe uma localidade chamada Vedor. Foto do autor.

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