Uma incursão do capitão Dinis de Melo de Castro a Almonaster la Real (Janeiro de 1652)

Dinis_de_Melo_e_Castro_(1624-1709),_1673-1675_-_Feliciano_de_Almeida_(Galleria_degli_Uffizi,_Florence)

Inicia-se aqui mais um episódio das memórias do soldado de cavalaria Mateus Rodrigues (Matheus Roiz), passado em Janeiro de 1652. Tratou-se de uma incursão profunda em território espanhol – cerca de 102 quilómetros entre a praça de Mourão, início da marcha, e o objectivo, os campos de Almonaster la Real, que o memorialista apelida de Almoster. A incursão foi comandada por Dinis de Melo de Castro, à época capitão de cavalos e já elemento importante da rede clientelar da Casa de Bragança. Dinis de Melo de Castro distinguir-se-ia em fase mais avançada da guerra como general da cavalaria, recebendo o título de Conde das Galveias após o termo do conflito.

Estava este capitão Dinis de Melo de guarnição em a vila de Mourão e o capitão Diogo de Mendonça, também capitão de cavalos, que ambos tinham muito boas companhias, que a de Dinis de Melo tinha 90 cavalos e muito bem montados, e a de Diogo de Mendonça tinha 60 cavalos também muito bons. E neste mesmo tempo estava também a minha companhia de guarnição em a vila de Mourão, que dista 6 léguas [cerca de 30 quilómetros – na realidade, são 35 quilómetros] de Moura, tudo na raia. E destas terras sempre faziam grandes pilhagens, e assim que lançou este Dinis de Melo os sentidos aonde poderia fazer uma boa entrada, e como nesta vila de Moura há homens que sabem toda Castela a palmos, com conselho de alguns destes ajustou que em as partes de Almonaster havia muito gado, porquanto não tinham ainda chegado ali os portugueses, mas que era muito ruim terra, de serras muito fragosas; contudo, que eles se atreviam a levar lá as companhias de cavalo sem serem sentidos, e assim que podia Sua Mercê tratar a jornada todas as vezes que lhe parecesse. Assim como Dinis de Melo se conformou com as guias [o termo guia era feminino], logo pôs dia certo para ir.

Avisou logo as companhias que haviam de ir, que era a minha e a sua, a de Diogo de Mendonça e a de Jerónimo de Moura e a de van Inguen [capitão holandês, chegado a Portugal como tenente de cavalos em Outubro de 1641, no regimento das Províncias Unidas; continuou a servir depois daquela unidade ter sido desmobilizada em 1645 e reformar-se-ia, por motivo de doença, em 1654, passando a receber uma pensão atribuída pela Coroa portuguesa], que todas cinco passavam de 260 cavalos. De modo que nos ajuntámos em Moura e não quis Dinis de Melo levar então nenhuns mosqueteiros. Saímos de Moura e fomos dormir aquele dia a Safara, que é uma aldeia nossa. Daí saímos sempre por terra do inimigo, e quando foi no outro dia pela manhã tínhamos andado doze léguas [cerca de 60 quilómetros]. Mas na mesma noite que saímos de Safara se apartaram as partidas que haviam de ir ajuntar os gados, que como tinha muita mais terra de andar do que a reserva, saíram diante, que eram três partidas de 30 cavalos cada uma, com um tenente por cabo de cada uma, com suas guias muito boas. E assim como se apartaram não pararam senão a dar de comer aos cavalos lá pela madrugada. E daí até que chegaram a reserva, nunca os cavalos tornaram a comer, que andaram aquela noite e o dia até à tarde, que chegaram as tropas, andaram 17 léguas sem comer. De sorte que as partidas se foram marchando, e logo as tropas nas suas costas, mas ficaram em uma serra muito altíssima à vista do mesmo lugar de Almonaster. E assim como fomos sentidos, logo os lugares todos que nos ficavam nas costas se juntaram e trataram de nos vir tomar uma serra, por entre a qual havíamos de vir forçadamente. E como aquilo é terra a pior que há em toda Castela, não podem ali os cavalos fazer nada. Contudo, como nós vimos os vilãos juntos, que eram 600 homens e vinham com a dita tenção, disse então um guia nosso ao capitão Dinis de Melo que, se o inimigo nos tomava aquela serra, que não tínhamos nenhum remédio, que não havíamos nós de levar o gado, e além disso que nos haviam de matar gente e cavalos, que fizemos muito em irmos por diante a pôr-nos em a serra primeiro que o inimigo. Mandou logo Dinis de Melo montar as tropas para nos irmos à serra, que o tínhamos por tão impossível o poder lá ir acima, como ir ao céu a cavalo.

(continua)

Fonte: Manuscrito de Matheus Roiz, pp. 278-280.

Imagem: Dinis de Melo de Castro (1624-1709). Retrato a óleo pintado entre 1673 e 1675, por Feliciano de Almeida. Galeria dos Ofícios, Florença.